Maria Campino aproxima-se em passo decidido, vestida com camuflado e panamá. De baixa estatura e expressão dura, que recomenda cautela, esta primeiro-sargento é uma das duas primeiras mulheres do Exército a integrarem uma força de combate na República Centro-Africana (RCA)..Feita a continência, reage de imediato quando lhe dizem que vai ser fotografada: "Espere aí!", exclama a militar, enquanto tira o panamá e esboça um sorriso. Mas, em vez de ajeitar o cabelo, procura rapidamente pela boina da Cavalaria - que não encontra. Salva-a um tenente-coronel da mesma arma, talvez por saber que um operacional guarda esse elemento identitário na caserna antes de partir para o teatro de operações.."Foi a reação típica de qualquer militar que gosta de mostrar a cor da boina", pois "temos as nossas origens e gostamos de valorizar a nossa arma. Foi a nossa escolha e hei de dignificá-la sempre", explica Maria Campino ao DN, num momento de pausa - em Tancos e Atalaia, Vila Nova da Barquinha - do exercício final de aprontamento do quinto contingente do Exército para a RCA..Sob o comando do tenente-coronel comando Rui Moura, esta força de 180 capacetes-azuis - metade dos quais regressa à RCA - inicia a projeção para Bangui no próximo dia 20. O grosso deste contingente de capacetes-azuis com nove mulheres (5%), que assenta numa companhia de comandos da Brigada de Reação Rápida (BRR) e integra três controladores aéreos táticos da Força Aérea, partirá a 6 de março num voo fretado pela ONU..Maria Campino, há quase 13 anos no Exército, vai chefiar uma viatura blindada Pandur cuja metralhadora pesada Browning HMG 12.7 mm é operada por controlo remoto. Na sua guarnição e como apontadora vai a primeiro-cabo Catarina Cunha, natural de Guimarães e nascida em meados dos anos 1990..Para a primeiro-sargento, "esta missão é a cereja no topo do bolo, porque há muito ansiava por uma missão deste género" depois de já ter estado seis meses numa missão da NATO na Lituânia (2015). Nascida em Monção, nos anos 1980, a primeiro Campino diz que a preparação para as duas missões foi "mais ou menos a mesma" - apesar de uma ser nos Bálticos, com frio e chuva e "estradas ótimas", enquanto agora terá "muito calor, pó, melgas e outras situações" inerentes à atuação de uma "força treinada e virada para o combate"..Outras diferenças? "Na Lituânia eram exercícios, aqui há contacto com a população. São situações reais, vamos ser reforço" da infantaria, fazendo operações de observação e dando-lhe proteção através do poder de fogo que oferece uma Pandur - uma viatura que no dia do exercício final tinha ido encher o depósito com 377 litros de gasóleo..Certificação da força.Esta nova Força Nacional Destacada (FND) sucede a dois contingentes de paraquedistas e representa o regresso dos comandos à RCA. Como sempre, a preparação iniciou-se meio ano antes: primeiro o aprontamento administrativo-logístico, depois o aprontamento operacional e por fim o da projeção para o teatro de operações..Ponto alto dessa preparação é o exercício de avaliação da prontidão operacional - Bangui 191 - e que serve para os observadores e a Inspeção-Geral do Exército certificarem se a força está pronta a desempenhar a missão..Os participantes usam braçais de várias cores: os brancos indicam que são não combatentes (inspetores e observadores, entre os quais dois cadetes franceses a estudar na Academia Militar), os azuis são usados por membros do governo ou de organizações não governamentais, os verdes pela população e os vermelhos correspondem aos grupos armados inimigos.."Temos o grupo preparado", assegura o tenente-coronel Rui Moura aos jornalistas, no centro de comando da base operacional avançada - montada em Tancos - a partir do qual vai ser lançada a Operação Barkinha, para controlar a cidade de Bambari (um dos locais da RCA onde os portugueses mais vezes entram em combate) e restabelecer uma área estável e segura para as populações da zona..O teatro de operações "é rigoroso, exigente", por isso "é importante que tenhamos conhecimento do que vamos lá encontrar" e em "qualquer ponto do país", uma vez que os portugueses atuam como força de reação rápida do comandante militar da Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (MINUSCA)..Nos dias que agora antecedem a partida, Rui Moura explica ao DN que os militares vão "estar em casa com os familiares", vão "preparar os materiais para projetar" para a RCA, fazer "correções identificadas no material a receber ou que ainda está pendente" - como um militar ter recebido fardamento mais pequeno do que o necessário, por engano no envio ou porque o militar se enganou a preencher o requerimento - e fazer as últimas vacinações..Proteger campo de refugiados.Os tiros soam de forma ininterrupta, em rajada ou cadenciados. De vez em quando ouvem-se granadas a explodir. Debaixo de fogo, mas protegidos por um Humvee, dois soldados disparam a partir de cada uma das extremidades da viatura enquanto um terceiro, agachado entre eles, volta a carregar a G3. Mas o carregador não entra e é percetível o aumento do stress em que o militar já está - até que cai, simulando ter sido gravemente atingido a tiro (depois de um observador lhe dar um folha de papel com essa indicação)..Antes, já um soldado tinha revelado um surto de agressividade - palavrões, gritos, pontapés - tão genuíno que o comandante da força "pensou que era real e interveio", indica ao DN o tenente-coronel Garcia Lopes, chefe do Núcleo de Apoio e Intervenção Psicológica (NAIP) do Centro de Psicologia Aplicada do Exército (CPAE).."O que procuramos é verificar no terreno" se os 10% a 15% de elementos da FND com formação específica, na área dos primeiros socorros psicológicos, "reagem e estão prontos a apoiar um camarada que entre numa situação" de grande instabilidade emocional - "agressividade, pânico, tentativa de suicídio, surto psicótico ou luto de familiares", explica Garcia Lopes..Estabilizar o soldado, analisar a situação, compreender o que se passa, encorajar, reavaliar e reencaminhar o militar perturbado para uma área segura são as fases de intervenção desses efetivos, acrescenta o chefe do NAIP, que desde 2013 já ministrou 30 cursos..Entretanto, com os camaradas do soldado atingido com um tiro no peito a pedir apoio de fogo e a retirada de dois feridos, chega uma coluna de mais viaturas blindadas ligeiras Humvee para proteger o campo de refugiados..À distância, aproxima-se um helicóptero EH-101 com militares a bordo para dar cobertura aérea e ajudar a repelir o inimigo - aterrando a seguir no lado oposto da área à guarda dos militares portugueses, para recolher os feridos.."Antes de divulgarmos as imagens de operações reais", permitindo ter noção da violência com que atuam os grupos armados na RCA e como passou a ser feito com o atual chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), almirante Silva Ribeiro, "há o cuidado de esperar que os militares envolvidos liguem às famílias para dizer que está tudo bem como eles", diz ao DN a porta-voz do Exército, major Elisabete Silva..Com a chuva a cair, que o tenente-coronel Pimenta diz com humor corresponder ao pó da RCA, o ferido grave é colocado no interior do Humvee e transportado para o local de aterragem do EH-101, donde é evacuado com o outro ferido - e o exercício acaba.
Maria Campino aproxima-se em passo decidido, vestida com camuflado e panamá. De baixa estatura e expressão dura, que recomenda cautela, esta primeiro-sargento é uma das duas primeiras mulheres do Exército a integrarem uma força de combate na República Centro-Africana (RCA)..Feita a continência, reage de imediato quando lhe dizem que vai ser fotografada: "Espere aí!", exclama a militar, enquanto tira o panamá e esboça um sorriso. Mas, em vez de ajeitar o cabelo, procura rapidamente pela boina da Cavalaria - que não encontra. Salva-a um tenente-coronel da mesma arma, talvez por saber que um operacional guarda esse elemento identitário na caserna antes de partir para o teatro de operações.."Foi a reação típica de qualquer militar que gosta de mostrar a cor da boina", pois "temos as nossas origens e gostamos de valorizar a nossa arma. Foi a nossa escolha e hei de dignificá-la sempre", explica Maria Campino ao DN, num momento de pausa - em Tancos e Atalaia, Vila Nova da Barquinha - do exercício final de aprontamento do quinto contingente do Exército para a RCA..Sob o comando do tenente-coronel comando Rui Moura, esta força de 180 capacetes-azuis - metade dos quais regressa à RCA - inicia a projeção para Bangui no próximo dia 20. O grosso deste contingente de capacetes-azuis com nove mulheres (5%), que assenta numa companhia de comandos da Brigada de Reação Rápida (BRR) e integra três controladores aéreos táticos da Força Aérea, partirá a 6 de março num voo fretado pela ONU..Maria Campino, há quase 13 anos no Exército, vai chefiar uma viatura blindada Pandur cuja metralhadora pesada Browning HMG 12.7 mm é operada por controlo remoto. Na sua guarnição e como apontadora vai a primeiro-cabo Catarina Cunha, natural de Guimarães e nascida em meados dos anos 1990..Para a primeiro-sargento, "esta missão é a cereja no topo do bolo, porque há muito ansiava por uma missão deste género" depois de já ter estado seis meses numa missão da NATO na Lituânia (2015). Nascida em Monção, nos anos 1980, a primeiro Campino diz que a preparação para as duas missões foi "mais ou menos a mesma" - apesar de uma ser nos Bálticos, com frio e chuva e "estradas ótimas", enquanto agora terá "muito calor, pó, melgas e outras situações" inerentes à atuação de uma "força treinada e virada para o combate"..Outras diferenças? "Na Lituânia eram exercícios, aqui há contacto com a população. São situações reais, vamos ser reforço" da infantaria, fazendo operações de observação e dando-lhe proteção através do poder de fogo que oferece uma Pandur - uma viatura que no dia do exercício final tinha ido encher o depósito com 377 litros de gasóleo..Certificação da força.Esta nova Força Nacional Destacada (FND) sucede a dois contingentes de paraquedistas e representa o regresso dos comandos à RCA. Como sempre, a preparação iniciou-se meio ano antes: primeiro o aprontamento administrativo-logístico, depois o aprontamento operacional e por fim o da projeção para o teatro de operações..Ponto alto dessa preparação é o exercício de avaliação da prontidão operacional - Bangui 191 - e que serve para os observadores e a Inspeção-Geral do Exército certificarem se a força está pronta a desempenhar a missão..Os participantes usam braçais de várias cores: os brancos indicam que são não combatentes (inspetores e observadores, entre os quais dois cadetes franceses a estudar na Academia Militar), os azuis são usados por membros do governo ou de organizações não governamentais, os verdes pela população e os vermelhos correspondem aos grupos armados inimigos.."Temos o grupo preparado", assegura o tenente-coronel Rui Moura aos jornalistas, no centro de comando da base operacional avançada - montada em Tancos - a partir do qual vai ser lançada a Operação Barkinha, para controlar a cidade de Bambari (um dos locais da RCA onde os portugueses mais vezes entram em combate) e restabelecer uma área estável e segura para as populações da zona..O teatro de operações "é rigoroso, exigente", por isso "é importante que tenhamos conhecimento do que vamos lá encontrar" e em "qualquer ponto do país", uma vez que os portugueses atuam como força de reação rápida do comandante militar da Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (MINUSCA)..Nos dias que agora antecedem a partida, Rui Moura explica ao DN que os militares vão "estar em casa com os familiares", vão "preparar os materiais para projetar" para a RCA, fazer "correções identificadas no material a receber ou que ainda está pendente" - como um militar ter recebido fardamento mais pequeno do que o necessário, por engano no envio ou porque o militar se enganou a preencher o requerimento - e fazer as últimas vacinações..Proteger campo de refugiados.Os tiros soam de forma ininterrupta, em rajada ou cadenciados. De vez em quando ouvem-se granadas a explodir. Debaixo de fogo, mas protegidos por um Humvee, dois soldados disparam a partir de cada uma das extremidades da viatura enquanto um terceiro, agachado entre eles, volta a carregar a G3. Mas o carregador não entra e é percetível o aumento do stress em que o militar já está - até que cai, simulando ter sido gravemente atingido a tiro (depois de um observador lhe dar um folha de papel com essa indicação)..Antes, já um soldado tinha revelado um surto de agressividade - palavrões, gritos, pontapés - tão genuíno que o comandante da força "pensou que era real e interveio", indica ao DN o tenente-coronel Garcia Lopes, chefe do Núcleo de Apoio e Intervenção Psicológica (NAIP) do Centro de Psicologia Aplicada do Exército (CPAE).."O que procuramos é verificar no terreno" se os 10% a 15% de elementos da FND com formação específica, na área dos primeiros socorros psicológicos, "reagem e estão prontos a apoiar um camarada que entre numa situação" de grande instabilidade emocional - "agressividade, pânico, tentativa de suicídio, surto psicótico ou luto de familiares", explica Garcia Lopes..Estabilizar o soldado, analisar a situação, compreender o que se passa, encorajar, reavaliar e reencaminhar o militar perturbado para uma área segura são as fases de intervenção desses efetivos, acrescenta o chefe do NAIP, que desde 2013 já ministrou 30 cursos..Entretanto, com os camaradas do soldado atingido com um tiro no peito a pedir apoio de fogo e a retirada de dois feridos, chega uma coluna de mais viaturas blindadas ligeiras Humvee para proteger o campo de refugiados..À distância, aproxima-se um helicóptero EH-101 com militares a bordo para dar cobertura aérea e ajudar a repelir o inimigo - aterrando a seguir no lado oposto da área à guarda dos militares portugueses, para recolher os feridos.."Antes de divulgarmos as imagens de operações reais", permitindo ter noção da violência com que atuam os grupos armados na RCA e como passou a ser feito com o atual chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), almirante Silva Ribeiro, "há o cuidado de esperar que os militares envolvidos liguem às famílias para dizer que está tudo bem como eles", diz ao DN a porta-voz do Exército, major Elisabete Silva..Com a chuva a cair, que o tenente-coronel Pimenta diz com humor corresponder ao pó da RCA, o ferido grave é colocado no interior do Humvee e transportado para o local de aterragem do EH-101, donde é evacuado com o outro ferido - e o exercício acaba.