Duas décadas e meia depois da escolha do primeiro civil para diretor do Instituto da Defesa Nacional (IDN), mas já sem a polémica então levantada, a professora universitária Helena Carreiras torna-se sexta-feira a primeira mulher a assumir o cargo..Após mais de nove anos de liderança do major-general Vítor Viana, Helena Carreiras regressa a uma casa onde exerceu funções como subdiretora escolhida por aquele militar mas apenas durante dois anos (2010 a 2012)..Vista como uma discípula da também socióloga Maria Carrilho por se ter dedicado ao estudo das questões militares e, muito em particular, ao tema da igualdade de género nas fileiras, Helena Carreira apresentou há poucas semanas o seu último trabalho para o ministério: um relatório sobre a satisfação dos militares contratados e voluntários com as Forças Armadas, que incluía um plano de ação para aumentar a atratividade da instituição militar junto dos jovens (bem como a respetiva capacidade de retenção desses efetivos)..Professora associada no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, nas áreas da Sociologia, Políticas Públicas, Segurança e Defesa, Helena Carreiras vai iniciar um mandato de cinco anos depois de passar pelo crivo da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CRESAP)..Helena Carreiras toma posse um mês depois de o ministro da Defesa empossar outro civil, Jorge Seguro Sanches, como sucessor do major-general Esperança da Silva no cargo de inspetor-geral da Defesa Nacional (IGDN)..Note-se que o seu antecessor, Azeredo Lopes, escolheu outro general (mas de posto inferior) para IGDN, colocando-o ao mesmo nível dos inspetores da Marinha, Exército e Força Aérea - embora tenha rejeitado ter um militar como diretor-geral de Política de Defesa..João Gomes Cravinho, titular da pasta desde outubro passado, aparenta assim consolidar a civilização do Ministério da Defesa - reforçada no consolado do ministro José Pedro Aguiar-Branco (PSD) e importante no plano simbólico, por refletir a supremacia civil sobre as Forças Armadas..Além de Seguro Sanches (empossado em junho), Gomes Cravinho escolheu o jurista Marco Capitão Ferreira para presidir à holding industrial Empordef (abril) e o gestor João Martins Ribeiro para secretário-geral do ministério (maio). Antes, mas para subdiretor-geral de Política, escolhera um militar - o coronel Nuno Lemos Pires, oficial de Infantaria e académico..Mas a civilização do Ministério da Defesa por parte de Gomes Cravinho, que em maio empossou outro civil como secretário-geral do ministério - contém uma nuance: reforçar o poder político do governo face às Forças Armadas, que apenas têm reconhecido a figura do Presidente da República (como demonstrou o processo de demissão do general Rovisco Duarte como chefe do Exército)..Cravinho assumiu esse reforço ao ter passado a dar posse aos vice-chefes do Estado-Maior dos ramos - opção muito criticada dentro da instituição, como foi em 1996 a escolha do professor Nuno Severiano Teixeira como primeiro civil à frente do IDN..Currículo inquestionável.A verdade é que, 24 anos depois, a nomeação de uma mulher para o IDN já não suscita protestos militares - por já ter havido vários civis no cargo (ocupado rotativamente por civis e oficiais generais), por haver mulheres nas fileiras há três décadas e, principalmente, por ser alguém cujo currículo académico é inquestionável na área da Defesa.."A escolha da professora doutora Helena Carreiras para diretora do IDN é muito positiva, na medida em que se trata de uma académica reputada, com extensa obra publicada sobre as Forças Armadas e muito respeitada pela instituição militar", sublinha o almirante Silva Ribeiro, chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) e também académico..Helena Carreiras presidiu ao Grupo Europeu de Investigação sobre Forças Armadas e Sociedade (2017 a 2019), integrou o Conselho do Ensino Superior Militar (2011 e 2012) e é membro do Conselho Geral do Instituto Universitário Militar (desde 2017). É autora, entre outras obras, de Gender and the Military. Women in the Armed Forces of Western Democracies (2006, sobre as mulheres nas Forças Armadas ocidentais) e de Participação Militar Feminina na Europa do Sul (2002)..A posição pública do CEMGFA é partilhada por outros militares ouvidos pelo DN, como o coronel Nuno Pereira da Silva (que exercia funções no IDN quando passou à reserva): "Helena Carreiras tem o perfil adequado para o cargo" pela carreira desenvolvida na área da Defesa como investigadora, assim como "tem excelentes relações com os militares e tem sido orientadora de teses de mestrado e doutoramento" de alguns deles no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE)..O tenente-coronel paraquedista Miguel Machado, diretor do site especializado Operacional, considera "redutor dizer que [alguém] é nomeado por ser civil ou mulher" ao fim de tantos anos de presença feminina nas Forças Armadas e quando uma já chegou ao generalato. Mas Helena Carreiras "tem qualificações para o cargo porque está há muitos anos ligada a estes assuntos" da Defesa..Certo é que a escolha de Helena Carreiras é feita por um ministro que, depois de escolher a primeira mulher - a académica Ana Pinto - para o cargo de secretária de Estado da Defesa, tem vindo a destacar a necessidade de reforçar a presença feminina nas fileiras como uma das medidas para aumentar o número de efetivos nas Forças Armadas..Miguel Machado assinala, contudo, que a escolha de Helena Carreiras traduz também a sua longa ligação ao PS, visível no facto de muitos dos estudos que fez terem sido pedidos por ministros socialistas..Helena Carreiras é independente, apesar de fontes socialistas assinalarem ao DN a sua proximidade a João Tiago Silveira, diretor do gabinete de estudos do PS. Mas se estas fontes também reconhecem a competência académica da nova diretora do IDN, por outro lado interrogam-se sobre a sua "capacidade de gestão e dinamização" daquela estrutura depois da longa liderança e, acrescentou uma alta patente, do "ritmo difícil de igualar" do major-general Vítor Viana..Contudo, a escolha de Helena Carreiras cria expectativas de melhorar a ação do IDN nalgumas das fontes - a começar pelo CEMGFA, almirante Silva Ribeiro, que deseja àquela professora universitária "muito sucesso no novo cargo e que, a par da tradicional e importante ação formativa do curso de Defesa Nacional, o IDN possa agora retomar um dos principais desígnios que foram estabelecidos pelo general Câmara Pina no ato da sua fundação: fomentar o pensamento estratégico de defesa nacional, envolvendo todos os setores da vida nacional".