Presidente do INEM denuncia: SNS está a "colocar em risco várias vidas"

Paulo Campos foi suspenso pelo ministro da Saúde por prática "contrária aos princípios gerais da ética e da boa gestão"
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O ministro da Saúde, Paulo Macedo, instaurou um processo disciplinar ao presidente do INEM, com suspensão temporária de funções, informou Paulo Campos à Lusa.

A iniciativa de Paulo Macedo segue a recomendação das Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que recomendou a instauração de um processo disciplinar ao presidente do INEM, na sequência da intervenção deste na transferência de uma doente de Cascais para Abrantes, em helicóptero do Instituto, em janeiro deste ano. Paulo Campos considera que "todo este processo radica numa mentira ignóbil" e afirma que isso "a seu tempo ficará provado".

Aquando do conhecimento público da recomendação da IGAS, Paulo Campos enviou uma carta ao ministro da Saúde, na qual questiona a legalidade de alguns procedimentos desta inspeção no caso que o envolve.

[citacao:Não posso ignorar ou fingir não conhecer as fragilidades do sistema de saúde SNS que V. Exa superiormente dirige]

Na missiva, Paulo Campos enumera várias dessas alegadas irregularidades que passam, nomeadamente, pela falta de audição de algumas testemunhas. O responsável esclarece ainda, nessa carta enviada o ministro, que não tem qualquer relação de amizade com a doente em causa, a qual, supostamente, foi transferida de helicóptero a pedido do presidente do INEM. O dirigente do INEM não se revê nas conclusões do relatório da IGAS e garante que, neste caso, atuou como médico.

"Enquanto médico e gestor público/presidente do INEM, não posso ignorar ou fingir não conhecer as fragilidades do sistema de saúde SNS que V. Exa superiormente dirige. Sabe V.Exa, melhor do que eu, que tais fragilidades colocaram e continuam a colocar em risco várias vidas, designadamente por ineficiências do sistema, nomeadamente nos serviços de urgência", escreve Paulo Campos, que justifica o caso como sendo um "exemplo claro de tais fragilidades e ineficiências" do sistema de saúde. "Dos muitos a que o INEM vai dando resposta silenciosamente no dia a dia", acrescenta Paulo Campos, na carta a que o DN teve acesso.

O responsável garante que não retirou qualquer vantagem para si ou para "terceira pessoa. Atuei como médico, quando acorri ao hospital para observar a utente e dar a minha opinião." O presidente suspenso do INEM explica ainda que não disponibilizou "bens públicos a interesses particulares. Na hipotética situação de que um médico recorresse ao INEM, a solicitar o transporte da doente por Heli, teria sido obtido o mesmo resultado."

Segundo Paulo Campos, "apesar do helicóptero ser um meio altamente diferenciado, o seu uso não colocou em perigo o socorro à população, e foi menos do que enviar uma ambulância e VMER no transporte da doente, que essa sim poderia deixar de prestar socorro, e traria mais despesa ao erário público." E refere ainda que "têm, pois, o INEM, as equipas médicas e eu próprio, a certeza de termos, neste caso concreto, cumprido escrupulosamente a missão de que estamos legalmente incumbidos".

[citacao:Reafirmo que todo este processo radica numa mentira ignóbil, como a seu tempo ficará provado]

Chegou a estar marcada uma conferência de imprensa para esta tarde, que acabou por ser desmarcada. Na nota que dava conta desta disponibilidade para fazer, Paulo Campos disse ter sido informado pelo secretário de Estado da Saúde, Fernando Leal da Costa, que o ministro lhe iria instaurar um processo disciplinar, com suspensão temporária de funções. "Reafirmo que todo este processo radica numa mentira ignóbil, como a seu tempo ficará provado e foi por mim devidamente informado à IGAS e à Tutela", diz na nota, acrescentando que saúda a tomada de decisão "ao fim de largos meses de invenções, desinformações, especulações e fugas de informação que apenas visaram este resultado".

A IGAS concluiu que a conduta do presidente do INEM foi "contrária aos princípios gerais da ética e da boa gestão". Segundo a inspeção, "em função de um apelo particular, foi privilegiada uma doente sem que tal exceção fosse devidamente fundamentada e autorizada".

"Foram disponibilizados bens públicos/meios de emergência/recursos escassos e altamente diferenciados, com prejuízo do interesse público, e com custos associados ao acionamento do helicóptero e equipas", salienta a IGAS.

Para a inspeção, a conduta de Paulo Campos "é determinante de procedimento disciplinar, por ser contrária aos princípios gerais da ética, da boa gestão, por violação do princípio de interesse público, bem como por violação do princípio da especialidade", recomendação acatada agora pelo ministro.

Contactado pela Lusa, o gabinete de Paulo Macedo confirma que foi proferido despacho sobre esta matéria, cujo conteúdo escusou-se a revelar.

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