Portugueses só elegem 13,5% das mulheres candidatas a presidente de câmara
"Só sete? Só há sete autarquias com as mulheres em maioria no executivo? Não é muito pouco?", pergunta o DN. Célia Marques responde de imediato: "... pouco, dizer muito pouco é redutor." A presidente da Câmara de Alvaiázere, que volta "à vida civil" após 12 anos de vida política na autarquia, seis deles como presidente, desabafa: "Infelizmente, isto ainda é visto como um mundo masculino."
Alvaiázere (distrito de Leiria), Proença-a-Nova ( distrito de Castelo Branco), Marinha Grande (distrito de Leiria), Nisa (distrito de Portalegre), Constância (distrito de Santarém), Penedono (distrito de Viseu) e Vieira do Minho (distrito de Braga) são as únicas autarquias do país com mais mulheres que homens nos executivos camarários, mas somente três são presididas por mulheres.
Nas 308 autarquias do país, apenas 31 foram ganhas por mulheres (18 do PS, seis do PSD, quatro do PCP e três independentes).
Célia Marques, arquiteta de profissão, 43 anos, social-democrata, até percebe porquê, embora sublinhe que "é uma questão de se querer" e de ter apoio. "As mulheres não se reveem nesta vida. O género feminino não está predisposto a participar de forma ativa na vida política. A nossa vida pessoal e familiar muda? Claro que muda. Eu fui mãe na altura em que era vereadora... E aí, confesso, não foi fácil. Sem a ajuda da família não se consegue."
A vida política, os "afazeres, a gestão da autarquia" fora e dentro dos gabinetes e as reuniões partidárias acabam por colocar tudo o resto em planos secundários, "menos próximos". Até mesmo os mais próximos, os filhos. "Janto em casa com a família talvez uma vez por semana. Quando chego, normalmente a minha filha já está a dormir. É o pai que trata de tudo, leva-a à escola, às atividades... é a única forma de resolver. E ela já sabe que a mãe não participa, não vai... e aos fins de semana é igual. Há as reuniões, os jantares... Sem o apoio da família, do meu marido e dos meus pais seria muito difícil."
Ou talvez seja uma questão de "oportunidade, de oportunidades, de haver mais mulheres a entrar na política", diz António Carlos Carvalho, presidente social-democrata da Câmara de Penedono.
"E só ganharemos com isso. Isto apesar de haver por aí homens com receio de ver as mulheres a subir ao poder. Digo-lhe, as mulheres deviam assumir por completo todos os patamares da política. E sei do que falo, aqui sou o único homem. A vereação é composta só por mulheres, são quatro."
Este ano, nas eleições autárquicas há mais mulheres candidatas a presidente de câmara do que em 2013 (162) e 2017 (237). Mas muito claramente devido à chegada de novos partidos. O PCP é de longe o partido que mais mulheres (80) coloca como cabeça-de-lista, seguido do PS, com 44, PSD, com 31, Chega, com 30, BE, com 27, CDS, com 17, PAN, com 13, IL, com seis, e o Livre, com três mulheres candidatas. Falta aqui incluir as candidatas independentes do PTT e do MPT.
Se os valores forem próximos dos de 2017, teremos mais de 270 mulheres candidatas a presidente de câmara nas eleições autárquicas de 26 de setembro.
A relação entre o número de candidatas e as que são eleitas presidente de câmara é favorável aos socialistas. Nas últimas autárquicas, o PS conseguiu eleger 42% das candidatas, o PSD elegeu 25% e o PCP somente 5%, apesar de ser o partido que mais mulheres envolve em eleições.
Destaquedestaque80. PCP é o partido que mais candidatas a presidente de câmara apresenta nas suas listas.
Estes três partidos são, aliás, os únicos a conseguir colocar mulheres na presidência de municípios. Os grupos de cidadãos, por seu lado, conseguiram eleger 27% das candidatas.
Os valores das eleições autárquicas de 2013 não são muito diferentes: 41% das candidatas socialistas foram eleitas presidente de câmara, 27% das sociais-democratas, 11% das do PCP e 22% das candidaturas independentes.
Apesar de o número de candidatas nas eleições ter aumentado 46% de 2013 para 2017, os portugueses elegem apenas 13,5% de mulheres para a presidência das câmaras.
Se esta tendência se mantiver, nas eleições deste ano apenas serão eleitas mais seis mulheres do que há quatro anos - foram 23 em 2013, 31 em 2017 (quatro acabaram por sair para outros cargos políticos) e, mantendo-se a propensão, serão 37 em 2021.
E porque votam tão pouco os portugueses nas mulheres candidatas à liderança de uma câmara? Maria Antónia Pires de Almeida, investigadora integrada do CIES, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - Instituto Universitário de Lisboa, considera que "as mulheres no voto são mais conservadoras do que os homens, não são arrojadas, inovadoras, votam em quem lá está. É uma tendência que se tem verificado. E até no Parlamento as mulheres dos partidos de direita, por exemplo, votam em linha com o partido, e não em linha com o seu género, com as questões de género".
"E há um perigo crescente com a abstenção. É algo que devia afligir os políticos, e não bastam discursos na véspera das eleições. A forte ausência dos mais jovens, o afastamento dos jovens das eleições, enfraquece a democracia, que fica cristalizada. E provavelmente a mudança, a inovação, poderia vir daí, do voto jovem, mas não vem. Quando só metade da população vota, temos um problema geracional. Os mais velhos votam, mas votam sempre no que já conhecem nem que seja durante décadas", alerta a investigadora.
"Ainda é muito difícil votar numa mulher, principalmente nas zonas interiores do país. E depois, nas grandes cidades, nenhum partido aposta em mulheres, é raro acontecer", constata Maria Antónia Pires de Almeida.
António Barreto, sociólogo, tem a "convicção de que não se trata de uma escolha entre homens e mulheres, aliás elas continuam a ser tão poucas, quase invisíveis no país das autárquicas". "Esse exemplo das sete câmaras e a pouca expressão eleitoral nas candidatas a presidente de autarquia é um reflexo de que o sistema político e social está organizado de forma a favorecer os homens. O menu de escolha, de oferta, está enviesado a favor dos homens. Mantém o predomínio masculino", afirma.
Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, não fica surpreendido com "este estagnar" na eleição de mulheres para presidentes de câmara. "Se a envolvente continua a ser predominantemente masculina, será fácil uma mulher chegar ao topo? Não é, claro que não. Isto não depende somente do maior número de candidatas, depende também de um processo de socialização, que ainda não aconteceu, do que está em redor."
Destaquedestaque42%. PS é o partido que mais mulheres consegue eleger para liderar municípios.
Para o investigador, o "grande momento" é aquele em que "é quebrado o poder masculino instalado desde 1976, o momento em que a primeira mulher consegue ser eleita presidente. Com mais de 240 câmaras, do total de 308, a contar sempre com homens na liderança, percebe-se o que ainda há por fazer. O atual contexto está longe de ser suficientemente inclusivo".
"Por acaso, sim, é uma surpresa. É um fenómeno que ainda não está suficientemente estudado. A minha perceção", afirma a investigadora Teresa Ruel, professora de Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade de Lisboa, "é de que o partido continua a ser o fiel da balança nas autárquicas, que a identificação partidária é ainda o fator mais forte".
"Apesar da lei da paridade, apesar de os partidos aumentarem de ciclo eleitoral em ciclo eleitoral o número de mulheres candidatas, a eficácia continua baixa. O contexto local, a implantação local do partido, a aceitação cultural, num determinado concelho, de uma mulher na presidência de uma câmara podem ajudar a explicar o que se está a passar, mas é preciso estudar a fundo, investigar", conclui.
Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, prefere olhar para a "evolução brutal" que se registou entre 1976 ( cinco mulheres eleitas) e 2017 (31 eleitas). "Um aumento significativo, que se percebe, por exemplo, tomando como referência as mulheres eleitas para presidentes de câmara, vereadoras, presidentes de juntas de freguesia, assembleias de freguesia... Em 2001 a percentagem de eleitas era de 13,6% e em 2017 já era de 29,6%."
"Seria muito pior, mais difícil, sem a lei da paridade, a lei das quotas, e de alguma engenharia - o "3, 6, 9" que muitas vezes acontece: dois homens, uma mulher, e assim por diante - que os partidos fazem na elaboração das listas para as eleições. Há mulheres, mas muitas em lugares inelegíveis. Continua a haver uma desigualdade de género para os cargos políticos."
Destaquedestaque46%. Aumento de candidaturas femininas, entre 2013 e 2017, para a presidência de câmaras.
Onde estão as principais dificuldades? "Nas tradições preconceituosas, na lógica à medida do homem, os meios masculinizados. A mulher não pode adotar os modos tipicamente masculinos. Seria uma privação de liberdade incomportável, uma mulher não deve ter de escolher entre a vida familiar e um cargo de topo. Se isto for assim, significa que não aprendemos nada. Essa não pode ser a conciliação. As reuniões políticas precisam mesmo de ser à noite? É preciso ficar até de madrugada? Será que não pode ser diferente?"
Sandra Ribeiro está "otimista" e confia que nestas eleições vai haver mais mulheres eleitas. "Vai acontecer, acredito que irá acontecer."
E o facto de só haver sete autarquias com maioria de mulheres nos executivos camarários? "Infelizmente, não fico surpreendida."
artur.cassiano@dn.pt