Portugal top secret. Vizinhos da seleção sob apertadas restrições
Não está a ser um mar de rosas para alguns habitantes de Marcoussis ter vizinhos tão ilustres como Ronaldo, Nani, Quaresma e companhia durante o Euro 2016. O DN foi tentar perceber como é que quem vive ou trabalha nos edifícios que fazem paredes-meias com o Centro de Estágio onde Portugal está instalado têm convivido com o facto de a seleção estar praticamente à distância de um olhar.
Atrás de uma das balizas do campo principal onde Fernando Santos orienta os treinos há uma lona azul que impede os olhares indiscretos mas, no primeiro dia, no terraço de um stand da Citroën, foi possível perceber que havia gente que conseguia ver o treino sem grande dificuldade, muito embora esse seja apenas um dos eventuais problemas - a segurança da seleção, onde se encontra um ícone do futebol mundial como Ronaldo, será com toda a certeza a prioridade maior.
Monsieur Lambert, como o próprio se intitulou, revelou ao DN que o primeiro dia podia ter acabado muito mal para si, a nível pessoal, e também para o seu negócio.
"Veio aqui um senhor, penso eu que da segurança da seleção portuguesa, a pedir-me para as pessoas que estavam no terraço descerem. Eu disse que não, pois o espaço era privado. No final do treino veio a polícia francesa e levou-me no carro junto ao portão do Centro de Treinos e aí avisaram-se seriamente que ou eu não permitia, de livre vontade, que estivessem pessoas no terraço durante os treinos de Portugal ou, então, arranjavam uma ordem da Prefeitura de L'Essonne [responsável pela segurança e polícia locais] para me fecharem o stand durante o tempo de permanência de Portugal no Europeu. Não fui detido, mas por momentos pensei que ia preso", diz, com um sorriso, Monsieur Lambert, que adianta que estiveram até alguns portugueses no terraço no tal primeiro treino, a consumir produtos nacionais como vinho Mateus Rosé. "Era uma festa portuguesa, mas agora acabou-se. É melhor acatar e não haver problemas."
Mais ao lado há umas moradias habitadas por portugueses e franceses. O gaulês Diarra, acompanhado da namorada portuguesa que não quis falar, diz que esteve fora e que chegou "há poucos dias a casa" mas tem conhecimento de que a polícia não vai dar tréguas. "Entendo, Portugal tem que esconder o jogo, não é só medo de jornalistas, mas também de possíveis espiões de equipas adversárias e de possíveis atentados, enfim... não é uma situação fácil", refere visivelmente dividido.
Multa à vista
Na moradia ao lado encontra-se um português indignado. Manuel Torres é varredor do lixo, nasceu em França mas, como tantos outros, torce pela seleção nacional, isso não o impede, no entanto, de mostrar a sua discordância com tanto secretismo.
"Uma semana antes de Portugal chegar veio aqui um senhor da UEFA acompanhado de uma pessoa da Prefeitura de L'Essonne e avisou-nos que não podíamos deixar ninguém entrar em casa para ver os treinos. Eu nem consigo ver o campo todo, mas vejo a parte de baixo do relvado. E disseram mesmo que se não cumprisse com esta ordem seria multado, até cheguei a pensar que seria com medo dos atentados. Quando está aqui a seleção de râguebi da França não se passa nada disto, podemos ver tudo à vontade sem esta polícia toda à volta", relata para depois mostrar a sua indignação: "Eu quero que Portugal ganhe, mas eu acho isto mal e não sou eu o único a achar isso aqui em Marcoussis. Toda a gente, e não falo só dos portugueses, esperou por este momento com muita ansiedade e expectativa e agora nem podemos ver os treinos."
A verdade é que em torno do Centro de Estágio há muitos polícias e mesmo junto da parte de trás de uma das balizas - no outro topo não há vizinhança, pois encontra-se a unidade hoteleira da infraestrutura - há vários carros da Gendarmerie [Polícia] a vigiar todos os pontos de interseção com o Centro de Treinos. "Vamos aqui ficar até Portugal sair do Euro e sempre com muita presença", disse, sem querer identificar-se, o polícia situado junto ao stand da Citroën, o grande perigo visual para os segredos que Fernando Santos está a reservar para os adversários da seleção a começar já por depois de amanhã com a Islândia. Mas, sobretudo, para a segurança da comitiva nacional, pois a França, e isso nota-se nas coisas mais básicas, é hoje em dia um país sobressaltado.