Já dizia Miguel Torga que "onde houver um transmontano há qualquer coisa de irredutível", porque lhe "corre nas veias a força que recebeu dos penhascos, hemoglobina que nunca se descora". Algo que Jorge Braz tem personificado ao serviço da seleção nacional de futsal, que este domingo se pode sagrar bicampeã europeia. Para isso terá de vencer a Rússia (16h30, RTP1) na final do Euro 2022, naquela que é também a terceira final consecutiva da equipa nacional, depois do europeu (2018) e do mundial (2021) conquistados. E desta vez sem Ricardinho..Mesmo nascido a mais de sete mil quilómetros do "reino maravilhoso" de Torga (Trás-os-Montes) - em Edmonton (Canadá), a 25 de agosto de 1972 -, Braz foi moldado pelos saberes e tradições de Sonim, a aldeia do concelho de Valpaços que o acolheu com oito anos, quando os pais emigrantes regressaram a Portugal. Raízes que o definem como homem. Por mais de uma vez disse não ser ator no papel de treinador e quem o conhece diz que é "genuíno" e "frontal", que detesta "o cinismo", "os chavões" e a "colocação de rótulos". Aliás, ainda ontem, quando lhe perguntaram se esta era a geração de ouro do futsal, respondeu que "o sucesso não pode ser uma questão de ouro, prata ou bronze"..Foi guarda-redes do Chaves na década de 90, mas o futebol foi apenas um capítulo menor num currículo que engordou graças ao futsal. Já tinha o gosto pelo treino e, por isso, tirar o curso de Desporto e Educação Física pareceu-lhe o passo certo. Acumulou os treinos no Chaves com o curso universitário, que lhe deu a conhecer o futsal..Começou a jogar na equipa da universidade e um dia foi convocado para a seleção nacional universitária de futebol de cinco pelo então selecionador Orlando Duarte. E aí começou a mudança. Em 1997, uma grave lesão afastou-o do futebol e do futsal e levou-o a aceitar treinar a equipa feminina de futsal da Universidade do Minho. O resto é história..Lidera a seleção desde 2010. Era adjunto de Orlando Duarte quando o então selecionador pediu a demissão e lhe disse para ficar. Até hoje. Escreveu as páginas mais bonitas do futsal português ao conquistar um europeu e um mundial em três anos. Hoje pode dar seguimento à história vitoriosa, mas, seja qual for o desfecho do jogo desta final, Braz, o melhor selecionador do mundo para o Futsal Planet, já tem um cantinho na história do desporto português..Frontal como sempre, Jorge Braz referiu-se ontem ao jogo com os russos como o "mais difícil" do torneio, porque a "Rússia é a única seleção, a par de Portugal, que ganhou os jogos todos" e "é a seleção com os melhores indicadores", além de ter "uma variabilidade de jogadores que lhe traz uma riqueza enorme em termos de jogo". E ter consciência dá alguma vantagem aos portugueses, segundo o técnico nacional..A estatística da prova dá razão a Braz. Os jogadores russos estão no top de golos, de assistências para golo e de remates, ao contrário dos portugueses. Além disso, ganharam todos os 11 jogos (qualificação incluída) até à final, fixando um novo recorde da prova, numa altura em que procuram o segundo título europeu em sete finais, depois do conquistado em 1999. Já Portugal procura o segundo título na terceira final europeia e a centésima vitória oficial em 151 partidas..Para Jorge Braz, ver o reconhecimento social dos portugueses para com o futsal é "muito gratificante", mas para a final é preciso "baixar a adrenalina" para revalidar o título. "O grupo está todo muito tranquilo, até há brincadeiras e barulho a mais nas refeições. É sinal do ambiente que se vive aqui. É uma satisfação brutal estar aqui com esta gente. Estava aqui todo o ano, sem problema nenhum", assumiu o selecionador poucas horas depois da reviravolta épica frente a Espanha (3-2, depois de estar a perder por 2-0), que permitiu chegar à final..Nesse duelo ibérico, Zicky Té, que há dias foi eleito o melhor jovem jogador do mundo, foi herói do jogo ao marcar dois golos, mas, para o selecionador, o pivô de 20 anos ainda tem "muitas coisas a melhorar": "O Zicky tem uma personalidade e uma forma de ser muito focada, sabe muito bem o que quer e tem um espírito de equipa fabuloso. Hoje é o Zicky, ontem foi o Afonso, e o que também têm feito o Tomás Paçó ou o Pauleta... Todos contam.".Para o selecionador da Rússia, os troféus de Portugal dizem tudo. "São campeões europeus e mundiais e sem dúvida alguma a seleção mais forte do mundo de momento. Podemos falar sobre táticas, mas é preciso entender que estão no topo e para vencê-los vamos ter de estar ao nosso melhor nível", disse Sergei Skorovich, que conhece Jorge Braz há muito tempo e que gosta que ele tente "sempre jogar um futsal muito interessante, rápido e agressivo"..Ainda no domingo, na Ziggo Dome, em Amesterdão, Espanha e Ucrânia decidem o terceiro e quarto lugares da prova (13h30)..isaura.almeida@dn.pt