Portugal fora de tendência europeia "preocupante" de infeções e mortes
A União Europeia (UE) regista médias de 500 casos de covid-19 por 100 mil habitantes, que deverão levar a subidas nas mortes, prevê o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), indicando que Portugal foge à regra.
"Avaliando com base em todos os indicadores, a situação na grande maioria dos países da UE é motivo de grande preocupação, exceto em alguns países, e Portugal está entre aqueles em que consideramos que a situação é estável", afirmou em entrevista à Lusa o responsável pela unidade de Emergência de Saúde Pública do ECDC, Piotr Kramarz.
Ressalvando que esta análise tem por base a taxa de notificação de casos de covid-19 a 14 dias, o também chefe-adjunto do programa de doenças do ECDC observou que "este número já é de 500 por 100 mil habitantes como média para a União Europeia, o que é muito elevado".
"E tem vindo a aumentar nas últimas seis semanas, pelo que há cada vez mais casos reportados" ao nível europeu, acrescentou.
Segundo Piotr Kramarz, com "a taxa crescente de casos relatados [...] é de esperar que, dentro de algumas semanas, ou talvez mesmo na próxima semana, se comece também a ver um aumento da mortalidade", isto numa altura em que o número de internamentos e de entradas nos cuidados intensivos "permanece muito elevado".
Fora deste contexto está Portugal, de acordo com o especialista: "Depois de alguns aumentos bastante acentuados em fevereiro, os casos notificados em Portugal têm vindo a diminuir".
A posição de Piotr Kramarz surge numa altura em que, após dois meses de confinamento rigoroso que levaram a uma redução acentuada do número de infeções, Portugal começa a reabrir alguns setores, num levantamento gradual das restrições.
"No resto da Europa e exceto em Portugal [...] e, penso eu, em dois ou três outros países, a situação é motivo de grande preocupação", reforçou o especialista do ECDC, justificando que isso se deve, principalmente, à propagação da variante detetada no Reino Unido, com "uma transmissibilidade muito mais elevada do que as estirpes originais".
Em termos concretos, a variante com origem no Reino Unido do SARS-CoV-2 é já responsável por cerca de três quartos (cerca de 75%) dos casos de covid-19 na UE, realçou Piotr Kramarz, falando também numa "mortalidade ligeiramente mais elevada e maior gravidade da doença".
Dados do ECDC revelam que as mutações identificadas na África do Sul e no Brasil também se estão a propagar pela UE, mas ainda assim "em muito menor escala".
"Há muitas variantes deste vírus - é um vírus mutante -, mas estas três designámos como variantes preocupantes por serem mais transmissíveis e mais graves", contextualiza Piotr Kramarz.
A justificar os aumentos acentuados das infeções de covid-19 nas últimas semanas está também, de acordo com o especialista, uma menor adesão por parte dos cidadãos às medidas restritivas em vigor.
"As pessoas estão em geral, onde quer que olhemos, com a chamada fadiga pandémica. As pessoas estão cansadas de todas as medidas restritivas e há cada vez menos cumprimento e isto provavelmente também contribui para a situação que vemos agora", adiantou o responsável.
O Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças não recomenda a realização de viagens não essenciais na União Europeia para evitar a propagação de novas variantes do SARS-CoV-2, mas espera "mais liberdade" no verão.
"Neste momento, o que recomendamos é que se evitem as viagens não essenciais porque [...] a maioria dos países está numa situação que chamamos de séria preocupação", declarou Piotr Kramarz.
Numa altura em que a mutação do vírus detetada no Reino Unido representa 75% dos casos de infeção ao nível da UE e em que as estirpes identificadas no Brasil e na África do Sul se continuam a difundir no espaço comunitário, o responsável salientou que "a propagação destas variantes preocupantes pode, pelo menos, ser atrasada ao se evitarem viagens desnecessárias nesta fase".
Expectativa diferente tem o também chefe-adjunto do programa de doenças do ECDC para o próximo verão.
"Creio que ainda não haverá possibilidade de voltar à realidade antes da pandemia" no verão, mas "se houver reduções na transmissão e, especialmente se as populações em risco forem cada vez mais protegidas dos graves resultados da covid-19 então, teremos mais liberdade" de circulação, estima Piotr Kramarz.
Destaquedestaque"O que mais nos preocupa são os efeitos graves nas pessoas mais velhas e nas pessoas que têm doenças crónicas"
Claro que "algumas medidas terão ainda de ser mantidas mesmo durante o verão, como o distanciamento físico e o uso de máscaras em algumas situações", acrescentou o especialista.
"O que mais nos preocupa são os efeitos graves nas pessoas mais velhas e nas pessoas que têm doenças crónicas", que são aliás as camadas da população prioritárias para a campanha de vacinação contra a covid-19 em curso na UE.
"Se não causar doenças graves [a infeção] é, claro, menos ameaçadora", assinalou Piotr Kramarz.
O especialista pede, também, que os países atinjam "uma capacidade suficiente de sequenciação genómica para detetar estas novas variantes", de forma a combatê-las.
A posição de Piotr Kramarz surge numa altura em que se discute, ao nível da UE, uma proposta legislativa apresentada pelo executivo comunitário relativa à criação de um certificado digital para comprovar a vacinação, testagem ou recuperação da covid-19, um documento bilingue e com código QR que deve entrar em vigor até junho para permitir a retoma da livre circulação.
A ideia de Bruxelas é que este livre-trânsito funcione de forma semelhante a um cartão de embarque para viagens, estando disponível em formato digital e/ou papel, com um código QR para ser facilmente lido por dispositivos eletrónicos, e que seja disponibilizado gratuitamente, na língua nacional do cidadão e em inglês, de acordo com a proposta.
Os setores do turismo e das viagens representam cerca de 10% do PIB europeu.
Num relatório divulgado em março, o ECDC sugeriu o alívio de restrições às viagens - assentes em teste ou quarentena - para quem esteve infetado com covid-19 nos seis meses antes de viajar, devendo manter outras regras.
O ECDC propôs também nesse documento que, "para indivíduos que recuperaram recentemente de uma infeção covid-19, um certificado confirmando a sua recuperação nos últimos 180 dias [...] poderia ser aceite como o equivalente ao teste negativo SARS-CoV-2 que é exigido aos viajantes".