Por que aceitou o desafio do CDS para encabeçar a lista por Leiria, o círculo pelo qual Assunção Cristas foi eleita? Está em jogo o futuro da minha carreira política (risos). Aceitei porque dos lugares disponíveis achei que fazia mais sentido encabeçar uma lista. Eu sou independente e, portanto, achei sempre que fazia mais sentido num distrito como Leiria que se identifica bastante com as que são as principais propostas do CDS nestas eleições. Assumindo a responsabilidade da pessoa que vai suceder à presidente do partido..Este apelo da política, que já começou nas autárquicas, deriva da herança familiar, de o seu pai [Nuno Abecasis] ter sido presidente da Câmara de Lisboa, apesar de ter estado tanto tempo no jornalismo? Toda a gente diz isso, mas não sei definir muito bem. Não estava nos meus planos inicialmente, eu sempre quis ser jornalista, e fui durante 28 anos, gostei muito e gosto do jornalismo. O que aconteceu ao fim de 28 anos é que achei que já tinha feito mais ou menos tudo o que havia para fazer em Portugal como jornalista e até como repórter internacional e sempre gostei muito de política, que acompanhei no últimos anos, quer como editora de política e depois em cargos de direção e na parte do comentário. E muitas vezes tinha esta sensação de ser fácil estar a comentar o que os outros fazem depois de estar feito e sentia a obrigação de fazer o que achava que devia ser feito e tentar dar aquilo que acho serem os meus talentos ao país. Fez-me sentido quando a Assunção me fez o convite há dois anos para me candidatar na altura às autárquicas e dado esse passo estou a gostar muito do que estou a fazer na política. Estive na Câmara Municipal de Lisboa até agora e acho que posso dar mais ao país. Agora é verdade que tenho uma herança, dado que nasci com a política e vivia de uma maneira que faz sentido. O meu pai foi autarca durante 10 anos na Câmara de Lisboa e tinha muito contacto com as pessoas e conseguia, de facto, mudar alguma coisa. Foram todas essas heranças que me trouxeram à política..Como autarca da Junta de Freguesia das Avenidas Novas procurou sempre esse contacto mais próximo com as pessoas? Sim, a política só faz sentido assim e gosto muito de ter começado na política autárquica porque é uma forma de fazer política com muito maior proximidade e maior visibilidade dos resultados, em que percebemos muito melhor quais são os problemas das pessoas e como os podemos resolver. Neste passo, se for eleita para o Parlamento, tenciono não perder esse contacto com o terreno que é, aliás, uma coisa que vem do jornalismo, o contacto com as pessoas..Este é mesmo um ponto de não retorno ao jornalismo? É. Na vida nunca podemos dizer "nunca digas nunca", mas eu sempre defendi que quem estava no jornalismo e passava para o outro lado não podia voltar ao jornalismo. Acho que não terei condições de isenção para voltar a exercer o jornalismo..Agora desse lado da barricada sente que algumas vezes foi injusta na maneira como olhou para os políticos? Não, não, por acaso não sinto. Acho que os políticos têm de estar sob escrutínio e, deste lado da barricada vejo muitas vezes o incómodo das pessoas com a forma como os jornalistas olham para as ações e fazem críticas à ação dos políticos. Mas eu acho que isso faz parte da profissão e do jogo. A direita mais do que esquerda tem muito que aprender a trabalhar com a comunicação social e esse lado do escrutínio, que muitas vezes descarta e acha que não é a coisa mais importante. Não se consegue fazer política sem trabalhar a comunicação e sem conseguir fazer chegar as mensagens ao lado de lá e isso faz-se essencialmente através dos jornalistas. E ainda bem que assim é porque com a crise do jornalismo hoje em dia corremos o risco de vir a não ser assim e isso será seguramente pior. Nesse sentido não me sinto nada injusta, até porque muitas vezes critiquei duramente as pessoas com quem agora estou (riso)..O CDS em três ex-jornalistas para as listas, em si, no Sebastião Bugalho e no Rui Lopes da Silva. É uma aposta nos comunicadores? Por acaso acho que não. É uma coincidência porque os três chegámos ao CDS por caminhos diferentes. Agora se temos trazido alguma coisa sobretudo nesta perspetiva de fazer perceber a quem está no CDS que é muito importante a maneira como se trata a comunicação social acho que sim. Ainda bem que somos três e não sou só eu, senão a tarefa era muito mais difícil..Leiria tem muito que ver com as propostas do CDS porquê? Que propostas são essenciais para convencer um distrito que é complexo do ponto de vista eleitoral para o partido? O distrito de Leiria tem uma característica que não é muito frequente no país, é na sua maior parte de gente empreendedora, empresários, pessoas que não dependem do Estado para fazer as suas vidas e criar as suas empresas e postos de trabalho, para evoluírem tecnologicamente. É um distrito que tem uma grande quota-parte das exportações em Portugal e por isso vive bem com a liberdade de escolha, que é a principal bandeira que o CDS traz a estas eleições. A liberdade de escolha na área da Educação e da Saúde, mas também as escolhas que as pessoas que têm as suas empresas e que gerem os seus negócios podem e não podem fazer, Basicamente o que mais nos diferencia do governo que está e da esquerda é a ideia de que é preciso libertar a economia do Estado. E daí também a proposta da descida de impostos, que entendemos ser a melhor maneira da economia puder crescer saudavelmente e a um patamar que com o peso do Estado e a carga fiscal é impossível. Em Leiria as pessoas percebem bem isto e quando lhes digo que o risco destas eleições é que Parlamento possa virar dois terços à esquerda. Porque se isso acontecer, sem dúvida nenhuma, independentemente de haver ou não maiorias absolutas, a ocasião histórica a esquerda não a perderá, seria estúpida se a perdesse, para mudar coisas que há 40 anos quer mudar no país. E não estou a falar da Constituição, se calhar esse é o ponto menos importante, mas das principais leis básicas do país, da Saúde, da Educação, de tudo o que estrutura a nossa sociedade e que demonstra perspetivas diferentes de como o país deve avançar. E a esquerda quer claramente uma intervenção maior do Estado em todas as atividades, na Saúde, na Educação e na Economia..A possibilidade do Parlamento virar dois terços à esquerda também depende da prestação do PSD. Rui Rio tem estado a ser combativo o suficiente para impedir isso? Não somos iguais em muitas coisas, são dois partidos diferentes. O PSD e sobretudo o PSD de Rui Rio é um bocadinho mais social-democrata, mais à esquerda. Com a campanha eleitoral as diferenças começam a vincar-se mais, mas nalgumas matérias o PSD não vê tanto problema no peso que o Estado tem na vida das pessoas como o CDS. Esta bandeira da liberdade de escolha é muito mais do CDS do que do PSD..Mas os dois partidos são compatíveis para se coligarem após as eleições se tiverem um resultado que o permita? Rui Rio tem pouco que ver com Assunção Cristas... Os dois partidos são pragmáticos. Paulo Portas também não tinha nada que ver com Pedro Passos Coelho e teve num governo durante quatro anos com ele. São dois partidos que se complementam e no CDS também há muitas matizes. Agora não são dois partidos que façam o mesmo discurso em matérias essenciais para a sociedade, logo a começar na questão da vida. Há uma questão que se vai pôr na próxima legislatura que é a questão da eutanásia. O CDS é claramente contra, o PSD não tem sentido de voto e o líder do partido já disse, aliás, que era a favor..Mas nos programas eleitorais dos partidos essa questão não é tocada... Mas é costume, as questões da vida nunca são tocadas nos programas eleitorais mas acabam sempre por surgir. Por acaso no programa eleitoral do CDS é tocada..Se for eleita, qual a expectativa do mandato como deputada? Não sei...é um enorme desafio. Acompanhei o Parlamento durante muitos anos, olhei do lado de cá e agora vais ser toda uma experiência nova. Há uma coisa que já percebi, é que os deputados trabalham muito mais do que normalmente nós jornalistas fazemos passar para fora e um grupo parlamentar pequeno tem maior taxa de esforço do que um grande. Muita gente pergunta-me 'para que comissão é que vais?' Infelizmente não posso ir só para uma comissão e num grupo parlamentar que não tem muita dimensão não está muito à escolha e as comissões dão muito trabalho para lá daquele que tem visibilidade normalmente para o país..Mas há áreas em que gostasse mais de trabalhar? Gosto mais das áreas sociais..Escreveu um artigo há pouco tempo a criticar as opções do governo sobre a Lei de Entidade de Género e a sua aplicação às escolas para as crianças transgénero, em particular a possibilidade de escolherem as casas de banho e balneários. Existe ou não um problema para resolver com as crianças transgénero? Quando escrevi esse artigo nada me movia contra nem diminuía o problema das crianças transgénero. O que digo é que estes problemas não se resolvem com despachos ou diplomas, resolvem-se com bom senso dentro das escolas, sobretudo quando se trata de crianças. O que me indignou foi a maneira como aquele despacho foi feito e altura em que saiu porque acho que não vai resolver nenhum problema. Toda a vida andei numa escola pública, os meus filhos andam numa escola pública, eu sei o que é uma escola pública. E sei o que é que um despacho desses levado à letra tem como consequência dento de uma escola, já ouvi alguns relatos desde há uma semana que escolas abriram. Tenho um filho adolescente que também já ouvi comentar por alto, quando ouve falar desse despacho o que aquilo provoca é piadas entre os miúdos. E é normal e saudável que seja assim. O que acho é que não há só crianças transgénero, há outras com muitíssimos problemas nas escolas. O problema resolve-se com bom senso e discrição dentro das escolas. Tenho pena que este que este governo que passa a vida a falar das igualdades e das oportunidades e de tudo isso não olhe para miúdos que têm necessidades especiais e que não têm educação especial nas escolas e isso é um facto no país todo. Não faça mais pelas acessibilidades para miúdos e pessoas adultas que têm problemas de acessibilidade. Em Lisboa, por exemplo, um jovem em cadeira de rodas não pode entrar na maior parte das universidades e nunca vi fazer um despacho sobre isso. E haver uma atenção especial para resolver esse problema e, portanto, existe um problema com crianças transgénero e existe um problema com imensas outras crianças que não têm despachos. Este tem uma motivação ideológica, que vai muito para lá desta questão concreta e que tentei explicar no artigo e que causou muita celeuma e muita crítica, mas é exatamente aquilo que eu acho. Há aqui uma tentativa ideológica de alterar as bases da sociedade para confundir as pessoas..As escolas adotaram logo essa postura de bom senso perante o despacho dizendo que iriam encontrar as melhores soluções... Mas o governo não pode fazer despachos irresponsáveis..A maneira como o CDS olha para estas questões também reflete as divisões dentro do partido. Há uma ala mais liberal e uma mais conservadora. Encaixa-se mais em qual? Encaixo-me nas duas. Se estivermos a falar de questões de vida a ala em que me encaixo é que se diz conservadora ou defensora da vida, se estivermos a falar destas questões de género não tenho nenhum preconceito mesmo. Acho é que não se pode usar isto como arma de arremesso para criar um lastro na sociedade que não é aquilo que a sociedade precisa nem vai resolver esses problemas..Paulo Portas conseguia fazer este casamento entre as várias tendências dentro do CDS. Assunção Cristas parece não o estar a conseguir tão bem... As pessoas são diferentes. A Assunção Cristas não é o Paulo Portas, que tem outras qualidades e outros defeitos. As polémicas são normais dentro dos partidos. Agora tudo se cose melhor com resultados. Quem tem melhores resultados tem maior controlo na máquina partidária, quem tem menores resultados tem menos controlo na máquina partidária..Esse nervosismo deriva dos resultados nas europeias? Acho que sim..As sondagens continuam a apontar para um resultado menos bom para o CDS. Estão a evoluir..Mas está preocupada? Algumas apontavam para a redução do grupo parlamentar do CDS para metade. Não vou fazer o discurso dos políticos. Obviamente que é uma preocupação, mas a minha intuição diz-me que isso não vai acontecer, diz-me que as coisas ainda têm um caminho a fazer. E que a campanha eleitoral ainda vai mostrar outra realidade, agora é verdade que o partido cometeu alguns erros antes das europeias e tem de os corrigir. Acho que os tem vindo a corrigir, mas vamos ver até que ponto isso tem expressão nos resultados eleitorais..Os erros também passaram pela postura da líder, que foi sempre muito agressiva para o primeiro-ministro, António Costa? Mas depois ela deixou de ser agressiva para o primeiro-ministro e começaram a dizer que não havia oposição... Esse é um erro de perceção. Houve um erro na questão dos professores e a campanha das europeias não foi feita da melhor maneira. Aí sim houve um discurso muito mais radical e se calhar menos propositivo..A culpa foi do Nuno Melo? Não acho, acho que estas coisas decidem-se ao nível da máquina partidária. Não acho nada que seja culpa do Nuno Melo, que fez o seu trabalho. Agora é verdade que a estratégia que foi adotada não foi a melhor, sobretudo numa altura em que as perceções sobre o CDS tinham mudado..Devia ter sido uma campanha mais de propostas? Em política a perceção é praticamente tudo e quando a agulha muda é preciso saber adaptar e não se adaptou como devia ser..Se o resultado for mesmo muito baixo, o CDS tem de se reinventar? E coloca em causa a liderança de Assunção Cristas se o resultado nas legislativas for expressivamente mau? Acho que o resultado não vai ser expressivamente mau. A política é assim. A Assunção Cristas já respondeu a isso, que a coisa que menos a preocupa neste momento é o resultado do CDS em si. Acho que o resultado final do quadro parlamentar é, de facto, uma coisa preocupante. Vamos ver que cenário político é que aparece depois das eleições. Se as piores perspetivas se verificarem, o que eu não acredito, toda a direita tem de fazer uma introspeção e perceber o que é que está a fazer de mal e o que deve mudar..Não deveria, por isso, ter havido um entendimento prévio eleitoral entre o PSD e o CDS? Coligados somam mais votos. Há sempre essa tese, mas não aconteceu e acho que havia já proclamações muito anteriores que queriam ir a eleições separados que na altura em que isso começou a ser falado já não era o tempo para tomarem essa decisão. Até porque as coligações entre partidos - e esse foi sempre um erro da nossa democracia, até do PSD e do CDS - não podem ser só feitas por motivos de conveniência, têm de ser feitas do ponto de vista programático. E evidentemente, depois das europeias, já não era altura para esse entendimento..Estes pequenos partidos - Aliança, Iniciativa Liberal e até o Chega - ajudam a consumir eleitorado ao PSD e ao CDS? Nalguma coisa dispersam, embora nas eleições europeias esse efeito tenha sido muito menor do que se pensava e acho que agora vai voltar a ser, mas é evidente que a dispersão de votos nunca é uma coisa boa.