O Teatro São Luiz, em Lisboa, celebra os seus 125 anos no próximo dia 22. Integrado na programação de aniversário, estreia esta sexta-feira Xtròrdinário, espetáculo de "musicól" do Teatro Praga que conta a história deste teatro com muito humor. José Raposo, André e. Teodósio, Cláudia Jardim e o Fado Bicha são alguns dos intérpretes deste alucinado musical onde, apesar de tudo, se tenta não fugir à verdade. Eis o que podemos ficar a saber:.1. Quem era o São Luiz que dá nome ao teatro?.Com pais portugueses, Luís Braga Júnior (1850-1918) nasceu no Brasil onde iniciou a sua carreira no teatro como ponto. Recebeu heranças, fez investimentos e criou a sua própria fortuna. Entretanto, tornou-se empresário teatral, com queda para os espetáculos mais popularuchos. Após a proclamação da república no Brasil, em 1889, Braga muda-se para Portugal onde recebe o título de visconde de São Luiz de Braga, outorgado em 1891 por D. Carlos I. Foi também o rei que lhe cedeu os terrenos da Casa de Bragança em Lisboa, na antiga rua do Tesouro Velho, para a construção de um teatro que haveria de ter o nome da rainha D. Amélia..O empreendimento foi feito em sociedade que, entre outros, incluía António Ferreira Ramos (1850-1921). Mas o principal investidor era o visconde, que, segundo os historiadores, escolhia o repertório e geria as despesas da montagem dos espetáculos da forma mais lucrativa possível. O projeto é do arquiteto francês Louis-Ernest Reynaud modificado em Lisboa por Emílio Rossi e com um fresco do cenógrafo Luigi Manini. Após a final da monarquia, passou a chamar-se Teatro da República e, por fim, depois da morte do empresário, Teatro São Luiz..No espetáculo, o papel de São Luiz é interpretado por José Raposo e o de António Ramos por André Teodósio..2. Qual a primeira peça apresentada no São Luiz?.No final do século XIX, o mundo estava em movimento. Havia automóveis em terra e dirigíveis no ar, os primeiros filmes no cinema e feministas a lutar pelos seus direitos. Mas, como diz Ramos no espetáculo, a capital portuguesa "está depositada na casa mortuária da civilização. Arrasta-se moribunda, devagarinho... que o progresso assusta..." É nesta cidade que a 22 de maio de 1894, dia do oitavo aniversário do casamento da rainha com D. Carlos I, se inaugura o Theatro D. Amérlia com a opereta A Filha do Tambor-Mor, de Offenbach. Uma peça nacionalista francesa de 1879, aqui interpretada pela Companhia Gargan, de Itália..125 anos depois, no próximo dia 22, o teatro recebe novamente o espetáculo A Filha do Tambor, desta vez com direção musical do maestro Cesário Costa, encenação de António Pires e mais de 100 pessoas em palco entre atores, bailarinos, músicos e cantores..3. Por este palco passou Sarah Bernhardt. Mas não só.Em 1898, a atriz Eleanora Duse atua neste palco, onde, um ano mais tarde, Sarah Bernhardt interpreta A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho. Seria, como se diz em Xtrórdinário, como se hoje em dia viessem apresentar-se em palcos portugueses as atrizes Glenn Close e Meryl Streep. A passagem de Sarah Bernhardt por Lisboa foi recordada, ali mesmo, há pouco tempo, num espetáculo de Miguel Loureiro com a atriz Beatriz Batarda. Aqui, são as atrizes Cláudia Jardim e Joana Manuel que dão corpo às duas divas rivais..A programação do teatro nesses primeiros tempos era, na verdade, estonteante. Não só porque podia acontecer estrear um espetáculo diferente todos os dias ("e ainda se queixam da programação do CCB e da Culturgest") mas porque era bastante diversificada. Em 1902 é representada A Ceia dos Cardeais, de Júlio Dantas, pela Companhia Rosas & Brasão, ali sediada, mas com a particularidade de ser interpretada por três atrizes: Rosa Damasceno, Adelina Abranches e Lucília Simões. Em 1904, sobe ao palco a peça A Transviada em que, explica na peça a "Mana do Antigamente", "a princesa Uranus "é uma lésbica augada que enfia os patins à heteronormatividade patriarcal". É aqui que, em 1906, a atriz Palmira Bastos protagoniza Vénus, e, que, em 1917, se estreia Amélia Rey Colaço com a peça Marianela, dos irmãos Quintero.."Lisboa era muito atávica, sempre foi. Mas ao mesmo tempo existiam coisas muito vanguardistas, como por exemplo o transformista Leopoldo Fregoli que se apresentou aqui. Mas também o facto de o Manifesto Futurista ter sido apresentado neste teatro e de Fernanda do Vale ter assistido", explica o ator André Teodósio, dos Praga. "Sabendo que não podemos apresentar tudo, concentrámo-nos na ideia de um teatro que está sempre em transformação - não só porque recebe transformistas logo no início mas também porque recebeu diferentes tipos de eventos e serviu diferentes ideologias. Começou por ser uma coisa comercial, "à Paris", depois passa a ter só cinema, é praticamente abandonado e entregue a eventos diversos, funciona como aparelho do Estado até que finalmente é comprado pela Câmara.".4. Meu querido Santo Amianto.Em 1914, na noite de 12 para 13 de setembro, um incêndio destruiu praticamente todo o edifício. A companhia residente pertencia ao dramaturgo Lino Ferreira que se muda para o vizinho Teatro Nacional de São Carlos. Como memória da tragédia, está ainda agora, ao fundo da caixa do palco da sala principal, a imagem daquele a que hoje se chama Santo Amianto, um adereço da peça em cena na altura que, diz-se, foi o único objeto salvo do incêndio. O teatro foi reconstruído, com projeto de arquitetura de Tertuliano Lacerda Marques, e reabre em 1916 com a peça Os Postiços, de Eduardo Schwalbach..5. O teatro também foi um cinema.O Teatro D. Amélia foi um dos primeiros espaços em Portugal (a seguir ao Real Coliseu) a mostrar ao público as maravilhas da "fotografia animada". Mas foi só em 1928 que o espaço se transformou, permanentemente, em cinema, passando a chamar-se São Luiz Cine. É aqui que se estreia Metropolis, de Fritz Lang, acompanhado por uma orquestra dirigida por Pedro Blanc, e é também aqui que em 1931 se estreia o primeiro filme sonoro português, A Severa, de Leitão de Barros..Em Xtròrdinário podemos ver excertos de alguns dos "filmes coloniais" programados por António Ferro, durante o Estado Novo, entre os quais filmes da realizadora Leni Riefenstahl, enquanto os Fado Bicha interpretam o tema Lisboa, não sejas racista..6. Quando calaram A Voz Humana.A atriz Maria Barroso desafiou o sistema em 1966 fazendo naquele palco A Voz Humana, de Jean Cocteau. "Uma frágil mulher ao telefone tentava, com amargura e impaciência, religar os fios partidos de uma vida. A sua voz era a voz da perplexidade e da angústia da perda, a voz humana", recordou ao DN o encenador Joaquim Benite em 2010. Seria a última criação teatral de Maria Barroso. Como se conta neste espetáculo: "De súbito, subitamente de súbito, o sórdido ataque explodiu. Os polícias, vindos da casa do lado, tinham espalhado pela sala frascos de mau cheiro que anunciavam a presença da peçonha que representavam.O público teve de abandonar a sala. Tumulto. Gritos de protestos. Impropérios. Frases indignadas." A Pide, que ficava ali ao lado, pôs fim ao espetáculo..7. E o espetáculo continua.Depois de um período dedicado a "variedades", desde a gravação de programas de televisão a eventos, passando por festivais e alguns espetáculos de teatro, em 1999, o São Luiz fecha para obras e após uma remodelação total reabre com programação do "príncipe" Jorge Salavisa (diretor entre 2002 e 2010). Há um retomar da energia inicial - no teatro e também neste espetáculo. O plano, diz Jorge Salavisa (aqui interpretado por Teodósio) é "Programar tragédias, stand-up e ballet/ Comédias, palestras e até cabaret/ Wagner, Mísia, Bach, o Camané/ E arriscar/ Girar cento e oitenta graus/ Com a Pina Bausch". Que é o que acontece também com "a faraona" Aida Tavares, a atual diretora artística (interpretação de Joana Manuel)..Um teatro que se quer vivo. Sempre em transformação. Até chegar às "bodas extròrdinárias" que agora se comemoram. 125 anos. "Mas não... não acabou. Isto nunca mais acaba. É um trânsito infinito: abre o pano e fecha o pano, entra pela esquerda e sai pela direita, cruza e destroce, marcha centopeia e dança serpentina, elevador pra baixo, elevador pra cima, da Belle Époque até à eternidade...Troca de nome, troca de mãos, incendeia e reconstrói, inaugura e despede-se, homenageia e proíbe, lotação esgotada e estamos às moscas. Lança os confetti, varre os confetti, e vai abaixo e vai acima e vai abaixo e vai acima (é tudo a correr!).". Extròrdinário de Teatro Praga Com José Raposo, André e. Teodósio, Cláudia Jardim, Diogo Bento, Jenny Larrue, Joana Barrios, Joana Manuel, João Duarte Costa e João Caçador e Tiago Lila (os Fado Bicha) Teatro São Luiz, Lisboa De 10 a 18 de maio De segunda a sábado às 21.00, domingo às 17.30 Domingo, dia 12, após o espetáculo há uma conversa com os artistas Bilhetes: de 12 a 15 euros