Vila Nova da Barquinha e Constância (Santarém), deram a André Ventura o dobro da votação que obteve a nível nacional. Na região Centro, com uma população, atividades, escolaridade e mercado de trabalho idênticos a dezenas de outros concelhos: pouca agricultura e o setor terciário a liderar. O desemprego é inferior à taxa do país, os beneficiários do RSI são residuais. Também não são bem iguais, o rendimento mensal de Vila Nova da Barquinha é 865 euros; o de Constância é 1263 (acima da média do país). Alojam as zonas militares de Tancos e de Santa Margarida e há quem as aponte como uma das causas para a votação no Chega.."Votei nele porque as palavras que diz estão todas certas, quem quer dinheiro tem de trabalhar". Justifica o seu voto Fernando Pedroso, de Vila Nova da Barquinha, nestas eleições legislativas. "Ele" é André Ventura porque não conhece mais nenhum dirigente do partido, nem o deputado eleito por Santarém, que vivia em Cascais antes de ser vereador na cidade capital de distrito. "Não fizeram grande campanha, não há cartazes, passaram aqui uma ou duas vezes", diz. Ficou-lhe as frases: "Quem quer dinheiro tem de trabalhar", frisa Fernando Pedroso, 66 anos, pedreiro, que se reformou antecipadamente há três. Não é contraditório?."Não", responde. Argumenta: "Não havia emprego, não havia trabalho. Mas tiraram-me 30 % da reforma que já era pequena, recebo 320 euros. Fiz a 4.ª classe e fui trabalhar, tinha 14 anos. Descontei durante 46, mas os patrões ficaram com os descontos. Há pessoas reformadas que nunca fizeram nada e têm uma reforma maior que a minha". Trabalhou dois anos e meio no Luxemburgo, "para um português, que também não fez descontos". Tem dois filhos, "que estão arrumados e na casa deles"..Esclarece que sempre votou no PS, há dois anos não foi às urnas. No futuro, logo se verá. "Até posso nem votar, não estou à espera de nada do Chega, mas é diferente"..O PS é o partido que mais vezes tem ganho nas legislativas tanto em Vila Nova da Barquinha como em Constância e até reforçou o seu peso nestas eleições. As populações acreditavam que o Chega ali aumentasse a influência só não esperavam que fosse com uma percentagem bem superior à nacional (ver mapa e fichas). É nas freguesias sede que tem mais votos. Sem cartazes e figuras emblemáticas..Comparando os resultados das legislativas de 2022 com 2019, o PS, PSD, Chega e Iniciativa Liberal subiram. Todos os partidos à esquerda dos socialistas desceram, com o Bloco de Esquerda a ter a maior queda. Baixou a abstenção, inferior à nacional. Será o facto de ali residirem muitos elementos das forças da ordem, a quem o Chega promete mais autoridade? Será um voto de protesto e que procura os extremos, seja à direita ou à esquerda?.Vila Nova da Barquinha é um dos 21 concelhos do distrito de Santarém e que constituem a grande parte do Ribatejo, o Médio-Tejo, na região Centro. Terra dos mouros e templários, histórias do Castelo de Almourol, uma pequena ilhota no rio Tejo, que nesta altura corre baixinho devido à falta de água. Tem o dobro da população de Constância, quase um terço tem mais de 65 anos - dois jovens por idoso -, uma estrutura demográfica semelhante nos dois concelhos. Acolhe o Polígono Militar de Tancos que inclui o Regimento de Engenharia 1, a Brigada de Reação Rápida e o Regimento de Paraquedista, na fronteira com Constância, onde fica o Centro Militar de Santa Margarida..Aquelas unidades são as responsáveis por tantos votos no Chega, defende Ricardo Honório, 38 anos, engenheiro civil. Passeia com a filha Lara e o cão Claus no maior espaço verde da cidade, o Parque de Escultura Contemporânea de Almourol. Como Constância, é uma cidade bonita e com património.."É o mesmo fenómeno que a nível nacional e tem, também, a ver com o facto de viverem aqui muitos militares e polícias. As bases militares estão em Tancos e em Santa Margarida, os seus funcionários vivem nos arredores. E, se compararmos com as autárquicas, a votação não tem nada a ver porque aí votam em pessoas. Nas legislativas, votam mais pelo populismo, por serem do contra, não é numa razão em particular", justifica Ricardo..Carlos Quaresma, 70 anos, reformado da EDP não encontra uma explicação para tantos votos do Chega. "Não percebo essas pessoas, não são interessantes. Conheço poucos porque só gosto de conviver com pessoas boas. Não viveram ou não sabem o que foi o tempo de Salazar, já que querem voltar ao antigamente". É " socialista e sportinguista até morrer", prefere destacar destas eleições a maioria absoluta do PS, "uma chapada bem dada a certos partidos"..Carlos vive em Vila Nova da Barquinha há mais de 40 anos. Ele e a mulher, Adélia Quaresma, 66, "socialista e benfiquista", abriram em 2000 a Tasquinha da Adélia, muito popular. Cozinheira de mão cheia, Adélia não tinha a perceção de serem tantos os apoiantes de André Ventura. "Os clientes falam, mas sinceramente, nunca pensei"..José Janeiro é o presidente da Comissão Política Concelhia (CPC) do Chega e também representa Constância, que não tem CPC. Tem 63 anos, é mestre em Gestão, um empresário do Porto, que ali viveu em criança (o pai era militar) e voltou em definitivo há quatro anos, para a casa onde o pai viveu os últimos anos..Apresenta como cartão de visita: "Sou ateu, fui-me casando e divorciando". Faz questão de mostrar a foto da companheira, originária do Brasil e que insiste ser "preta". Escreveu "Afinal onde está Deus", um dos seus livros. Especifica que a hierarquia partidária conhece as suas ideias. "Concordo em 80 a 85% com o partido, o resto não".. Afirma-se "um liberal nacionalista", recusa o rótulo de fanatismo, não se enquadra na direita, esquerda, extrema direita ou extrema esquerda. "Essa divisão é um argumento para andar para a frente".. Pertenceu ao PDR, "no tempo de Marinho e Pinho", antes votou no BE, "na altura do Louçã". Diferentes? Não para José Janeiro. "O dominador comum é a contestação, a tentativa da mudança. Essa contestação, que agora está em Ventura, foi o que me motivou"..Há uma praça de touros em Vila Nova da Barquinha, onde também vive uma comunidade de 10 famílias ciganas e que votaram "no senhor Costa", esperando que este combata "o racismo". Não são fatores que Janeiro considere influenciadores do voto. "Sermos contra os ciganos é outro mito. Estão perfeitamente integrados, pelo menos os que conheço"..Admite não ser conhecido, embora muitas residentes saibam onde é a sua casa. E "não houve dinheiro para cartazes". "O que levou à nossa boa votação foi o cansaço. As pessoas estão fartas do que se está a passar a nível nacional"..O futuro do partido dependerá do que conseguir fazer na Assembleia da República. "Não é que consigamos fazer grandes alterações, somos apenas 12, mas se se comportarem corretamente, acredito que o partido irá subir"..Constância está separada de Vila Nova da Barquinha pelo rio Tejo. Os roteiros turísticos chamam-lhe "Vila poema", inspirados por Camões que ali viveu. É onde os rios Tejo e Zêzere se unem e nas suas margens está a Indústria Celulose do Caima, que tem 180 funcionários que "recebem acima de média". É a explicação do presidente da autarquia Sérgio Oliveira, para o concelho ter um ganho mensal médio bem superior aos vizinhos e até do país (1263 euros contra 1206). Outros acrescentam são os militares que ali vivem, que "ganham bem"..O jurista Sérgio Oliveira, 36 anos, está no segundo mandato pelo PS. Ganhou a câmara à CDU, que governou entre 1986 e 2017. Antes, a autarquia dividiu-se entre PS e PSD. Nas eleições de 2021, os vereadores distribuíram-se por três do PS e um da CDU. Em legislativas, os socialistas só perderam em 1987..O presidente da autarquia explica da seguinte forma a votação do Chega. "Há quem diga que tem a ver com as forças militares aqui instaladas, não penso que seja a causa principal. Os votantes no Chega são pessoas que não estão satisfeitas com o arco da governação - PS e PSD - e, se em eleições anteriores, o protesto era canalizado para o BE e o PCP, agora canalizaram para o Chega. É um voto de protesto de quem tanto vota no Chega como no BE ou no PCP". Os bloquistas perderam mais eleitores, também o PCP, que o autarca entende que há, também, uma razão estrutural. "Perde votos à medida que as pessoas vão envelhecendo"..Acrescenta que tem a ver com o tipo de eleições. Em setembro, o Chega teve 85 votos nas últimas autárquicas (1355 para o PS e 651 para a CDU) e foi segundo nas presidenciais, há um ano. Recorda que o PRD teve grande expressão no distrito. Foi dirigido por um militar, Ramalho Eanes, disputando eleições entre 1985 e 1994..Militar é o filho de Alfredo Vasconcelos, 69 anos, e Marília Carvalho, 60. "O Chega não é comigo mas há aqui um núcleo grande de militares e, pelo que ouço, são simpatizantes do partido", diz Marília. "Também é uma revolta contra a política e dizem. "Se é assim, vamos para o torto", sublinha o Alfredo..O casal morava no Porto, câmara onde Alfredo trabalhou, mudaram-se para Constância para estarem junto do filho e da neta. "É uma terra bonita, mas não há nada. Se quiser comprar uma t-shirt tenho de pegar no carro", protesta Alfredo, por outro lado é boa para fazer caminhadas..O chapéu "ser militar e votar Chega" não serve a André Brandão, garante. É dono da Bradon"s Barbershop, que abriu no centro da vila. "Votei no PS mas dá para perceber que as pessoas estão cansadas do que se passa no país, das injustiças. Certas pessoas têm apoios do Estado e quem trabalha toda a vida não tem nada". Passa das 18:00 de quinta-feira, a barbearia está a abarrotar de clientes, muitos militares, que dizem não ter votado em Ventura..Quem votou foi Vanda Fernandes, 51 anos, e Mário Marques, 46, donos do Café/Papelaria Vanda, Ele votou no Tramagal, onde têm casa, ela em Constância. "Nas autárquicas votei PS, agora votei Chega. Ele diz o que o povo quer ouvir, é contra a corrupção é a favor das forças de segurança. Não tem a ver com o que ele fez, mas o que salta à vista é que o PS, PSD, BE e PCP, todos os que passaram pelos governos, não fizeram nada para evitar essas coisas", justifica Vanda..Sérgio Oliveira O presidente da autarquia entende que esse discurso ganha votos mas também se esgota rapidamente. "Tenho a certeza que quem votou Chega, em outras eleições pode votar PS ou PSD. Este fenómeno deve fazer-nos pensar na política e na forma de fazer política. Os que se consideram democratas não podem aceitar as ideias do Chega, este partido deve-se combater pelas ideias"..No terraço de casa, de frente para ao rio, Joaquim Fernandes, 74 anos, alimenta os pássaros, de várias espécies. "Não votei no Chega, ainda não, mas admiro as ideias do Ventura. Estou para ver o que faz na Assembleia da República. Fui emigrante na Suíça, cheguei em 2014 e tenho votado PS. O presidente da câmara também é do PS, boa pessoa, e fui atrás das ideias dele nas eleições autárquicas, embora não tivesse razão de queixa dos comunistas. No futuro, não sei". ceuneves@dn.pt