Pessoas. A periferia é gente. Nós, a nossa família, outras famílias, unidos no mesmo movimento espontâneo em direção ao centro. Aí chegamos diariamente para trabalhar, ano atrás de mês, atrás de semana, cada um a fazer o que pode pela sobrevivência. Daí saímos todos os dias de regresso a casa, um pouco embrutecidos, a sacudir o cansaço, porém mais vivos do que de manhã por estarmos de volta. Porque a periferia são estas pessoas que vão e vêm. Gente a deslocar-se entre margens. E nisto são muitas as vias que cumprem o propósito de unir, embora poucas as que o fazem como a Ponte 25 de Abril, especialmente intensa em período de férias e horas de ponta.."Integrado no acesso norte, o viaduto que dará acesso imediato à ponte é uma obra notável de engenharia, que se desenvolverá ao longo de uma extensão de mil metros e uma altura que chegará a 70 metros. Ficará sobre a zona urbanizada de Alcântara, sem a utilização de andaimes", noticiava o Diário de Notícias a 30 de novembro de 1962, 25 dias depois do início da construção, sem noção da real dimensão que a obra teria no futuro. Por essa altura, estava também já muito adiantada a construção dos caixões metálicos para os moldes das fundações das torres da ponte no rio.."As brigadas de operários, ocupadas na rebitagem, soldaduras elétricas e outras importantes operações de acabamento, trabalham 24 horas por dia, turno após turno", escrevia o jornal, fascinado ainda com as movimentações, no Tejo, de um grande batelão que levava a bordo maquinaria especial destinada a preparar o declive na praia para a entrada dos caixões no rio. "Uma vez ancoradas, as grandes caixas flutuantes serão aumentadas por segmentos de três metros e afundadas pelo enchimento parcial com betão de cimento, até atingirem o fundo lodoso do rio.".A 6 de agosto de 1966, do lado de Almada, a travessia era finalmente inaugurada com o nome de Ponte Salazar, em homenagem ao então presidente do Conselho, que mandou erguê-la sem imaginar que viria uma revolução, em 1974, mudar-lhe o nome para Ponte 25 de Abril. "Cem milhões de europeus viram pela televisão a maior e mais bela ponte do velho continente", elogiava no dia seguinte o DN, apoiado em números: ao todo, entre estrutura e acessos, "foram escavados seis milhões e meio de metros cúbicos de rocha e solos, fabricados e moldados 300 mil metros cúbicos de betão, fabricadas e montadas 82 mil toneladas de peças de aço". Chegaram a trabalhar, em simultâneo, cerca de três mil operários portugueses. "Quatro deram as suas vidas na execução do empreendimento: José da Silva, Jorge Germano Ribeiro, Tutes dos Anjos Serra e Fernando Sampaio Dias Oliveira.".Também eles fariam parte deste movimento perpétuo diário em direção ao centro, e do centro para a periferia, dispostos a dar um sentido à vida. Iriam atravessar a Ponte 25 de Abril como os milhares que vão de comboio a cada 24 horas (mais as outras tantas que vão de carro), ou fazer o IC19 a caminho de Sintra e da Amadora, ou até mesmo guiar pela Estrada da Circunvalação, no Porto, para descobrirem que as periferias em que vivemos raramente nos fazem pensar que são periferias, porque entretanto se tornaram o nosso centro. A nossa margem..E ainda bem que assim é, tendo em conta que, quanto maiores as distâncias, maiores as filas de trânsito. Começaram logo no primeiro domingo a seguir à inauguração: "O maior engarrafamento de que há memória em Portugal [23 quilómetros de comprimento] registou-se ontem nos acessos à ponte sobre o Tejo", relatava o DN, lembrando que quem corre por gosto não cansa. "A avaliar pelo tráfego que por lá se registou, com 160 mil veículos e um milhão de pessoas, não houve família que não fosse de visita à grandiosa construção, até porque se tratava de sensação nova ver o rio e os barcos de muitos metros de altura." Às 23.15, a polícia de trânsito teve de cortar quem vinha de Lisboa para escoar aqueles que regressavam. "Às 2 horas ainda a bicha para o embarque chegava à Cova da Piedade." Aos que ficaram no tabuleiro, valeu pensar que pior do que estarem ali parados era nem sequer terem caminho por onde ir.