"Há 110 anos que se fazem procedimentos de classificação em Portugal", diz a chefe da Divisão do Património Imóvel, Móvel e Imaterial da Direção-Geral do Património Cultural, a entidade pública que tem a seu cargo a conservação do património público e se encarrega da classificação dos bens culturais, imóveis, móveis ou imateriais do país. Hoje é Dia Internacional dos Monumentos e Sítios..Data do final de 1906 a primeira classificação de uma edificação como monumento. O decreto de 27-09-1906, DG n.º 228, de 9-10-1906, publicado em Diário da República, converte o castelo de Elvas no primeiro monumento nacional português. A sua construção começou no século XII..No ano seguinte, são classificadas a Sé de Évora e a Sé de Lisboa. Seguiram-se, em 1908, o Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães, e a Torre de Belém, em Lisboa..Quantos monumentos existem em Portugal?.Hoje, em Portugal, existem 4060 bens classificados espalhados pelo continente e ilhas. Estão distribuídos por três categorias: de interesse nacional, de interesse público e de interesse municipal. A maioria, 2700, está na categoria de interesse público, de acordo com os dados da DGPC. Monumentos nacionais são 810. De interesse municipal contam-se 589..queijo Infogram.O que pode ser classificado?.Monumentos, conjuntos e sítios, e não apenas edificações, como poderia pensar-se. A lei que regula a classificação diz que "pode abranger, designadamente, prédios rústicos e urbanos, edificações ou outras construções que se incorporem no solo com carácter de permanência, bem como jardins, praças ou caminhos"..O Jardim Botânico de Coimbra é um exemplo, tal como Bairro Alto, em Lisboa, que é património classificado como conjunto de interesse público desde 2010..Como podem ser classificados os monumentos, conjuntos e sítios?.Existem três níveis de classificação: nacional, de interesse público e municipal. "As autarquias têm autonomia para fazer as classificações de interesse municipal", explica Deolinda Folgado ao DN. Estas classificações seguem normas internacionais.."Como o património tem vindo a ser cada vez mais abrangente em termos de categorias - paisagem e conjuntos -, houve necessidade de ir havendo uma certa evolução sobre o que se classifica. O conceito de património é dinâmico. No início do século XX, classificava-se mais o interesse artístico e histórico", diz a chefe de Divisão do Património Imóvel, Móvel e Imaterial da DGPC..No início do século XX eram os tais monumentos - castelos, igrejas, conventos e palácios. "Mais tarde vamos ver o alargamento do que se classifica até chegarmos aos contextos e paisagens." Mantêm-se as de sempre, como no princípio do século XX, e acrescentam-se as novas tipologias. Neste ano, as atenções viram-se para a paisagem rural..Porque decidiu começar-se a classificar os monumentos?."Com a Revolução Industrial, a nossa sociedade, sobretudo a partir do século XIX, entrou numa grande mudança, algo que veio a ser considerado ótimo que fez que muitos historiadores, arquitetos e colecionadores do século XVIII e XIX olhassem para o património como algo que devia ser preservado, que devia salvaguardar-se para um futuro comum", contextualiza Deolinda Folgado..Foram sendo criados mecanismos de proteção a este património. Primeiro o imóvel, depois o móvel, e "hoje também o património cultural e imaterial". Às igrejas, palácios e castelos, às obras de arte e mobiliário vieram juntar-se, por exemplo, o fado ou o cante alentejano.."Foi uma tentativa de preservar o que de melhor a humanidade tinha criado, compreender a importância da memória para o bem-estar das sociedade", refere Deolinda Folgado..O património classificado é igual desde o século XX?."Estão sempre a entrar novas famílias de património", diz Deolinda Folgado. "Hoje, temos escolas, hospitais, cinemas, jardins e praças a ser considerados para património." É o caso do antigo Liceu Passos Manuel ou do Jardim-Escola João de Deus, em Lisboa; o Hospital de Santo António, no Porto, que é monumento nacional, ou os cineteatros Politeama, Cinearte (A Barraca) e Império. Está pendente a classificação do Cinema São Jorge, na Avenida da Liberdade, ela própria um conjunto de interesse público..Quem foram os primeiros a querer proteger o património português?.No início do século XX, essa defesa do património esteve nas mãos de uma certa elite. "Em Portugal, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, com "Os Monumentos Pátrios", fizeram um trabalho essencial para servir os primeiros fundamentos da salvaguarda do património", conta, fazendo uma ressalva. "Não foram só estes [intelectuais], foram muitos, Túlio Espanca, tio de Florbela Espanca, foi fundamental no Alentejo.".Outro nome importante é o de José da Silva Mendes Leal, em 1868 publica, ilustrada com fotografias de Henrique Nunes, a obra Monumentos Nacionais. Bibliotecário-mor, competia-lhe a correspondência com as câmaras de forma a zelar pelos monumentos da antiguidade. Os bens imóveis por ele tratados são o Castelo de Almourol, o Mosteiro dos Jerónimos, o Palácio da Pena, São João de Alporão, Sé de Lisboa e Torre de Belém..Antes da implantação da República, "já havia modelos de desenvolvimento da preservação", diz a historiadora Deolinda Folgado. Lembra associações, arqueólogos ou médicos que faziam as monografias dos locais, nessa época de ainda incipiente defesa do património. "Iam avançando estudos para se fazer as classificações, a arqueologia surgiu muito nessa altura, os museus... O nosso substrato museológico vem muito do final do século XIX e da Primeira República.".Qual é a tipologia que mais aparece nas classificações em Portugal?.Sem surpresa, olhando para a história do país e para a história da classificação, o património religioso é o mais classificado. "Tem uma grande presença numérica e quantitativa. "E porque os valores que reconheceram o património assentaram muito no património de natureza artística no início", diz Deolinda Folgado..Copy: queijo Infogram.A Catedral de Notre-Dame, em Paris, que ardeu num incêndio na segunda-feira dia 15, perdendo parte da estrutura do teto, de madeira, e o seu pináculo, é exemplo de um património de origem religiosa que é classificado..Quais os critérios para se ser monumento classificado?.O artigo n.º 17 da lei de bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural, de 2001, define os critérios que "suportam a decisão para podermos inscrever o património nas classificações", diz Deolinda Folgado. São 9:.a) O carácter matricial do bem;.b) O génio do respetivo criador;.c) O interesse do bem como testemunho simbólico ou religioso;.d) O interesse do bem como testemunho notável de vivências ou factos históricos;.e) O valor estético, técnico ou material intrínseco do bem;.f) A conceção arquitetónica, urbanística e paisagística;.g) A extensão do bem e o que nela se reflete do ponto de vista da memória coletiva;.h) A importância do bem do ponto de vista da investigação histórica ou científica;.i) As circunstâncias suscetíveis de acarretarem diminuição ou perda da perenidade ou da integridade do bem..A quem interessa a salvaguarda do património?."Há o especialista e há aquele que o ama e que o valoriza. Há mais lados, mas é nesta dualidade que devemos pensar. É assim que devemos pensar o património.".Quem pode pedir a salvaguarda do património?."Não cabe apenas às instituições centrais e locais mas a todas. Sejam associações sejam os cidadãos. Quanto mais souberem melhor, porque o património está garantidamente a salvo. Estamos sempre numa espécie de dialética entre o que se perde e o que se permite que continue", segundo Deolinda Folgado..Qualquer pessoa pode pois requerer a abertura de um processo de classificação. "É quase um direito de cidadania.".O que será classificado em breve?.A Ponte 25 de Abril é uma das edificações que, em breve, será classificada como monumento de interesse público. "É [um bem imóvel] identitário, mas não é único", diz Deolinda Folgado, explicando o porquê de não ser considerada monumento nacional..Afinal, não cumpre o requisito de singularidade (existe pelo menos mais uma, a de São Francisco, com as mesmas características). Falta, neste momento, a publicação da portaria para que a construção, inaugurada em 1966, entre no lote dos protegidos..Pelo contrário, por exemplo, a ponte da Arrábida, no Porto, mereceu ser distinguida como monumento nacional. Esta ponte sobre o rio Douro, de betão, da autoria do engenheiro Edgar Cardoso, marca a primeira vez que se conseguiu fazer um vão tão grande de uma margem de um rio ao outro lado. Tem 270 metros. É de uma importância tecnológica fundamental..Outro edifício cuja classificação aguarda publicação é o do primeiro liceu feminino português, o Maria Amália Vaz de Carvalho, de 1933, obra do arquiteto português Ventura Terra..Como se faz a classificação de um edifício, conjunto ou sítio?.O procedimento é, em primeiro lugar, longo..Dá entrada na Direção-Geral do Património Cultural, de que faz parte Lisboa e Vale do Tejo, ou em qualquer direção regional de cultura - Norte, Centro, Alentejo e Algarve..Há um requerimento inicial que deve ser preenchido, "recheado com o máximo de documentação escrita, cartográfica, desenhos, fotografias...".Quais as fases para a classificação?.São quatro grandes fases, diz Deolinda Folgado..1 - Compilação de informação sobre o valor do bem, que é levada à diretora-geral do Património Cultural, cargo atualmente ocupado por Paula Araújo Silva. Formaliza-se depois com a publicação da abertura do pedido de classificação em Diário da República. "Nesse anúncio, o bem imóvel fica em vias de classificação.".2 - É dada oportunidade, como diz a lei, é auscultado um conjunto de entidades que dizem se concordam ou não. "Decorrido mais um tempo (previsto na lei), se não houver nenhuma contrariedade, volta a fazer-se informação técnica que vai à diretora-geral". Nessa altura é ouvido o Conselho Nacional de Cultura..3 - Depois da análise, e parecer, do Conselho Nacional de Cultura, cabe à Direção-Geral do Património Cultural dizer se o bem vai ser classificado como de interesse público, nacional, sítio ou conjunto. Todas as entidades voltam a ser escutadas..4 - Publicação em Diário da República. Decreto, no caso dos monumentos nacionais; portaria, no caso dos monumentos de interesse público. O património municipal é responsabilidade das câmaras. "Mas elas têm de nos dar conhecimento", diz a responsável dos bens móveis e imóveis da DGPC. Esta informação faz parte do Atlas georreferenciado, uma ferramenta que permite a qualquer cidadão a consulta, através do site da DGPC, sobre o estado imóvel. "O nosso inventário tem todo o património, também o de interesse municipal.".Quanto tempo demora um processo de classificação?."Em termos ideais seria um ano, mas para que isso acontecesse era preciso uma capacitação de recursos humanos e um conjunto de processos menor do que aquele que existe", refere Deolinda Folgado..Quantos processos aguardam classificação neste momento?.Neste momento, 353 bens imóveis estão em processos de classificação. Entre eles, a ponte velha de Silves, a Casa da Pereira, em Sabrosa, onde se acredita que terá nascido Fernão de Magalhães, ou o centro histórico de Santarém..Basta a classificação do imóvel para que ele fique protegido?.Quando um bem imóvel é classificado, há um perímetro de 50 metros que fica automaticamente protegido também. E há mais. "Há um outro procedimento que é a definição da ZEP - Zona de Proteção Especial que exige também um conjunto de procedimentos similares." É definido pelo Decreto-Lei n.º 309..O que pode complicar um processo de classificação?."Quando estamos a classificar conjuntos e sítios ainda é mais complexo, porque temos de pensar em restrições", diz Deolinda Folgado. Estas manifestam-se de várias formas. Volumetria do sítio, arqueologia....Quais são os últimos monumentos classificados?.No que levamos de 2019, foram publicados em Diário da República dois decretos de monumentos nacionais e sete de interesse nacional..São agora monumentos nacionais:.- Conjunto das 1.ª e 2.ª Linhas de Defesa a norte de Lisboa durante a Guerra Peninsular, também conhecidas como Linhas de Torres Vedras..- Complexo arqueológico de Perdigões. Foi também definida uma zona especial de proteção a este conjunto, classificado de interesse público..São monumentos de interesse público:.- Cervejaria Solmar, Lisboa.- Torre e Casa de Gomariz, concelho de Vila Verde, Braga.- Igreja da Misericórdia de Caminha.- Igreja e Convento da Franqueira.- Igreja do Bairro da Tabaqueira, Sintra.- Palacete Ribeiro da Cunha, Lisboa.O que teve de diferente o processo de classificação das Linhas de Torres?."Foi um procedimento que chegou agora ao fim com muito êxito. Exigiu um grande esforço dos serviços", diz Deolinda Folgado. "A especificidade das construções, a dimensão das estruturas e a extensão no território fez que este seja um caso exemplar.".O que foi diferente neste caso? "Foi singular pela geografia do bem [imóvel], são muitos quilómetros, em vários concelhos", começa por explicar a historiadora da DGPC. "Teve de se dialogar e harmonizar a classificação com vários concelhos. São muitos redutos, na casa das centenas, muitas estruturas militares, é uma tipologia nova de estruturas militares, não é bem visível no território como um castelo ou linha defensiva. Estamos a falar de linhas que tinham uma construção em terra", completa..As câmaras dos concelhos que são atravessadas por estas linhas "teceram um modelo de gestão das próprias linhas de Torres", diz Deolinda Folgado. "Foi algo que caminhou a par da própria classificação." Em breve, será publicada a portaria de restrições..Que tipo de património se está a classificar hoje?."Classificamos já património industrial e moderno", diz Deolinda Folgada sobre categorias que têm sido analisadas e incluídas no que é de preservar para o futuro..O que está mais em risco?."É o património contemporâneo, independentemente da tipologia, que está mais em risco, porque começou a olhar-se para ele muito mais tardiamente e porque vivemos num tempo de uma enorme voracidade e não há tempo para se fazer a sua salvaguarda." Minas, fábricas e outros equipamentos industriais são exemplos de património para o qual a sensibilização começou recentemente..Deolinda Folgado diz que "outra tipologia que merece a pena ser olhada com atenção é a do património ferroviário. E muito há a fazer". "Temos algumas estações classificadas pela sua natureza estética", diz, elencando, de cor, a Estação do Rossio, a de São Bento, no Porto, e a do Cais do Sodré. O Rossio tem um esqueleto de metal e uma pele à cidade. A Estação de São Bento é um antigo convento, que vai buscar códigos formais ao azulejo, e o património moderno com a estação do Cais do Sodré, de Porfírio Pardal Monteiro..Que património mineiro está já classificado?.Só temos umas minas classificadas, as de São Domingos, em Mértola. Aconteceu em 2013 e é um momento importante, pois, segundo Deolinda Folgado, "Portugal caracteriza-se pela sua riqueza de património geológico. Temos naturalmente uma grande riqueza de património mineiro, pouco conhecido até para o desenvolvimento local"..Onde se pode encontrar património industrial em Portugal?.Covilhã - Há rotas que estão a tentar criar-se em torno do património industrial. É uma indústria que vem dos séculos XVIII, XIX e XX. "É uma cidade-fábrica. Desde o século XII que se fabrica lã, é um ecossistema que não pode ser entendido sem a serra, o rio, as ovelhas", diz Deolinda Folgado. "Tem uma fábrica do tempo do marquês de Pombal, que chegou até nós, e uma tinturaria implementada segundo modelos franceses", sobre a qual foi publicada informação em França..São João da Madeira - Enquanto a cidade da Covilhã é monoindustrial, São João da Madeira distingue-se por ter várias indústrias: as máquinas de costura Oliva, sapatos e chapéus. A autarquia foi fundamental na criação de uma roteiro de património industrial..Barreiro - "Está em vias de classificação" o património da antiga CUF, que se instala no Barreiro em 1908 e tem uma atividade continuada por quase cem anos. O conjunto em causa inclui o bairro operário, o museu que é a antiga central elétrica, os edifícios iniciais do engenheiro francês Lucien Stinville, que é também quem traz a novidade da indústria química, e o próprio mausoléu de Alfredo da Silva, da autoria do Cristino da Silva, com uma escultura do Leopoldo de Almeida. E depois há naves industriais de armazenagem em betão armado. É um grande território, o maior em vias de classificação..Flores e Pico - "Temos outros territórios industriais com monoculturas, como as fábricas de conservas, mas não temos uma cidade que as possa ter conservado a não ser Flores e Pico", refere Deolinda Folgado..Como está distribuído o património protegido em Portugal?.O território de Portugal é mais densamente povoado a norte. É a norte que temos mais património classificado. Grosso modo, pode dizer-se que a Região de Lisboa e Vale do Tejo tem números muito similares. Coimbra aparece em terceiro lugar, depois o Alentejo e o Algarve..monumentos Infogram.E um monumento pode deixar de o ser?.Sim. É raro, mas acontece. "A lei prevê que possa haver a extinção da classificação ou desclassificação. Acontece quando o património desaparece", explica Deolinda Folgado. Pontes que vêm abaixo e não há recuperação. Ou quando são feitas tantas alterações que aquilo que levou à classificação deixa ter efeito. Para que isto aconteça, o bem imóvel passa pelos mesmos procedimentos da classificação. "Não é um ato feito de ânimo leve. Há muito estudo e maturação.".Como vai ser assinalado o Dia dos Monumentos e Sítios?.As celebrações percorrem o país de norte a sul e ilhas, e podem ser consultados em www.dgpc.pt. Em Lisboa, o Museu de Arqueologia, no Mosteiro dos Jerónimos (também ele bem classificado), propõe uma visita guiada pelos mosaicos da villa romana de Torre de Palma. Em Mafra, prepara-se uma visita técnica à obra de reabilitação dos carrilhões. E o Palácio de Queluz, que é gerido pela Parques de Sintra, estará aberto durante a noite. Em Évora, às 15.00, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, apresenta os projetos Magalhães e Sphera Cástris, que ficarão instalados no antigo Convento de São Bento de Cástris, agora recuperado.