O ataque à Academia de Alcochete, a 15 de maio de 2018, precipitou a queda de Bruno de Carvalho da presidência do Sporting. A destituição como presidente, em Assembleia Geral, a 23 de junho do mesmo ano, teve como base outras motivações, mas no fundo foi este episódio negro da vida do clube que esteve na base da maior crise institucional dos leões e que provocou tudo o que veio a suceder-se, que culminou com a sua expulsão de sócio no ano passado..Nesta quarta-feira, Bruno de Carvalho viu o Ministério Público (MP), nas alegações finais do julgamento, pedir a sua absolvição no caso em que está acusado da autoria moral do ataque à Academia de Alcochete. Para o MP, não ficou provado que "os comentários de Bruno de Carvalho tenham incitado à violência" e que da célebre "frase 'façam o que quiserem' não se conclui que tenha ligação ou tenha dado instruções [para invasão e agressões]"..A decisão final, a sentença, caberá agora ao coletivo de juízes. A confirmar-se a absolvição, e tendo em conta que foi o ataque à Academia de Alcochete que precipitou a sua queda e gerou toda a crise que se instalou a seguir em Alvalade, poderá ainda Bruno de Carvalho ter uma segunda vida no Sporting? Ou todos os antecedentes hipotecam definitivamente um regresso à condição de sócio e a ser presidenciável?.Dias Ferreira: "Readmissão de sócio não se afigura nada fácil".Para Dias Ferreira, conhecido sócio do clube, antigo dirigente e candidato à presidência dos leões, a "provável inocência de Bruno de Carvalho [no caso do ataque à Academia de Alcochete] não facilita em nada a sua tentativa de recandidatura", ele que sempre achou que o ex-líder leonino não tinha ordenado o ataque.."Não fiquei nada surpreendido com esta decisão do Ministério Público. Sempre defendi que Bruno de Carvalho não foi o mandante das agressões. Pelo menos no sentido literal. Quero lembrar que não se trata ainda da decisão final, mas é sem dúvida uma ótima notícia para Bruno de Carvalho e para o próprio Sporting", começou por dizer ao DN..Dias Ferreira é da opinião que caso seja absolvido, o ex-presidente dos leões até pode ganhar mais apoios. Mas recorda que Bruno de Carvalho foi expulso de sócio e, para voltar a ser (condição essencial para poder candidatar-se numas eleições), o processo não será nada fácil.."A provável inocência de Bruno de Carvalho não vai facilitar em nada a sua tentativa de recandidatura à presidência do Sporting. Lembro que ele não foi expulso por causa das agressões na academia, mas sim por várias ilegalidades que cometeu. Caso se prove a sua inocência, algumas pessoas irão certamente pensar que pode estar em condições de se recandidatar. Mas os juristas e as pessoas com alguma noção das coisas sabem que isso não é verdade", diz..Por isso, recorda que para estar em condições de se apresentar a um ato eleitoral, "Bruno de Carvalho teria de ser readmitido como sócio": "E esse processo não se afigura nada fácil. A sua readmissão só será possível com pelo menos dois terços dos votos em Assembleia Geral.".Eduardo Barroso: "Pode dar nova vida a possível recandidatura".Opinião diferente tem Eduardo Barroso, médico e antigo presidente da Mesa da Assembleia Geral dos leões no primeiro mandato de Bruno de Carvalho, que chegou a ser testemunha em tribunal neste caso. Barroso lembra que não foi o ataque à Academia que esteve na base da expulsão de sócio, mas que os atos ilegais protagonizados posteriormente por Bruno de Carvalho foram derivados de acusações de que foi alvo nesta história.."Sem dúvida que este novo facto, e a confirmar-se que será absolvido, pode dar nova vida a Bruno de Carvalho numa possível recandidatura à presidência do Sporting. Mas é preciso ter calma e não concordo que ele já tenha falado nessa intenção de se recandidatar. É verdade que a sua expulsão de sócio não teve diretamente que ver com a sua eventual ligação aos ataques de Alcochete. No entanto, as acusações inacreditáveis de que foi alvo podem tê-lo levado a alguns comportamentos ilegais que levaram à sua expulsão. Tenho a certeza de que ele foi mal aconselhado e muitas vezes seguiu indicações de advogados que não foram as mais corretas", apontou ao DN..O médico-cirurgião lembrou que sempre acreditou na inocência de Bruno de Carvalho relativamente às suspeitas de ter sido o mandante moral dos ataques à Academia de Alcochete. "Como é óbvio, nunca acreditei que Bruno de Carvalho fosse culpado. Aliás, disse isso mesmo em tribunal e nunca aceitaria ser testemunha se não tivesse a profunda convicção da sua inocência. Acho que assistimos ao mais inacreditável assassínio de carácter alguma vez feito em Portugal. Alguma vez Bruno de Carvalho iria mandar bater nos seus jogadores? ", indicou..Caldeira Pires: "Terá de conquistar o direito a ser candidato".Vicente Caldeira Pires, antigo vice-presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar do Sporting, que se demitiu em maio de 2018 como forma de demarcar-se a atuação de Bruno de Carvalho, considera que não se deve fazer qualquer ligação entre uma possível absolvição do antigo presidente do Sporting e uma eventual recandidatura à presidência.."Se Bruno de Carvalho vê a sua recandidatura à presidência legitimada? Não se pode ligar os dois factos. Uma eventual recandidatura, dentro da legalidade, é um direito que lhe assiste. Mas primeiro terá de conquistar o direito a ser candidato. E se o conseguir, posteriormente terá de se submeter ao julgamento dos sócios", disse ao DN..O jurista adiantou ainda que não ficou nada surpreendido com a decisão do Ministério Público em pedir a absolvição do antigo presidente no caso do ataque à Academia de Alcochete, considerando-a até uma boa notícia para o Sporting..Anunciou que será candidato no final de fevereiro.No dia 29 de fevereiro, no seu espaço de opinião na Rádio Estádio, Bruno de Carvalho anunciou a intenção de voltar a candidatar-se à presidência do Sporting, prometendo que ia lutar pela sua reintegração como sócio e pela reeleição.."Perante tudo aquilo que vi no tribunal, perante aquilo que tenho estado a ver no Sporting Clube de Portugal, perante toda a incapacidade de Frederico Varandas em gerir o Sporting, perante toda a cobardia de toda a gente que está por detrás de pedras à espera que o Sporting bata ainda mais no fundo, perante todo este atropelo de treinadores atrás de treinadores, despedem as pessoas todas, eu tomei uma decisão. Venho dizer hoje e agora aos sportinguistas: sou candidato ao Sporting Clube de Portugal. A partir de hoje vou lutar pela minha reintegração, vou lutar pela minha reeleição e vou juntamente com todos os sportinguistas colocar novamente o Sporting no lugar de onde nunca devia ter saído", revelou naquele dia..Nesta quarta-feira, depois das alegações finais e de ser revelada a posição do Ministério Público, o ex-presidente leonino reagiu através das redes sociais. "Hoje foi apenas mais uma etapa neste longo e árduo processo. Falta a decisão do coletivo de juízes. Mas se sempre me revoltei perante a postura de Cândida Vilar, hoje tenho de enaltecer a postura de uma mulher com letra grande: a senhora procuradora Fernanda Matias. Clara, objetiva, honesta e apenas movida pela vontade de fazer justiça! Hoje, recuperei um pouco da minha crença na justiça", escreveu..Na condição atual - viu confirmada a expulsão de sócio na AG realizada a 6 de julho de 2019, com 69,30% dos sportinguistas a votarem a favor da sua saída -, Bruno de Carvalho está impedido de se candidatar à presidência do clube..Razões da destituição e expulsão e como pode voltar.Para que seja possível uma candidatura de Bruno de Carvalho à presidência, existem duas possibilidades. Os estatutos do Sporting contemplam a possibilidade de alguém recuperar a condição de sócio, mas mediante a aprovação por maioria de dois terços (além de ter de recolher assinaturas com um total de mil votos), em assembleia geral convocada unicamente para esse efeito. Ou então através do recurso aos tribunais civis..Os atos eleitorais no Sporting realizam-se de quatro em quatro anos. Ou seja, as próximas eleições só serão realizadas em setembro de 2022. A não ser que até lá Frederico Varandas decida sair pelo seu próprio pé (algo que tem rejeitado nas diversas entrevistas que tem dado) apesar da crise desportiva do clube, ou que seja marcada uma AG de destituição. Este cenário chegou a estar em cima da mesa já neste ano, mas Rogério Alves, líder da Mesa da Assembleia dos leões, não encontrou motivos para justa causa no pedido feito pelo movimento Dar Futuro ao Sporting..Entre as razões mencionadas por Jaime Marta Soares para a AG destitutiva de Bruno de Carvalho, o então líder da Mesa da Assembleia Geral referia as críticas constantes feitas aos jogadores, citando expressões como "crianças mimadas", os conflitos constantes com os órgãos sociais e associados do clube e ainda o facto de o então Conselho Diretivo do Sporting estar a delapidar, de forma insustentável, património material e imaterial. Mas também "a atuação belicista do presidente do Conselho Diretivo, como a ausência de qualquer reparo, crítica ou condenação veementes às atuações das claques", que "manteve um nível de ameaça sobre os jogadores e de impunidade de atos de violência inaceitáveis num clube com os princípios e valores do Sporting"..Já depois de ter deixado de forma forçada a presidência do Sporting, Bruno de Carvalho viu confirmada no ano passado a sua expulsão de sócio. Na altura, os leões apontaram-lhe 12 infrações disciplinares, relacionadas com as contas do clube, publicações nas redes sociais e a "obstaculização" da AG de destituição. Na altura, o Conselho Fiscal e Disciplinar do emblema de Alvalade apontou que "os factos praticados, em acumulação, com premeditação", levaram a "relevantíssimos danos de imagem, moral e patrimonial, com dolo direto muito intenso, com liberdade, consciência e conhecimento da ilicitude"..Certo é que, nesta quarta-feira, o advogado de Bruno de Carvalho deixou já o aviso de que o seu constituinte quer regressar ao Sporting. "Ele quer ser reinstituído na qualidade de sócio, nunca devia ter deixado de o ser. Apesar de estarem ações judiciais a decorrer, quem manda atualmente no Sporting, um sócio chamado Rogério Alves, que ponha a mão na consciência. Quando este processo chegar ao fim... Está na hora de acabar com o circo que montaram e tomar a decisão que o presidente da Mesa da Assembleia Geral pode tomar", disse Miguel Fonseca, que quando questionado sobre um regresso à presidência foi categórico: "Cada coisa a seu tempo. Voltar a ser sócio é imprescindível. O resto logo se vê..."