Há duas bandas essenciais na história do que se convencionou chamar de rock alternativo, os Velvet Underground e os Pixies. É certo que sem os primeiros porventura não existiriam os segundos, mas quem os ouviu, a uns e a outros, desejou logo fazer uma banda. Fossem uns quaisquer miúdos numa garagem nos subúrbios de Lisboa ou do Porto ou uma estrela planetária como Kurt Cobain, dos Nirvana, que quando questionado sobre qual a inspiração para o êxito Smells Like Teen Spirit se limitou a responder que "estava a tentar imitar os Pixies"..Surgidos em Boston em meados da década de 1980, quando os colegas de faculdade Charles Thompson (vocalista e guitarrista, mais conhecido pelo nome artístico de Black Francis) e Joey Santiago (guitarrista) decidiram formar uma banda, a que se juntariam a baixista Kim Deal e o baterista David Lovering. Entre 1988 e 1991 editaram quatro discos, feitos de uma mistura de punk, noise e surf rock, com letras bizarras sobre ficção científica, religião e sexo, que influenciariam muito do rock alternativo feito nas décadas seguintes..A carreira da banda seria no entanto abruptamente interrompida em 1993, numa altura em que haviam sido convidados para fazerem a primeira parte da digressão americana dos U2, quando o vocalista Black Francis informou, via fax, os restantes elementos do fim dos Pixies..O regresso aconteceria uma década mais tarde, primeiro à estrada, com a formação original, e em 2014, já sem a baixista Kim Deal, de novo aos discos, com o competente, mas pouco entusiasmante, Indie Cindy. Tal como aconteceria dois anos depois, com Head Carrier, um álbum com algumas boas canções, mas que, mais uma vez, parecia tornar os Pixies, apenas, numa boa banda de versões deles próprios. Algures pelo meio, Kim Shattuck, recentemente falecida, foi substituída por Paz Lenchantin (A Perfect Circle, Queens of the Stone Age) e, aos poucos, a baixista de origem argentina foi cimentando o seu lugar na banda, assumindo um protagonismo cada vez maior, como se comprovou no mais recente disco da banda, Beneath the Eyrie, editado no início de setembro, que finalmente parece ter devolvido os Pixies à boa velha forma do passado..Este é um disco em que a sua presença é muito mais sentida, não só no protagonismo dado ao baixo mas também por cantar muito mais, concorda? Sim, sem dúvida. Aliás, uma das coisas que o Charles pedia, quando as músicas voltavam da produção, era para aumentar a minha voz e sinto que com isso a minha presença aumentou muito mais, porque existe uma maior dinâmica homem-mulher nas canções, como sempre existiu nos Pixies no tempo da Kim Deal..E também contribuiu no processo de escrita das canções? Sim, coescrevi três das canções do disco, em parceria com o Charles, que me desafiou para o fazer. Foi um processo muito fácil e divertido, porque adoro este tipo de colaborações, é a minha maneira preferida de fazer arte..Como é a sua relação com os restantes elementos da banda, que estão juntos já há mais de 30 anos? Neste momento, mais até do que amigos, os Pixies são como uma família para mim. Desde o início que fizeram questão de me fazer sentir parte da banda e, quando não estamos juntos, já sinto a falta deles. Percebi isso quando começámos a fazer este último disco, tinha muitas saudades de tocar, mas também de estar apenas com eles, todos juntos. Tenho uma sorte enorme em fazer parte desta banda, com estas pessoas..Apesar de já ter passado por algumas grandes bandas, não sentiu algum receio em vir substituir alguém tão icónico como a Kim Deal? Acima de tudo queria era não falhar com os fãs, mas também não queria tocar apenas como a Kim, mas sim ser eu própria. A partir do momento em que consegui fazê-lo, senti que ganhei o meu lugar na banda..Como é que surgiu o convite para ingressar nos Pixies? Isso é um bocado como a história do ovo e da galinha (risos). Em 1997, o Joey Santiago teve um projeto lateral aos Pixies, em parceria com a mulher dele na altura, chamado Martinis, para o qual precisava de uma baixista. Na altura eu era um baixista em início de carreira, em LA, mas como também cantava e tocava violino era um bocadinho diferente do habitual (risos). Um dia recebi um telefonema do Joey Santiago, dos Pixies, para ir com ele para a estrada. Não durou muito tempo, mas ainda fomos tocar a Portland, naquele que foi o meu primeiro concerto fora de LA. Quase 20 anos depois, a história repetiu-se, pois foi novamente o Joey a ligar, mas desta vez a convidar-me para ingressar nos Pixies..Ele lembrava-se de si, foi isso? Não sei bem, com o Joey nunca se sabe (risos). Há ocasiões em que parece que sim, outras que não... Sei que quem lhe falou no meu nome foi um amigo comum, o baterista Josh Freese, com quem toquei Perfect Circle. Estava na altura a fazer uma surf trip pelo sul de França e ao mesmo tempo a trabalhar num projeto a solo muito avant-garde, de voz e violino. Até pensava em mudar-me para a Europa e deixar o rock and roll por algum tempo, mas esse telefonema fez-me mudar os planos todos. Acima de tudo, isso aconteceu numa altura muito importante da minha vida, que coincidiu com o meu aniversário. Faço anos a 12 de dezembro e estávamos em 2012. Durante toda a minha vida pensei no que estaria a fazer quando esse momento de juntar os três 12 chegasse. Nesse momento soube que tinha de aceitar, que aquele lugar era meu, mesmo que os Pixies ainda não o soubessem..Já era fã da banda? Sim, posso dizer que sim, porque de certa forma fizeram parte da minha educação musical, até pelo facto de terem uma mulher como baixista. Mas sou muito mais fã agora. Conheço as músicas e as letras todas, adoro o universo musical e lírico dos Pixies. Sinto-me uma privilegiada por fazer parte dele, agora..E como vai ser este concerto em Lisboa, mais direcionado para o novo álbum? Sim, também, porque estamos a gostar muito de tocar todas essas novas canções, que foram tão bem recebidas pelos fãs. O concerto em Lisboa vai ser o penúltimo da digressão europeia e, portanto, acima de tudo, podem esperar uma banda muito bem oleada, tanto nas novas canções como nos clássicos, que também não vão faltar..Pixies.Campo Pequeno, Lisboa.25 de outubro, sexta-feira.20.30. Bilhetes €29 a €45