Em dias de muito e bem recomendado isolamento caseiro, uma série que imagina a América dirigida por um isolacionista fanático (o movimento America First diz-nos alguma coisa hoje?) tem o seu quê de insólito efeito de ressonância. Ou, pelo menos, jogo de palavras. Esta é uma realidade histórica alternativa concebida por um dos gigantes da literatura, Philip Roth (1933-2018), no romance The Plot against America - A Conspiração contra a América, editado entre nós pela Dom Quixote - que chega agora à HBO Portugal adaptado numa minissérie de seis episódios..Nela se conta como seria se o célebre pioneiro da aviação Charles Lindbergh, o tal isolacionista ferrenho, se tivesse apresentado como repentino candidato às eleições americanas em 1940 e, com a sua popularidade, derrotado Franklin D. Roosevelt..Junho de 1940 é a data do princípio de tudo. O primeiro episódio, vagaroso na introdução das personagens, passa-se nesse verão e dá conta da ameaça representada por aquele que vem de fora da esfera política, Lindbergh, cujo solitário voo transatlântico de há 13 anos permanece na memória de muitos americanos como um dos maiores feitos heroicos nacionais. Em campanha, ele promete manter os Estados Unidos afastados da Segunda Guerra Mundial e ainda assegurar a neutralidade do país entre a Alemanha nazi e as potências aliadas. A par disso, o seu declarado antissemitismo ganha expressão popular, e é do ponto de vista de uma família de trabalhadores judeus de Newark, em Nova Jérsia, que se vão observar as consequências angustiantes para quem deixou de poder viver o sentimento de terra natal: "Lindbergh está a ensinar-nos o que significa ser judeu. Nós pensávamos que éramos apenas americanos", ouve-se alguém dizer num dos últimos episódios..Criada pela dupla de The Wire, David Simon e Ed Burns, The Plot against America centra-se nos membros dessa família e no modo como, em conjunto e individualmente, assistem à transformação política ou fazem parte dela. Herman (Morgan Spector) e Bess (Zoe Kazan) são o casal que desde o início percebeu o perigo simbolizado por Lindbergh. Ele, um vendedor de seguros e apoiante de Roosevelt, que em casa passa o tempo ao pé do rádio a expor de forma veemente as suas opiniões (de resto, fá-lo em qualquer circunstância, destemidamente); ela, uma dona de casa que trava as discussões familiares quando estão a escalar, procurando preservar a mínima tranquilidade, sempre com a máxima lucidez em relação ao embate diário da realidade..Por sua vez, a irmã de Bess, Evelyn (Winona Ryder), uma solteirona ingénua e deslumbrada que acabará perdida de amores por um aliado de Lindbergh, o rabino Bengelsdorf (John Turturro), torna-se a peça fundamental para testar até que ponto os valores dos laços de sangue sobrevivem perante a corrosão política... Pelo meio há também um insubordinado sobrinho de Herman, Alvin (Anthony Boyle), e, sensíveis a tudo o que se passa à sua volta, os dois filhos de Bess e Herman. Por sinal, o mais novo, Philip (Azhy Robertson, de MarriageStory), será a "mosca" que segue de perto, e com olhos de espanto, as agitações domésticas. Vai aprendendo o que significa "fascista" e acumulando dentro de si a ansiedade dos adultos..Fiel à narrativa original de Philip Roth, e sem nunca forçar a nota na perceção do espectador, esta é uma minissérie muito dialogante com a atualidade, capaz de estabelecer vários paralelismos com a era Trump, num jogo de subtileza dramática com tantas vozes levantadas quanto silêncios magoados. Não se trata de um simples "drama de época" que se esgota na reprodução desse tempo. Pelo contrário, é preciosa a vitalidade das personagens em face dos acontecimentos que deformam a sua vivência..O elenco deste The Plot Against America é exímio na construção progressiva de uma sensação de desnorte. O medo entra por todas as costuras, mas uma linha robusta de dignidade vai aplacando os seus efeitos. E assente nesse contraste entre a fragilidade de uma condição e a força dos seus protagonistas, cada episódio desta notável adaptação abre uma janela para os conflitos interiores de cada membro da família judia no seu centro. Uma família retratada em quentes tons cromáticos, mas a deparar-se com a insuportável frieza do próprio país.