Philippe Mendes, doutorado em História da Arte pela prestigiada École du Louvre, especialista em pintura italiana do século XVII, curador, consultor, professor e marchand, é um nome respeitado e algo "temido" no mundo das artes francesas. Nasceu em Paris na década de 1980, esteve para ser advogado e foi exatamente no círculo de amizades feitas no primeiro ano da Universidade de Direito que surgiram as primeiras conversas sobre arte, que começou pelo mobiliário e não pela pintura: "Falavam de móveis Luís XV ou XVI, não conhecia nada. Então passei a ler o que podia sobre arte e aí despertei o interesse pela pintura"..Frequentava o segundo ano de Direito, quando um dos amigos lhe disse que ia inscrever-se na École du Louvre. Philippe nem hesitou e seguiu-lhe os passos. Inscreveu-se para o exame, que acabou por passar sem grande preparação e ainda com uma viagem a Portugal pelo meio, recorda. Depois ficou dividido, ou não, entre o Direito e a História de Arte. "Já era muito claro para mim qual seria o meu caminho, mas gosto de concluir o que começo e o curso de Direito revelou-se importante porque me obrigou a ter um pensamento mais organizado e estruturado o que é muito útil". Com Direito já arrumado e o curso de História da Arte terminado, seguiu-se o estágio de nove meses na pinacoteca dos museus do Vaticano e, mais tarde, o regresso ao Louvre. "Uma das professoras queria-me a trabalhar no departamento de escultura, mas estava focado na pintura, era e é a minha especialidade". Valeu-lhe a tal professora ter autorizado a sua passagem, juntamente com o ordenado, para o departamento de pintura onde ficou como colaborador científico na especialidade de pintura italiana do século XVII..Ao mesmo tempo, começou a fazer consultoria para dois colecionadores privados que o incentivaram a abrir a primeira galeria, o que aconteceu em 2009 e a que se seguiu uma segunda, em 2017, mesmo em frente à primeira, ambas no 8.º bairro de Paris. "Foi arriscado, tive de recorrer à banca, mas valeu a pena"..A ascensão na carreira foi rápida, consolidou o seu prestígio como historiador de arte, e com isso começaram a surgir cada vez mais propostas para fazer curadoria - ao mesmo tempo foi construindo o seu nome como marchand no concorrido mercado de arte françês. "Fui convidado há uns largos anos pelo príncipe Amyn Aga Khan para ser consultor e curador da sua coleção de arte francesa do século XVIII, em particular a pintura desse período com o intuito de fazer chegar ao público essa excecional coleção", explica. Entretanto regressou, a convite, à École du Louvre como professor para lecionar uma disciplina sobre a história da pintura portuguesa dos séculos XVI, XVII e XVIII. "Como podia recusar?!", sublinha. Esse, conta, foi o culminar do que já andava a fazer há algum tempo e levou-o a estudar português para poder dominar a língua. "Como nas férias ia a Portugal, os meus colegas do curso de artes faziam-me perguntas sobre pintura portuguesa, como não conhecia, passei a percorrer o país, pesquisando, investigando, descobrindo o seu imenso potencial. Com isso estabeleci contactos e rapidamente comecei a interessar-me pela divulgação da pintura antiga portuguesa"..Logo no primeiro curso de história da pintura portuguesa (séculos XVI, XVII e XVIII) teve mais de 70 inscrições: "Para ter uma ideia da organização do Louvre, não existiam livros sobre pintura portuguesa na biblioteca e em poucas semanas compraram tudo o que encontraram para que os alunos tivessem material para acompanharem as aulas"..Quando tentamos perceber as vantagens do ensino da disciplina a resposta surge sem hesitação: "Pretendo que saiam daqui com conhecimento e sobretudo sensibilidade para a real importância da pintura portuguesa antiga"..Recentemente, foi convidado para o conselho consultivo International da Hispanic Society Museum Library of America, criada nos finais do século XIX e que ainda não tinha preenchido integralmente o determinado pelos estatutos que distinguiam claramente a representação no museu, da arte espanhola, portuguesa e da América Latina. "Durante mais de um século a arte portuguesa foi ignorada, este convite vai contribuir para a sua reabilitação, cumprindo assim os estatutos originais da Hispanic. Os projetos passam por realizar exposições e promover novas aquisições e incentivar mecenas a efetuarem doações para reforçar o acervo do museu"..Recentemente Philippe doou um desenho do maneirista Fernão Gomes do século XVI, e promoveu contactos entre o Museu Hispânico e a Gulbenkian para organizarem uma exposição: "Para além disso há ainda o objetivo de realizar no Porto uma outra exposição com alguns dos desenhos mais importantes do acervo relacionados com Portugal"..Todas estas movimentações do galerista e historiador de arte estão a dar maior visibilidade à arte portuguesa em França, e não só. "O interesse do Louvre em adquirir e expor pintura portuguesa já chegou a Nova Iorque. O conservador de pintura europeia do Metropolitan de Nova Iorque já me contactou para encontrar obras portuguesas representativas. A abertura destas portas significa que mais cedo ou mais tarde, muitos dos principais museus vão querer arte portuguesa no seu acervo"..Só este ano os projetos que estão na sua agenda são de tirar o fôlego, sendo o principal o facto de ter sido aceite para integrar a European Fine Art Fair, reputado certame anual de arte. E depois cumprir um sonho, ou parte dele: trazer os primitivos portugueses ao Louvre: "Há dez anos que eu e Guilamme Kintz, era ele o conservador da pintura portuguesa e espanhola do Louvre, tínhamos pensado nesta exposição"..Surgiram alguns percalços que a impossibilitaram, mas nunca desistiu da ideia: a oportunidade surgiu de novo na capital francesa durante a inauguração de uma exposição de Paula Rego. Aproveitando a presença do embaixador português em Paris, Jorge Torres Pereira, e do diretor do departamento das pinturas do Louvre, Sebastián Allard, Philippe Mendes apresentou-os: "Sim, sugeri ao senhor embaixador que perguntasse pela oportunidade de voltar à ideia da exposição pelo que foi primordial a sua intervenção"..A explicação sobre o enorme interesse em promover esta exposição vem a seguir: "Se em algum momento se pode falar dos pintores portugueses terem feito escola é exatamente neste período do século XVI, o período que vai de D. Manuel I a D. João III". Contudo, não estarão representados todos os grandes pintores deste período: "Serão 15 quadros; Gregório Lopes, Francisco Henriques, Jorge Afonso por exemplo, mas não ter Grão Vasco é triste e frustrante, assim como perdemos a oportunidade de expor no Louvre obras de vários museus portugueses. Na realidade a exposição tinha sido pensada para ser mais abrangente, mas várias dificuldades agravadas pela pandemia, antecedida por problemas burocráticos e também alguma falta de vontade política, acabou por limitar a exposição a uma pequena sala. De qualquer forma confio muito no trabalho de Joaquim Caetano, diretor do Museu de Arte Antiga, para seduzir os visitantes do Louvre"..Quando o questionamos sobre o que falta para que a pintura portuguesa antiga dê um salto qualitativo não hesita: "É fundamental alterar a legislação portuguesa". E faz comparações: "A lei do mecenato português está muito afastada da realidade francesa que oferece de 60 a 90% de deduções fiscais e até da norte-americana que é de 100%, e até o Brasil e Marrocos importaram este sistema - com o apoio dos franceses que enviaram para estes países fiscalistas para ajudar a implementar esta lei"..Foi pública a oferta que fez de um quadro de Josefa de Óbidos ao museu do Louvre, confessando que tal só foi possível pela vantajosa lei de mecenato francesa: "O quadro pintado por Josefa de Óbidos que adquiri foi parar ao Louvre porque a lei do mecenato francês permite deduzir uma parte significativa do seu valor em impostos. Para ter uma ideia, vou oferecer ao museu de Aveiro um quadro do século XVIII da Santa Joana Princesa do qual não me será possível deduzir um cêntimo desta doação, para além de que a lei de mecenato portuguesa é, presumo, das piores da Europa"..Confessa não entender a política portuguesa para a cultura e deixa uma crítica: "É preciso desembaraçar a complexa teia burocrática, o mundo cultural português está cheio de quintinhas e capelas que impedem e dificultam que se recorra, por exemplo, aos mecanismos legais que resultaram de uma decisão do tribunal europeu que fez jurisprudência. Passa, agora, a ser possível que qualquer cidadão europeu e não só, possa doar obras ou dinheiro a museus ou instituições culturais em qualquer país da comunidade europeia, obtendo isenções fiscais no seu país de origem, e que eu saiba só o Museu de Arte Antiga o fez"..O seu sonho maior é conseguir uns sala exclusiva de pintura portuguesa no Louvre. "Há esse objetivo que seria o concretizar de um sonho, acredito que vá acontecer, mas um passo de cada vez, o que posso dizer é anunciar o próximo, Portugal estará no Festival de Fontainebleau". Um evento que para esta edição tem Portugal como tema principal, inserido no Saison France-Portugal 2022 que está decorrer um pouco por toda a França de 20 de fevereiro até 22 de outubro..Na sua galeria irá também inaugurar uma exposição de pintura maneirista portuguesa e está a preparar a publicação em francês de um livro, baseado nas suas aulas no Louvre, que abrange três séculos da pintura portuguesa (XVI, XVII e XVIII)..A seu convite acompanhamos um pouco dos bastidores das aquisições em leilões que em Paris acontecem quase diariamente. O seu assistente ,Yann Jurez, faz um primeiro filtro: "O conhecimento é obviamente importante mas por vezes a intuição ajuda". A peça em questão, um baptistére do século XVIII, mais de quilo e meio em prata, produzida no Brasil mas que remete ao reinado português foi uma das escolhidas: "É mesmo uma peça muita rara, conhecem-se pouquíssimas em todo o mundo". Philippe vai ver as peças, mexe e remexe, analisa vários ângulos e é muito rápido a decidir quais vai licitar. Depois o leilão é seguido pelo telefone, tudo feito de uma forma discreta, de tal forma que só nos apercebemos quando comunicou que a tinha arrematado, informando logo o que iria fazer: "Vou levá-la para Lisboa, para a Feira de Artes e Antiguidades na Cordoaria Nacional e dar-lhe-ei um lugar de destaque". Mesmo sabendo que dificilmente será comprada para Portugal, todos os que visitem a exposição poderão apreciá-la..Os seus expositores destacam-se e não são raras as vezes que vence prémios pela sua criatividade - "não é o mais importante, mas sim tem acontecido e claro, sinto-me orgulhoso" - e nesta edição da Feira de Artes e Antiguidades de Lisboa, que inaugurou ao público no dia 30 abril, na Cordoaria Nacional, não será diferente: "O stand vai estar todo fechado, provavelmente a preto, somente duas entradas em cantos opostos, mas garanto que quem entrar vai gostar do que vai encontrar, por isso esta peça de prata do século XVIII tem de lá estar, assim como uma extraordinária e rara maqueta arquitetónica com dois metros de altura, atribuída a Mateus Vicente de Oliveira"..A Feira também marca a oficialização de uma importante doação que Philippe Mendes fez ao museu de Aveiro Santa Joana, um retrato da Santa Joana Princesa, filha do rei Afonso V. O quadro sobre cobre é um trabalho preparatório para uma tela produzida no século XVIII cuja autoria é atribuída ao pintor romano barroco Michelangelo Cerruti..dnot@dn.pt