"Uma criança portuguesa raptada por traficantes de escravos vai lutar na Revolução Americana para ganhar a sua liberdade e o direito a estar com a mulher que ama." Imaginem estas palavras mas ditas em inglês por uma daquelas vozes que anunciam os filmes que vão estrear em Hollywood. Será assim o teaser de Luso, o filme que conta a história de Peter Francisco, açoriano que se tornou herói na América. Quem é o garante é Travis Bowman, descendente de Peter Francisco e que é o produtor do filme que está a ser planeado há uns cinco anos e que, finalmente, vai tornar-se realidade: a rodagem deverá acontecer em 2019, com passagem no verão pela ilha Terceira. O protagonista é o ator Brian Patrick Wade.."A bisneta de Peter Francisco, Rosalie Francisco, era a minha bisavó, do lado materno", conta ao DN Travis Bowman. "A primeira vez que ouvi falar dele foi quando era miúdo e os Correios americanos o puseram num selo. Isso fez que se falasse muito dele na nossa família. A minha avó adorava contar histórias sobre ele." Mas só em 2006, quando se mudou para a Carolina do Norte e visitou o monumento que lhe é dedicado em Greensboro, se começou a interessar verdadeiramente por Peter Francisco: "Houve duas coisas que realmente tiveram impacto em mim", conta Travis Bowman. "Primeiro, descobri que Peter e eu temos a mesma altura, 1,98 metros. Depois, descobri que a Virgínia tinha decidido homenagear Peter Francisco no mesmo dia em que eu nasci (a 23 de fevereiro de 1973). Percebi que havia um chamamento divino: a minha função é contar ao mundo a história do meu famoso antepassado.".De então para cá, Travis Bowman já publicou um livro (Hercules of the Revolution, 2009) e fez um documentário (The Peter Francisco Story, 2011) sobre Peter Francisco. Mas desde logo percebeu que a sua história tinha todos os condimentos necessários não só para ser um filme de ficção mas também para ser um sucesso: "À medida que fui investigando sobre Peter Francisco, descobri que ele era conhecido pelo seu tamanho extraordinário, a sua força massiva e a sua incrível coragem. É por isso que há monumentos em sua homenagem e há vários estados americanos que celebram o Dia de Peter Francisco. Mas ele também era um tipo romântico. Apaixonou-se por uma rapariga, Susannah Anderson, de uma família importante, mas foi proibido de casar com ela pois era um escravo. Durante a guerra, lutou pela liberdade mas também lutou pelo seu amor, pois não poderia casar com a sua amada se não fosse um homem livre." Por tudo isto, diz, "a história de Peter Francisco é um blockbuster à espera de ser produzido. Os homens vão adorar as cenas de batalha do filme. Mas a história de amor é quase mais impressionante porque ele estava disposto a fazer qualquer coisa para casar com Susannah. As mulheres de todo o mundo vão apaixonar-se por Peter quando virem este filme".."O Gigante da Revolução".Peter Francisco terá nascido a 9 de julho de 1760, em Porto Judeu, na ilha Terceira, nos Açores. Há um registo na igreja onde ele foi batizado mas não se sabe muito sobre a sua infância açoriana. Mais tarde, terá contado que estava a brincar na praia com a irmã quando dois homens o apanharam e levaram para um navio grande. Os homens seriam piratas. A 23 de junho de 1765, o rapaz de 5 anos foi abandonado no cais de City Point (atualmente Hopewell, na Virgínia), ali deixado pela tripulação de um barco. Não falava inglês e não percebia o que lhe diziam. Repetia: "Pedro Francisco." Foi assim que começou a ser chamado de Peter Francisco. Era um rapaz moreno, de boas maneiras, e desde logo a população imaginou que ele seria italiano ou português..Ao início, as pessoas da terra tomaram conta dele. Pouco depois foi levado para uma instituição, a Prince George Country Poor House, até que o juiz Anthony Winston o levou para a sua plantação, em Buckingham County. Peter trabalhou como servo no campo e na oficina do ferreiro durante onze anos. E cresceu, cresceu muito, tornando-se um jovem robusto. "Os seus ombros são como os de uma antiga estátua, como uma figura da imaginação de Miguel Ângelo, como o seu Moisés mas não como David", escreveu Samuel Shepard. "A sua queixada é longa, forte, o nariz imponente, a inclinação da testa parcialmente ocultada pelo seu cabelo negro de aspeto desgrenhado. A sua voz era suave, surpreendendo-me, como que se um touro ganisse.".Aos 16 anos, Peter Francisco alistou-se para combater na Guerra da Independência, realistando-se três anos depois. Lutou no 10.º Regimento da Virgínia e no Exército Continental, sob as ordens do Coronel Hugh Woodson e também ao comando de George Washigton. São muitos os testemunhos que dão conta da sua coragem e do seu heroísmo, nomeadamente nas batalhas de Brandywine, Stony Point, Camden, Guilford Courthouse e Yorktown. Devido ao seu tamanho e aos seus feitos, chamavam-lhe "O Gigante da Revolução" ou "O Hércules da Virgínia". George Washington terá mandado fazer uma espada, especialmente para ele, com uma lâmina de 1,50 metros.."Sem ele, teríamos perdido duas batalhas cruciais e talvez mesmo a guerra, e com ela a nossa liberdade", afirmou George Washington, o primeiro presidente norte-americano. "Ele era um verdadeiro exército de um homem só." Estas são as palavras cunhadas em Massachusetts, num dos cinco monumentos que existem nos EUA em homenagem a Peter Francisco..Em setembro de 1784, Peter Francisco casou com Susannah Anderson, filha do capitão James Anderson e de Elizabeth Tyler Baker Anderson, donos de uma plantação chamada The Mansion. Mas o jovem casal não ficou a morar aí, nem Peter quis viver da riqueza da mulher. Ele comprou um terreno de 250 acres em Louise Creek e construiu ele próprio a casa de madeira. Peter e Susannah tiveram dois filhos, James e Polly. A mulher morreu em 1790. Ele casou mais duas vezes e teve mais quatro filhos. Morreu a 16 de janeiro de 1831. "Nessa altura ele trabalhava para o governo da Virgínia, que não só declarou um dia de luto em sua homenagem com pagou o funeral. O jornal de Richmond escreveu que foi o maior funeral que alguma vez se tinha visto", explica Travis Bowman..Uma história que merece ser contada."A história de Peter Francisco é conhecida nos Estados Unidos, sobretudo na Virgínia", garante Travis Bowman. Além dos monumentos erguidos, a sua casa também foi reconhecida como sítio histórico, em 1972. "Mas os livros de história não falam dele porque, afinal de contas, ele era um soldado privado. Não sabia ler nem escrever e não tinha nenhuma patente. Era um escravo." É por isso que o seu descendente considera que é tão importante contar a sua história: Peter Francisco é um verdadeiro herói. E como se isso não fosse suficiente era um romântico. "Apesar de Peter ser um guerreiro incrível, na sua essência ele era um romântico, não um soldado. Depois da Guerra da Revolução Americana, ele continuou a lutar pela mão de Susannah, o que mostra bem como ele a amava. Peter era como uma 'estrela de rock' e era convidado regularmente para festas. Era uma pessoa fácil e gostava de entreter os outros cantando para eles.".Todos esses pormenores serão contados no filme que será realizado por Christopher Cates, um dos responsáveis da Red Heritage Media e especialista em filmes de reconstituição histórica. O argumento é escrito pelo próprio Bowman em parceria com Brad Cummings. "O filme é baseado sobretudo em factos reais, mas temos alguma liberdade artística, para imaginar o que aconteceu em alguns momentos que não estão documentados", como por exemplo na infância nos Açores e nos momentos em família. Uma dessas liberdades é também o nome do filme, Luso: "No filme, Peter torna-se grande amigo do general Lafayette, de França, e ele chama-lhe Luso. Tornou-se o seu apelido", explica Travis Bowman.."Esperamos filmar nos Açores no próximo verão, talvez durante sete a dez dias, ainda estamos a acertar os pormenores. É muito importante para nós filmar na terra natal de Peter e especialmente mostrar a igreja onde ele foi batizado na vida real. Acredito que depois de verem o filme muitas pessoas do mundo inteiro irão querer visitar a ilha onde Peter nasceu", diz o produtor. Travis Bowman revela que o português Diogo Morgado irá interpretar o papel do pai de Peter Francisco, porém não foi possível confirmar essa informação junto da agência do ator. Num projeto que já deu tantas voltas não há certezas. Mas, se tudo correr bem, Luso deverá estrear em 2020.