Peso da vitória do partido de Putin é a única dúvida nas eleições
Desde ontem e até domingo, cerca de 108 milhões de russos estão convocados para irem às urnas eleger os 450 membros da câmara baixa do Parlamento, a Duma, mas também para chefes de governo e governadores em 12 regiões federais, incluindo as repúblicas da Chechénia e do Daguestão, votações parlamentares em 39 regiões, parciais em 19 regiões, e locais em cinco províncias.
Alguns terão a oportunidade para escolher entre candidatos com o mesmo nome e imagem parecida, uma jogada do Kremlin para confundir os eleitores e retirar votos aos poucos verdadeiros opositores autorizados a concorrer. O inimigo número um de Vladimir Putin, Alexei Navalny, viu a aplicação com o seu nome ser retirada das lojas da Apple e da Google depois de o governo russo ter alegado a sua ilegalidade. Apesar da impopularidade do Rússia Unida, o partido do presidente, ninguém duvida que acabará por alcançar a maioria. A única dúvida é se conseguirá manter os dois terços que permitem alterar sozinho a Constituição.
Na quinta-feira, Vladimir Putin instou os russos a votar, ao dizer que se trata de uma "tomada de posição cívica patriótica". O próprio, em isolamento devido a um surto de coronavírus à sua volta, votou eletronicamente na sexta-feira. Em agosto, o presidente havia estimulado parte da sua base eleitoral com um pagamento extraordinário às forças de segurança e militares, bem como aos reformados.
DestaquedestaqueEm São Petersburgo concorrem três Boris Vishnevsky, todos parecidos, mas só um autêntico. "São os símbolos destas eleições", comenta o jornalista que identificou os farsantes.
A popularidade do Rússia Unida continua em baixo, cerca de 30%, segundo o centro independente de sondagens Levada. Talvez por isso, desta vez estejam a encabeçar as listas do Rússia Unida dois veteranos governantes que têm projetado a imagem do país no exterior, Serguei Lavrov (ministro dos Negócios Estrangeiros desde 2004) e o general Serguei Shoigu (ministro desde 1991, primeiro no Ministério das Situações de Emergência, desde 2012 na Defesa).
O Kremlin quer manter a supermaioria no renovado parlamento, cuja legislatura ainda estará em vigor em 2024, data em que expira o mandato de Putin. Segundo a recente emenda constitucional, após plebiscito, o atual presidente pode ainda candidatar-se em 2024 e 2030. No entanto, pode optar por outra estratégia, como presidir a um Conselho de Estado com mais poderes.
Dos 450 assentos parlamentares, metade é escolhida em círculos uninominais, onde candidatos independentes ou de pequenos partidos, como o Yabloko, liberal, podem ter maiores hipóteses. Era aqui que entrava a estratégia de "votação inteligente" de Alexei Navalny para tentar impor perdas no Rússia Unida. Essa estratégia resultou em parte nas eleições de Moscovo de 2019: os candidatos pró-Kremlin perderam um terço dos representantes em relação ao mandato anterior. Em 2020, o Rússia Unida perdeu também a maioria noutras três cidades.
Essa "votação inteligente" assenta numa aplicação que aconselha aos eleitores qual o candidato mais bem posicionado no seu círculo eleitoral para derrotar o Rússia Unida. Os russos que não descarregaram a app até ao dia das eleições ficaram sem poder usá-la. A Google e a Apple retiraram a aplicação das lojas, anuindo às exigências do Kremlin, que proibiu o movimento de Navalny, por "extremismo". "Cederam à chantagem do Kremlin", reagiu Leonid Volkov, um opositor no exílio e um dos principais colaboradores de Navalny, que se encontra preso.
Outra estratégia usada pelo Kremlin é a de tentar confundir os eleitores. Em São Petersburgo há três candidatos Boris Vishnevsky, ainda que só um tenha esse nome de nascimento: é o candidato do Yabloko. Os outros, concluiu uma investigação da Novaya Gazeta mudaram de nome e deixaram crescer a barba para se parecerem com o original. Sem surpresa, um deles é um assessor de um candidato do Rússia Unida. "São os símbolos destas eleições", diz Denis Korotkov, o jornalista que descobriu as identidades dos falsos Boris, ao The Washington Post.
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa recusou o envio de observadores, perante as restrições impostas por Moscovo. Na quinta-feira, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que apela para o não reconhecimento das eleições, se realizadas em violação dos princípios democráticos e do direito internacional.