Perla Batalla canta o seu mestre: "Leonard Cohen mudou a minha vida"
Durante o espetáculo House of Cohen, há alguns momentos em que Perla Batalla pede à audiência que cante com ela. As canções são as de Leonard Cohen que todos conhecem, como Dance Me to the End of Love, So Long, Marianne ou Take This Waltz. E normalmente não é difícil pôr o público a cantar. "Sinto que a união das vozes tem o poder de tocar o espírito de Leonard e homenagear a sua devoção, ao longo da vida, aos mistérios do coração humano", explica a cantora. "A música ao vivo é sobre estar no momento e eu tenho sempre essa expectativa secreta de que ao elevarmos as nossas vozes sentiremos Leonard entre nós. Geralmente consigo sentir a sua presença num concerto."
Perla Batalla foi uma das cantoras que acompanhou Leonard Cohen em concertos. Fê-lo durante dez anos e depois da morte do músico, há três anos, decidiu continuar a cantar esses temas no espetáculo House of Cohen que apresenta nesta quarta-feira no Casino Estoril.
Perla, com pai mexicano e mãe argentina, nasceu em Los Angeles, na Califórnia, e conheceu Leonard Cohen quando foi fazer uma audição para a digressão mundial I'm Your Man , em 1988. "Tinha vinte e poucos anos e na altura conhecia muito mal a música dele", recorda. "Conhecia a versão de Judy Collins de Suzanne. Estava longe de ser uma fã. E não imaginava que conhecer o Leonard Cohen iria mudar o rumo da minha vida e determinar tudo o que eu iria fazer daí em diante. A primeira vez que olhámos um para o outro foi nessa audição, num estúdio em Los Angeles, pouco antes da digressão. Cruzámo-nos no corredor. Ele estava vestido de preto, dos pés à cabeça. Eu estava toda de branco. Ele olhou para mim, sorriu e disse: 'querida, esta combinação parece ter sido planeada no céu.' Eu concordei."
Começaram a trabalhar juntos mas, mais do que isso, tornaram-se muito próximos. "Ele não foi apenas um mentor e um amigo, mas também uma grande inspiração", conta Perla Batalla ao DN. "Como eu era tão jovem, via-o como um mestre e tentava aprender o máximo que pudesse. A sua preocupação com o público era verdadeiramente generosa - e muito rara. Nas primeiras digressões com Leonard, ele contava histórias antes de cada música - histórias engraçadas e sinceras sobre sua vida. Todas as noites ele contava as mesmas histórias, mas elas pareciam-me sempre novas, como se eu nunca as tivesse ouvido antes. Penso que isso era por causa da sua honestidade e da sua capacidade de ser sempre autêntico, ser autenticamente Leonard Cohen. Ele teve um enorme impacto no que eu faço e ensinou-me muito."
Sobre o músico que atuou por várias vezes em Portugal e que morreu com 82 anos, Perla diz que era um perfeccionista, que "demorou mais de dez anos a escrever algumas das suas canções mais icónicas" e que, para os concertos, ensaiava com a banda as vezes que fossem necessárias até o som estar como ele "o imaginava na sua cabeça". "Para mim a canção Came so Far for Beauty fala precisamente do preço e do sacrifício de dedicar toda a sua vida ao trabalho", diz Perla. "Mas era também um homem com humor e ironia."
Perla Batalla lançou o seu primeiro disco de tributo a Leonard Cohen, Bird on a Wire, em 2007, e teve o total apoio do músico, que assistiu às gravações, ajudou a escolher as melhores canções e participou em todo o projeto. "Sinto que posso continuar o seu legado mantendo a sua música viva e apresentando-a a novos públicos", diz. Acrescenta: "Uma das minhas principais motivações para fazer uma digressão deste espetáculo é poder partilhar algumas dessas memórias de Leonard e talvez dissipar a caracterização muito comum dele como o padrinho das trevas."
Perla não consegue dizer qual é a sua canção preferida de Cohen. "Todos os dias é uma diferente." Por exemplo: "Bird on a Wire: Leonard pediu-me para cantá-la no aniversário do seu Roshi [o mestre budista que o orientava] e por isso está profundamente enraizada no meu coração. Came so Far for Beauty: esta é a história de Leonard. If It Be Your Will: Tenho boas memórias de cantar esta música no final de cada espetáculo com Leonard Cohen."
"Para mim, são as imagens dele, o uso de metáforas e a honestidade muitas vezes dolorosa que dão às letras de Leonard um significado profundo." Apesar de os seus poemas serem intrinsecamente pessoais, Perla encontra-lhes novos sentidos quando os reinterpreta. "Com ele aprendi que se abordar uma música com uma honestidade incondicional, o seu significado não é estático - pode mudar à medida que relaciono as palavras com a minha própria vida e experiências", explica. E antes de entrar em palco lembra-se sempre do seu mestre: "Qualquer nervosismo que Leonard sentia parecia desaparecer quando ele ficava imerso numa canção."