"Algum dia haveríamos de ser mencionados nos jornais por bons motivos." Dina Duarte, presidente da Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande, fechou a porta ao verão com o mesmo entusiasmo com que abriu a do outono. A pandemia - que afastou os portugueses das viagens ao estrangeiro e dos grandes centros - foi "uma janela de oportunidade" para o turismo naqueles três concelhos que o país inteiro ficou a conhecer em junho de 2017..Os habitantes daquela região, como Dina - que vive nas aldeias de Nodeirinho (Pedrógão Grande) e Bolo (Castanheira de Pera) - identificam à cabeça duas razões para esse verão de boa memória, ao contrário de outros passados: os poucos casos de infeção registados naquela região, e o apelo da natureza, o distanciamento que não encontravam em Lisboa.."Nós aqui sempre praticámos o distanciamento, por força das circunstâncias. E o que agora acontece é uma inversão de hábitos: dantes as pessoas vinham passar o fim de semana à terra, agora vão passar o fim de semana a Lisboa. Mas fazem-no cada vez menos, porque nos dizem que aqui se sentem mais seguras", conta ao DN a presidente da AVIPG, com a satisfação de quem vê de novo as casas habitadas, o comércio a funcionar. "Não há dúvida de que o nosso território foi mais visitado. E, além disso, há outro dado curioso: há muita gente à procura de casas para comprar. Isso quer dizer que continuamos a despertar interesse ou que conseguimos cativar as pessoas, por diversas razões.".No final da semana passada, o boletim diário da Direção-Geral de Saúde (DGS) mostrava os concelhos do interior norte do distrito de Leiria como uma espécie de oásis nos gráficos da pandemia. Pedrógão Grande tinha apenas um caso ativo (teve cinco, ao todo, desde março), Figueiró dos Vinhos idem (26 casos no total, até hoje) e Castanheira de Pera mantinha-se sem registo de nenhum caso. Até à data, o concelho apenas registou um único caso de infeção por covid-19 - e por isso só agora figura nas estatísticas como recuperado..O arranque do verão não foi fácil. A praia das Rocas - que anuncia aos turistas ondas (artificiais) a 80 km do mar - demorou a abrir. Quando finalmente a DGS estabeleceu todas as normas sanitárias para que funcionasse, em meados de julho, a estância balnear ficou reduzida a um terço da sua capacidade para o complexo de piscinas, restauração e hotelaria. A reabertura tardia da praia das Rocas - que habitualmente abria ao público logo no início de junho - acarretou outras alterações, segundo um comunicado da Prazilândia, empresa municipal que gere o espaço. As atividades no complexo - paddle, slide, andar de canoa ou de cisne - neste ano não foram possíveis.."Mas o balanço acabou por ser muito positivo", diz ao DN Alda Carvalho, presidente da Câmara de Castanheira de Pera, que ainda não totalizou o número de visitantes da praia, a funcionar até 13 de setembro. "O que eu posso dizer é que o balanço é extremamente positivo. Tenho de agradecer à área da saúde, porque correu tudo muito bem, e à equipa que esteve na Prazilândia, e que fez um acompanhamento muito próximo das pessoas." Porém, os custos também dispararam. E, por isso, a autarca adverte que neste ano a operação não será positiva do ponto de vista financeiro..No início da pandemia, Alda receou pelo que poderia vir. Privilegiou a comunicação escrita, em flyers, à moda antiga, com a indicação de um número que está disponível "24 horas, todos os dias, numa articulação de todos os serviços coordenados pela Proteção Civil". Num concelho onde habitualmente moram pouco mais de três mil habitantes, Alda Carvalho sabe que a maioria são idosos. E, por isso, ela própria foi passando pelas aldeias numa sensibilização "porta-a-porta". Nessa altura, em meados de março, confessava ao DN que a preocupava o isolamento dos habitantes. Afinal, muitos acabaram por receber a prolongada visita de filhos e netos.."Há muita gente que acabou por passar cá o confinamento. Outros continuam em teletrabalho, e mantêm-se na região", conta Dina Duarte. Numa espécie de alento inusitado para o território, a presidente da AVIPG continua a cruzar-se com muitos desses novos moradores, que também eles chamam novos turistas. Nas aldeias de Castanheira de Pera, setembro foi também marcado por uma outra atração, que pode prolongar-se ainda em outubro: a brama dos veados. "Nunca me lembro de os ouvir tão perto como neste ano", revela Dina, referindo-se às aldeias de Bolo, Palheira, Vilar e Pera. Mas há uma explicação: "Os veados, que viviam mais no interior da serra da Lousã, depois dos incêndios descem cada vez mais, à procura de alimento." A esse fenómeno outonal junta-se a época micológica. Também neste campo os incêndios levaram algumas espécies de cogumelos que não voltaram a nascer, mas muitas ainda se mantêm. E, por isso, a associação planeia abrir as portas para uma formação na área, "para ensinar as pessoas a apanhar os cogumelos comestíveis, sabendo distingui-los".."Se pensarmos bem, estes três concelhos reúnem, cada um à sua maneira, características que atraem turistas diversos", considera Dina Duarte. Em Castanheira de Pera, não é apenas a praia das Rocas. Também a praia fluvial de Poço Corga é bastante procurada por quem é apreciador das águas frescas do interior. "Já Pedrógão Grande tem beneficiado muito dos amantes da EN2", um percurso que se tornou moda nos últimos anos, e "explodiu" neste verão. "Os restaurantes estiveram sempre cheios e os alojamentos também", sustenta a presidente da associação..Pedrógão Grande tem algumas lacunas no que respeita ao alojamento, ainda. O único hotel que existia, junto à barragem do Cabril, está agora nas mãos da câmara - que espera entregar a concessão do espaço a potenciais interessados. Também o parque de campismo deverá ter o mesmo destino..Não admira que os alojamentos em turismo rural tenham registado taxas de ocupação plena, também nos concelhos vizinhos. É o caso das casas de campo Aldeias de Camelo, em Figueiró dos Vinhos. "Estamos cá há cinco anos e este verão foi o melhor de todos", afirma ao DN Fernando Pereira, proprietário do espaço - um conjunto de quatro casas, com capacidade para várias famílias, onde é possível estabelecer uma interação de verdade com a aldeia. Porém, há problemas que desde o fogo nunca encontraram solução: frequentemente, a aldeia fica sem comunicações telefónicas, devido aos danos causados pelo fogo de 17 de junho de 2017. "Nunca foi devidamente reparado o dano, e basta o tempo piorar, com alguma chuva ou vento, acontece logo", acrescenta o responsável do espaço. Ainda assim, há quem pouco se importe, ou até valorize esse isolamento..É no mesmo concelho de Figueiró dos Vinhos que fica uma das atrações do último verão: os passadiços das Fragas de São Simão, na rota das aldeias de xisto. Aí, várias casas estão transformadas em alojamento local, e há um restaurante que regista sempre filas de espera, ainda para mais depois de reduzida a lotação..Nem todos os concelhos da região conseguiram transformar a pandemia numa oportunidade turística. Mas é certo que todos registam um aumento de moradores sazonais, nomeadamente aqueles que deixaram as terras em jovens, para trabalhar em Lisboa, sobretudo..Os concelhos de Ansião e Avelar - que escaparam à fúria das chamas de 2017, mas conhecem igualmente bem a saga dos incêndios - registam números quase nulos de infeção por covid-19. O primeiro apresentava por estes dias um único caso ativo (12 casos no total, desde o início da pandemia), o segundo nem um. E Alvaiázere foi notícia logo em março, quando um surto num lar de idosos em Maçãs de Dona Maria infetou 25 utentes e funcionários. Cinco idosos acabaram por morrer. O lar - que entretanto já mudou de gerência - conseguiu estancar o vírus e durante meses não houve mais notícias de casos naquele concelho.."Fora desta situação do lar, tivemos poucos casos, e todos situações muito isoladas", refere Célia Marques, presidente da Câmara de Alvaiázere, sublinhando que nunca houve contágio dentro da comunidade. O concelho tem cerca de sete mil habitantes, e por isso a autarca consegue manter um contacto relativamente próximo com toda a população. "Onde mais apostámos foi no contacto com as IPSS, sempre em articulação com a delegada de Saúde, a Proteção Civil e a GNR, que ajudou muito nesse trabalho de sensibilização.".Mas acabaria por ser a pandemia a fezer nascer no município de Alvaiázere um serviço de apoio psicológico. Célia Marques recorda "o caso de duas pessoas que estiveram mais de dois meses em isolamento, porque o teste continuava a dar positivo. Estavam sem sintomas, o tempo todo, mas isso começou a afetar-lhes a própria saúde mental. E a nossa psicóloga foi fundamental no apoio a esses casos". O serviço acabou por se manter..No turismo, a presidente da câmara não sentiu o incremento dos concelhos vizinhos. "O que nós sentimos foi o regresso às origens. Há pessoas que tinham casas fechadas há vários anos, aqui nas aldeias do concelho, ou até casas de familiares, e vieram para cá. Isso é muito notório. Muitas delas ficaram, depois do verão. Serão pessoas que estão em teletrabalho, e que ao invés de regressarem acabaram por manter-se aqui, porque têm maior conforto, mais qualidade de vida e segurança, afinal.".Em todo o território nacional e ilhas há ainda vários (pequenos) concelhos que registam muito poucos casos de infeção. No último boletim completo da DGS, havia um total de 27 até cinco casos confirmados desde o início da pandemia. Eram eles Alfândega da Fé (5), Aljustrel (4), Aves (4), Boticas (3) Castro Verde (3), Constância (5), Calheta (4), Estremoz (5), Fornos de Algodres (4), Madalena (5), Marvão (3), Meda (4), Mértola (4), Nisa (4), Pedrógão Grande (5), Porto Moniz (3), Ribeira de Pena (5), Ribeira Grande (5), Santana (4), São João da Pesqueira (4), São Roque do Pico (5), Sardoal(4), Tabuaço (3), Viana do Alentejo (5), Vila Nova de Paiva (3) e Vila Viçosa (5)