PCP (também) culpa militantes do partido por maus resultados
"Alguns ex-membros e membros do Partido." Pela primeira vez, o PCP assume publicamente que dentro do partido há militantes (e ex-militantes) que estão em discordância radical com o rumo dos últimos quatro anos. E responsabiliza-os, em parte, pelo resultado da CDU nas legislativas (descida de 17 para 12 deputados, descida de 444,9 mil votos para 329,2 mil votos, ou seja, menos 115,7 do que em 2015).
A referência aos "ex-membros e membros do partido" vem no comunicado da reunião do Comité Central do PCP que, na terça-feira, analisou o resultado das legislativas. Uma referência, no entanto, omitida por Jerónimo de Sousa na conferência de imprensa em que, no dia seguinte, apresentou as conclusões da reunião.
O problema interno é contextualizado quando se explica que o resultado da CDU nas legislativas surge na sequência de "um processo marcado pelo prolongado e sistemático ataque dirigido contra o PCP".
E é nesse ataque que "alguns ex-membros e membros do Partido se têm inserido" - e que se caracteriza "pela animação de ideias e conceções retrógradas e populistas", passando também pelo "branqueamento do fascismo e do que ele representou", por "operações provocatórias que a partir de estruturas e movimentações diversas visam dividir os trabalhadores e descredibilizar a sua luta e as suas organizações representativas de classe" (uma referência implícita à greve dos motoristas de matérias perigosas, que não contou com o apoio do sindicato afeto à CGTP) e "pela difusão de elementos que têm como alvo a própria democracia e a ação política em geral, independentemente do conteúdo concreto que ela expressa, pela inscrição de objetivos que procuram novos passos na subversão da Constituição da República Portuguesa".
Os tais "ex-membros e membros do PCP" que o comunicado do Comité Central refere não são identificados. Contudo, o DN sabe que a direção do partido entende que o criticismo interno à participação do partido na geringonça tem expressão pública, nomeadamente, num blogue (anónimo) feito por militantes do PCP e denominado "Que fazer?" (título de uma das obras mais importantes de Lenine).
Nessa página considera-se, por exemplo, que aquilo que o PCP obteve para os trabalhadores por causa da posição conjunta assinada com o PS em 2015 não foi mais do que "um rol de migalhas para conter a pressão social e enganar o povo".
Afirma-se, por outro lado, que a direção poderá estar a protagonizar um desvio de direita, recordando outros do passado do partido: "As tentativas de destruição do PCP ou a sua transformação num partido social-democrata por dentro são históricas e constantes."
Ou seja: "Não é a destruição do PCP que se quer" mas sim "a destruição do PCP enquanto Partido revolucionário". "Quer-se acabar com o que já foi este Partido. Nos dias de hoje a atual direção vive às custas do passado, do que foi o nosso Partido desde a sua fundação em 1921 até aos tempos da clandestinidade onde heróicos camaradas foram torturados, exilados, assassinados. Hoje vivemos de aparências: uma organização em cacos. Na verdade a nossa organização revolucionária foi propositadamente estropiada para deixar de o ser e passar a ser outra coisa" e tudo isto é "sintoma de uma doença mais grave" que "tem um nome: desvio de direita, oportunismo."
No comunicado, o Comité Central assinala que o PS regista "um reforço da sua expressão eleitoral em número de votos e mandatos" mas "não alcança, no entanto, a ambicionada maioria absoluta que pediu em nome de uma hipotética 'estabilidade'".
O Bloco de Esquerda, pelo seu lado, teve "uma redução da sua votação mantendo igual número de mandatos". O comunicado diz também que duas das novas forças com representação parlamentar - o Chega e a Iniciativa Liberal - estão "associadas aos centros mais reaccionários do capital monopolista, com indisfarçáveis agendas populistas e anti-democráticas".
O que não falta também no comunicado são recomendações para dentro. Fala-se na "necessidade da realização de reuniões e plenários de militantes aos diversos níveis da estrutura partidária, promovendo a análise da situação actual e programando o seu trabalho e intervenção", e anunciam-se três iniciativas de curto prazo: um comício hoje no Fórum Lisboa; um encontro regional de quadros dia 19 de outubro, no Porto; e um comício a 26 de outubro na península de Setúbal.
"Impõe-se, no seguimento da intensa intervenção do Partido, tomar medidas para o reforço do trabalho de direcção aos vários níveis, assegurar a responsabilização de quadros e militantes por tarefas e responsabilidades permanentes, prosseguir a acção de formação política e ideológica, promover a afirmação dos princípios de funcionamento do Partido", lê-se no comunicado.
"É necessário promover o reforço de quadros e meios, assegurando uma acção que tenha como preocupação fundamental o conhecimento dos problemas, das aspirações, das reivindicações e do estado de espírito dos trabalhadores e a iniciativa para promover a sua unidade, organização e luta, articulada com a afirmação e o reforço do Partido."