Muita especulação, nenhuma certeza. No PCP, perceber o quem, o quando e o como da sucessão de Jerónimo é puro barro à parede. Talvez tudo até já esteja meio decidido, na cúpula do partido, mas arriscar certezas é pura lotaria..O que há, isso sim, é o comportamento histórico do partido - a sua jurisprudência nesta matéria. E o que se sabe, sobre isso, é que os líderes que se seguiram a Álvaro Cunhal passaram sempre pelo teste das presidenciais..Mas também se sabe, porém, que isso aconteceu em circunstâncias diferentes. Num caso o teste das presidenciais foi antes da liderança; no outro, foi posterior à liderança, uma espécie de confirmação..João Ferreira é o candidato do PCP às presidenciais.Esses líderes foram, na verdade, apenas dois: Carlos Carvalhas e Jerónimo de Sousa..Em 1991, Carlos Carvalhas foi o candidato do partido às presidenciais desse ano (as da reeleição de Soares). Obteve para o PCP o seu melhor score de sempre nestas eleições: 635,3 mil votos, ou seja, 12,9%..As eleições tiveram lugar em 12 de janeiro de 1991. Mas nessa altura, já desde maio de 1990, Carvalhas era secretário-geral adjunto de Cunhal. Isto é: um sucessor oficial designado do velho líder, o qual, então com quase 80 anos (e 30 de liderança) se preparava para passar a pasta..Carlos Carvalhas obteve para o PCP aquele que viria a revelar-se, até aos dias de hoje, o melhor resultado de sempre em presidenciais. Em dezembro de 1992 é eleito secretário-geral, no XIV Congresso do PCP..Foi Carvalhas quem pegou no PCP justamente quando o partido se tentava recompor de uma gigantesca derrota histórica: a implosão da URSS. Economista de profissão, secretário de Estado em cinco governos após o 25 de Abril, Carvalhas dirigiu o partido até outubro de 2004..E depois veio Jerónimo de Sousa. Antigo operário metalúrgico, deputado desde a Constituinte (1975-1976), líder sindical, Jerónimo de Sousa, hoje com 73 anos, chegou a secretário-geral no XVII Congresso, em novembro de 2004, em Almada..Oito anos, em 1996, já tinha sido candidato presidencial. Mas aí não fora a votos - desistira a favor de Jorge Sampaio (que seria eleito Presidente, sucedendo a Mário Soares)..Em 2006, dois anos depois de estar instalado na liderança, Jerónimo é de novo candidato presidencial. E desta vez vai mesmo a votos. Obtém 8,6% (474 mi votos). São as eleições que Cavaco Silva vence, com a esquerda dividida em múltiplas candidaturas (além da do PCP, também a de Manuel Alegre, Mário Soares, Francisco Louçã e Garcia Pereira). Jerónimo tem menos votos do que Carvalhas teve em 1991 mas fica à frente de Louçã, líder do Bloco de Esquerda..Agora João Ferreira é o candidato do PCP a Belém - e já prometeu que é para "ir até ao fim". Não há quem não alvitre que será o sucessor de Jerónimo. Nos últimos anos, Ferreira já foi atirado várias vezes para a frente de candidaturas do PCP. Quatro vezes, mais precisamente: duas como cabeça-de-lista ao Parlamento Europeu (2014 e 2019); e duas como candidato a Lisboa (2013 e 2017)..Em 2013 fez crescer o resultado da CDU em Lisboa de um eleito para dois eleitos na vereação, mantendo o número de votos em cerca de 22 mil..Em 2014 foi cabeça-de-lista ao Parlamento Europeu (em 2009 já tinha sido segundo na lista, atrás de Ilda Figueiredo) e o número de eurodeputados da CDU aumentou de dois para três, aumentando o número de votos de 379 mil para 416 mil..Três anos depois, em 2017, é novamente recandidato à Câmara de Lisboa (onde nunca alinhou em entendimentos permanentes com o PS, apesar de o PCP o fazer nacionalmente na geringonça), mantendo os dois vereadores obtidos em 2013 (subiu ligeiramente o número absoluto de votos, de 22 mil para 24 mil, para baixar ligeiramente em percentagem, de 9,85% para 9,4%, fruto de um aumento da participação eleitoral)..Há cerca de um ano, nas europeias de junho de 2019, teve o seu primeiro desaire. Em termos de eurodeputados nem foi grave: passou de três para dois. Mas a quebra no número absoluto de votos foi de grande dimensão: passou de 416 mil para 2019..Anatomia de um desastre: a noite em que a CDU perdeu 188 mil votos.Mas esse foi apenas mais um mau resultado numa sequência de maus resultados que começaram em 2016. Nas presidenciais de janeiro desse ano, que elegeram Marcelo Rebelo de Sousa, o candidato do PCP, Edgar Silva, não passou de uns escassos 4% (183 mil votos)..Depois, em 2017, nas autárquicas, outro desastre: o partido passa de 34 presidências de câmara para 24..Nas legislativas de 2019, mais um mau resultado: a CDU desce de 17 para 12 deputados e de 445,9 mil votos para 332,4 mil..Citaçãocitacao"Aquilo que posso adiantar é que, em qualquer circunstância, o meu partido pode sempre contar comigo até eu poder." .A intensidade com que a direção do PCP tem sujeitado João Ferreira a importantes testes eleitorais faz pensar que isso se insere num processo de construção de uma figura de primeiro plano que possa ascender à liderança do partido..Mas há quem reconheça o risco que é elegê-lo em novembro secretário-geral e em janeiro seguinte sujeitá-lo às eleições presidenciais - e ainda por cima num quadro que, nos últimos anos, tem sido de decadência eleitoral..Talvez aqui importe salientar uma questão estatutária: o secretário-geral do PCP tem sido eleito durante um congresso mas não são todos os congressistas que o elegem. Na verdade é eleito pelo Comité Central que por sua vez foi eleito pelo Congresso. São os estatutos do partido que o dizem. Por outras palavras: teoricamente é possível o secretário-geral ser eleito fora do processo de um congresso..O que Jerónimo disse na Festa do Avante! a jornalistas é que a questão da sua sucessão "não será um problema no próximo congresso". Acrescentando: "Aquilo que posso adiantar é que, em qualquer circunstância, o meu partido pode sempre contar comigo até eu poder.".O XXI Congresso do PCP decorrerá de 27 a 29 de novembro, em Loures. Especula-se sobre a possibilidade de ser outra vez criada a figura do secretário-geral adjunto (como foi com Carvalhas) para ir consolidando a sucessão. João Ferreira, sendo líder, tem o handicap de não ter lugar na Assembleia da República - e assim a contraparte do primeiro-ministro nos debates parlamentares seria o líder parlamentar e não o secretário-geral..Também se tem falado na hipótese de uma direção coletiva. Mas, lá está, são especulações. Quase cem anos de história, com metade desse tempo na clandestinidade a enfrentar a PIDE, ensinaram o PCP a ser o partido que melhor guarda segredos em Portugal.