"Pausa técnica" nas negociações mas não nos ataques russos
Os ataques contra edifícios residenciais de Kiev não travaram uma nova ronda de negociações entre a Ucrânia e a Rússia, mas o diálogo, que desta vez aconteceu por videoconferência, continua sem dar resultados. "Fizemos uma pausa técnica nas negociações até amanhã [hoje]", escreveu no Twitter o principal negociador ucraniano, Mikhail Podolyak, admitindo que a comunicação é "difícil". A pausa nas negociações não significou contudo uma pausa na guerra
No 19.º dia da invasão, um edifício de apartamentos em Kiev foi atingido por um ataque russo, causando a morte a uma pessoa (inicialmente falou-se em duas) e ferimentos em 12, horas antes das negociações. O Kremlin alegou entretanto que Moscovo poderá assumir o "controlo total" de várias cidades, argumentando que os russos só não empreenderam uma ofensiva de larga escala porque "as perdas civis seriam grandes". Contudo, isso não está totalmente afastado. Até ao momento, os russos só assumiram o controlo de uma capital regional, Kherson.
Na quarta ronda de diálogo, o governo ucraniano insiste na necessidade de "paz, um cessar-fogo imediato e a retirada das tropas russas". Do lado de Moscovo, as exigências têm passado pelo reconhecimento da soberania russa sobre a Crimeia (anexada em 2014), da independência de Donetsk e Lugansk e da neutralidade da Ucrânia, isto é, a garantia de não adesão à NATO. "A razão para a falta de acordo são dois sistemas políticos demasiado diferentes. A Ucrânia é um diálogo livre dentro da sociedade e um consenso obrigatório. A Rússia é um ultimato de supressão da própria sociedade", escreveu Podolyak nas redes sociais.
À margem de qualquer diálogo ou negociação, os ataques continuam no terreno. Em Rivne, nove pessoas morreram e outras nove ficaram feridas no ataque contra uma torre de televisão, segundo o responsável pela administração regional, Vitaly Koval. Em Kharkiv, o presidente da câmara, Ihor Terekhov, disse que a cidade estava sob ataque constante, e que havia várias vítimas (não especificou o número) no centro da cidade.
Após várias tentativas falhadas de retirar civis da cidade de Mariupol, cercada pelos russos, pelo menos 160 carros terão conseguido ontem sair por um corredor humanitário, chegando à localidade de Berdiansk. Segundo a vice-primeira-ministra ucraniana, Iryna Vereshchuk, entre 600 a 700 pessoas seguiam nestes veículos. "Não é suficiente", indicou, alegando que a Rússia teria travado a saída de autocarros e camiões. Cerca de 300 mil pessoas ainda continuam na cidade sem água ou aquecimento, segundo as autoridades, que acreditam que pelo menos 2200 pessoas já terão morrido.
A Rússia alega que pelo menos 23 civis foram mortos e outros 28 ficaram feridos depois de um míssil ucraniano ter caído na cidade de Donetsk, controlada pelos separatistas pró-russos. O Tochka-U, de fabrico soviético, foi alegadamente intercetado em voo pela defesa antiaérea, mas uma das partes explosivas atingiu a cidade. "Se o míssil não tivesse sido abatido, teríamos muito mais mortos", disse o líder da autoproclamada República Popular de Donetsk, Denis Pushilin. Os ucranianos negaram contudo o ataque contra a região separatista. "É sem dúvida um rocket russo ou outro tipo de munição, nem vale a pena falar disso", referiu o porta-voz das Forças Armadas ucranianas, Leonid Matyukhin.
O líder da Chechénia, Ramzan Kadyrov, próximo de Putin, anunciou no Telegram que está na Ucrânia - as suas tropas estarão desde 26 de fevereiro a participar na invasão. Acusado de graves violações de direitos humanos no seu país, uma das repúblicas da Federação da Rússia, publicou um vídeo alegadamente gravado na base aérea de Gostomel, perto de Kiev. "No outro dia estivemos a 20 km de vocês, os nazis de Kiev, e agora estamos ainda mais perto", disse Kadyrov, avisando que ou as forças ucranianas se rendem "ou serão liquidadas".
O Kremlin negou ontem que a Rússia tenha pedido à China equipamento militar após invadir a Ucrânia, como noticiaram os media norte-americanos no domingo, citando fontes oficiais anónimas. De acordo com o The New York Times, Moscovo teria também pedido a Pequim ajuda económica para fazer face às sanções ocidentais, com os EUA a avisar que isso terá consequências.
A China não respondeu diretamente às notícias, mas alegou que Washington está a espalhar "desinformação" em relação ao papel de Pequim. "Os EUA têm estado a espalhar desinformação sobre a China em relação à Ucrânia, com intenções maliciosas", indicou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Zhao Lijian.
Nos seus esforços para continuar a angariar apoio para Kiev, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, vai amanhã discursar perante o congresso dos EUA através de videoconferência.
Entretanto, um aliado de Putin admitiu pela primeira vez que a operação na Ucrânia não está a correr como previsto. "Gostaria de dizer que sim, mas nem tudo está a correr tão rápido como gostaríamos", disse Viktor Zolotov, responsável pela Guarda Nacional e um dos membros do Conselho de Segurança russo, citado pela Reuters. "Mas estamos a seguir na direção do nosso objetivo passo a passo e a vitória será nossa", acrescentou.
Zolotov alega que os atrasos se devem ao facto de haver elementos de extrema-direita escondidos entre a população ucraniana, repetindo o argumento muitas vezes usado por Moscovo para justificar a "operação militar especial" de que neonazis se infiltraram na Ucrânia. O Kremlin disse contudo que o plano está a correr como previsto.
susana.f.salvador@dn.pt