O Parque Mayer abriu portas a 15 de junho de 1922 e, duas semanas mais tarde, a 1 de julho o Teatro Maria Vitória foi inaugurado com a revista "Lua Nova". Cem anos depois, longe vão os tempos do Estado Novo, em que os quatro teatros estavam sempre cheios: o ABC foi demolido em 2015 para dar lugar a um parque de estacionamento, o Variedades está a ser remodelado, o Capitólio reabriu em 2016 e está a ser explorado pela Sons em Trânsito, só o velhinho Maria Vitória continua a ter em cena revistas, graças à tenacidade do empresário Hélder Freire Costa. Mas o tempo agora é de festa e Vasco Morgado, presidente da Junta de Freguesia de Santo António, e neto do empresário e ator Vasco Morgado e da atriz Laura Alves, e filho do também empresário e também Vasco Morgado e da atriz Vera Mónica, promete um regresso ao passado para celebrar os 100 anos do Parque Mayer..As celebrações vão começar a 1 de julho e irão decorrer durante todo o mês. Quem visitar o Parque Mayer nesta altura vai sentir-se transportado para os anos 40, 50 e 60 do espaço, graças a cenários que estão a ser construídos. "Vamos ter tirinhos, vamos ter o Amaral das Bifanas, vamos ter o Pavilhão Português, onde vão acontecer vários espetáculos todos os dias e nos quais teremos artistas convidados para falar com quem estiver na plateia. A mística do Parque Mayer era muito o que acontecia no dia e a pessoa que vier hoje apanha a Marina [Mota], vem amanhã e apanha o Herman, vem dois dias depois e está cá o [Fernando] Mendes, vem o Zé Raposo, vem o Miguel Raposo. Para comer, além do Amaral, há também a Gina. Vai haver um retratista, vamos ter aqui também algumas surpresas que ainda não posso dizer pois só serão lançadas na semana em que irão acontecer", conta o autarca..Além destes artistas e outros ainda por confirmar, vão juntar-se aos festejos mais profissionais, como contrarregras, que irão partilhar com o público muitas histórias. E Vasco Morgado dá o exemplo de uma. "No ABC, estávamos a desmontar uma cena, estava o telão e o Camilo de Oliveira à sua frente, e há alguém que deixa cair uma peça da cena que estava atrás e fez um barulhão. Fez-se silêncio, o Camilo olha para o público, olha para trás e diz: "caiu o governo!". Foi uma gargalhada geral de dois ou três minutos, mas depois quando saiu levámos todos nas orelhas"..Vasco Morgado está também a contar ter acesso aos arquivos da RTP e passar imagens nas paredes do Parque Mayer, relembrando momentos e estrelas daquele espaço. "Das filas para os bilhetes, da correria que era para ter um autógrafo do Calvário, a Anita Guerreiro rodeada de gente, a Simone, a Ivone [Silva], a minha avó de lenço a fugir porque tinha de ir para casa"..Em julho, haverá também concertos às sextas e sábados, o Maria Vitória terá um espetáculo especial e haverá uma exposição sobre o centenário do Parque Mayer espalhada à volta do Variedades..O Parque Mayer é um local muito especial para Vasco Morgado devido à ligação dos avós e dos pais ao espaço, mas também porque este foi o seu mundo durante os primeiros 22 anos da sua vida - hoje tem 48. "Com meia dúzia de dias estava num camarim ali no Capitólio porque a minha mãe foi fazer uma substituição numa peça da minha avó, que era "A Menina Alice e o Inspetor". Entrava o Nicolau [Breyner], entrava a minha avó, a minha mãe, e eu estava no camarim", recorda..Foi no fosso da orquestra do Variedades que deu o seu primeiro beijo, a sua primeira namorada foi a Joana, a filha mais velha da atriz Rita Ribeiro, e o seu filho mais velho, também chamado Vasco, nasceu não quando estava no Parque Mayer, mas em digressão com o Fernando Mendes. Estreou-se a trabalhar no Maria Vitória aos 10 anos quando fez de filho da sua mãe numa peça e, mais tarde, recebia uma semanada de 20 escudos do pai em troca de endireitar pregos com uma barrinha de ferro durante as matinés.."Eu sou filho do meu pai e da minha mãe, mas também sou filho de muitos pais e muitas mães. A Marina agarrava em mim e levava-me, o Carlos [Cunha] agarrava em mim e levava-me, o Mendes fui passar um dia ou uma noite a casa dele e fiquei lá três meses. O Zé Raposo idem, idem, aspas, aspas", recorda, lembrando ainda que foi com Carlos Cunha que ganhou o gosto pela pesca, paixão que este tinha apanhado graças a Camilo de Oliveira..A degradação que o Parque Mayer tem sofrido nas últimas décadas é algo que dói muito a Vasco Morgado. Já como presidente da Junta de Santo António desenhou um projeto de recuperação e revitalização do espaço que apresentou durante a presidência de Fernando Medina na Câmara de Lisboa e que viu ser recusado..Agora, está cheio de esperança perante a boa receção e entusiasmo que recebeu por parte de Carlos Moedas. "É trazer para dentro do Parque Mayer a Escola Superior de Teatro e Cinema, que está na Amadora, trazer o conservatório de dança e, se eles quiserem, o conservatório de música. Será uma aldeia cultural de desenvolvimento e exportação de talento, que seria única na Europa. Imagine um produtor do Variedades: onde é que ele vai buscar os novos talentos? Aos conservatórios, que estão mesmo ao lado", desvenda o autarca, acrescentando que o seu projeto para o Parque Mayer também inclui trazer uma parte do Museu do Teatro e o Museu do Brinquedo, onde, no primeiro andar, se poderia fazer um teatro infantil e assim criar novos públicos.."Este é o meu último mandato enquanto presidente da junta e espero conseguir deixar a obra a andar de forma irreversível", confessa Vasco Morgado..ana.meireles@dn.pt