Ana Rita Bessa é uma mulher magra. Não se percebe como pode perder mais peso - mas a verdade é que isso aconteceu. Foi na "crise dos professores" - aquela, de maio deste ano, em que António Costa ameaçou demitir-se. Como deputada do CDS, Ana Rita acordou com deputados de todos os outros partidos - exceto o PS - incluir na lei uma cláusula que reconheceria aos professores o pagamento do tempo integral de carreira congelado durante a troika. O primeiro-ministro reagiu com a brutalidade que se sabe, ameaçando demitir-se e provocar eleições antecipadas. O CDS e o PSD recuaram. Para a deputada centrista, foi um choque: perdeu seis quilos durante a crise. Ainda hoje lamenta não ter dado a devida atenção à notícia da Rádio Renascença, que, duas semanas antes da crise, dizia que Costa faria tudo o que acabou por fazer. Este foi o momento mais duro nos seus primeiros quatro anos como deputada. Um ano antes tinha vivido o mais feliz...."O partido trata de tudo...".Para o enfermeiro de Beja João Dias não houve surpresa maior do que a de ser chamado a assumir o mandato de deputado na Assembleia da República. Em 2015 tinha sido o terceiro na lista da CDU - a coligação só elegeu um. João Dias estava em terceiro na lista. Mas o eleito, João Ramos, teve de renunciar, por motivos pessoais. E a número dois não o podia substituir. Sobrou para João Dias - que há seis meses tinha assumido uma posição de chefia no sistema de saúde de Beja. Arranjar um sítio em Lisboa para ficar durante a semana não foi um problema. "O partido trata de tudo. Nós só temos é de trabalhar." Ficou num quarto na Estrela, a cinco minutos a pé do Parlamento. João Dias chegou à AR no início de março de 2018. A geringonça já laborava a todo o vapor - não foi um fator-surpresa para o novo deputado como foi para todos os outros no início da legislatura, estreantes ou veteranos. Confrontou-se no entanto com o permanente dilema do PCP nesta legislatura: fazer aprovar medidas no seu entender benéficas para os cidadãos mas sem ter os respetivos ganhos eleitorais (tanto as autárquicas como as europeias correram mal ao partido). Um dia, Jerónimo de Sousa perguntou-lhe: "Então, João, como estás a sentir-te?" João respondeu que "tudo bem", nunca se sentira "nervoso", o partido estava a conseguir fazer aprovar algumas medidas "benéficas para as populações". Contudo, tinha uma dúvida: "Jerónimo, e o partido, como fica o partido nisto?" Jerónimo não hesitou: "O partido não interessa. O que interessa são as populações." Acabaram-se os estados de alma. Às vezes, em Beja, quando lhe perguntam - em jeito de censura - por que razão o PCP viabilizou os orçamentos do governo do PS, o deputado comunista recorda algumas "conquistas" para o distrito (no qual, aliás, será agora cabeça-de-lista da CDU): A eletrificação da linha férrea entre Casa Branca e Beja ou a construção da 2.ª fase do hospital da cidade são exemplos que dá..Antigos camaradas, agora aliados.Quando José Soeiro e Tiago Barbosa Ribeiro se conheceram, na primeira metade dos anos 2000, cursando Sociologia no Porto, eram ambos do Bloco de Esquerda. Logo, nunca imaginaram que um dia se sentariam como deputados à Assembleia da República - ainda para mais em bancadas diferentes (Soeiro manteve-se no BE, Tiago foi para o PS). O que acabou por acontecer na legislatura que agora está a terminar é que os dois velhos conhecidos e antigos camaradas de partido acabaram em bancadas diferentes... mas a terem de negociar o tempo todo. Tal como Soeiro na bancada do BE, Tiago Barbosa Ribeiro também se tornou na bancada do PS o responsável pelos dossiês do Trabalho e da Segurança Social. Com Rita Rato, do PCP, formaram a troika da geringonça que no Parlamento foi negociando matérias como por exemplo o Código do Trabalho. E a coisa - diz Tiago - "correu bem", embora com os seus "momentos difíceis". Como quando o PCP e o BE chumbaram o acordo de concertação social firmado pelo governo logo no início da legislatura. Para Tiago Barbosa Ribeiro o mais difícil tem sido mesmo arranjar um mínimo de estabilidade habitacional em Lisboa. Ao longo de quatro anos saltou de hotel em hotel. E arrendou apartamentos e num até teve de o abandonar forçado por um senhorio que decidiu vender a casa. O problema mantém-se agora. Tiago - tudo o indica - será reeleito pelo círculo do Porto e a casa em Lisboa é assunto por resolver. Quer um espaço só para ele - não um quarto de hotel ou viver em modo de república estudantil com outros deputados. Mas sabe o que toda a gente sabe: as rendas na capital aumentaram exponencialmente desde 2015. Sabe ainda outra coisa: não tem, como João Dias tem no PCP, o PS a resolver-lhe o assunto..Um sítio para "homens de meia-idade".Rubina Berardo, eleita pelo PSD na Madeira, chegou ao Parlamento em 2015 sendo mãe solteira de um rapaz agora com 11 anos. E trouxe o rapaz também para Lisboa - onde aliás já tinha trabalhado..O que sentiu é o que todas as mulheres sentem quando trabalham na Assembleia da República: "É um sítio para homens de meia-idade com a mulher a tratar de tudo no círculo eleitoral." Tudo está ainda formatado para "reuniões longas e pouco produtivas". "Fala-se muito agora na conciliação entre vida profissional e vida privada. Era uma coisa de que a Assembleia devia tratar.".Esse foi um dos problemas. O outro foi o choque, logo no início da legislatura, de ter de se colocar, enquanto eleita do PSD pelo círculo da Madeira, contra a direção nacional do seu partido quando o governo de António Costa levou a votos um Orçamento Retificativo para evitar a liquidação do Banif. Rubina - e os restantes deputados do PSD da Madeira - votaram a favor desse Orçamento, e o resto do partido absteve-se..Um dos problemas - conta agora - é que o partido, então ainda liderado por Passos Coelho, "viveu durante demasiado tempo em estado de choque" por ter ganho as legislativas mas não ter conseguido formar governo. "Devíamos ter saído mais depressa desse estado de choque", afirma..Avô comunista, deputada centrista.Rubina teve portanto aquilo que Ana Rita Bessa qualifica, em relação à sua própria experiência, como "uma aterragem violenta". No caso da deputada do CDS, essa "aterragem violenta" deu-se quando, assim que assumiu o mandato, teve de enfrentar a esquerda em defesa dos contratos de associação no sistema de ensino. "Eu era uma imberbe e o Paulo [Portas] atirou-me logo para a piscina dos grandes..." Depois foi uma batalha permanente. Pelo meio viveu um momento que hoje qualifica de "transcendente"..Foi no 25 de Abril de 2018. O CDS convocou-a para discursar em nome do partido na sessão solene comemorativa da data. Durante a infância, Ana Rita passou muito tempo a brincar nas escadarias da AR. Os avós maternos moravam mesmo em frente ao palácio. E o avô - comunista de sempre - passou muito tempo a explicar-lhe a importância do lugar. "Foi algo transcendente. Senti-me a viver uma coisa para lá de mim.".E foi falando do avô que iniciou o discurso: "Homem de esquerda convicto, que sofreu com a família as agruras destinadas a quem era do contra, ao trazer-me a brincar nos relvados estava a familiarizar-me com a democracia, estava a inscrever em mim a sede pela liberdade recentemente conquistada. Tantos anos passados, encontro-me agora do lado de cá da enorme porta, dentro e parte desta casa, e acredito que foi essa sede de liberdade, então semeada, que me guiou."