Parlamento falha maioria alternativa ao acordo do Brexit de May
Apoiem-me e eu demito-me. Foi isto que Theresa May, pela segunda vez em menos de quatro meses, foi prometer aos deputados do grupo parlamentar do Partido Conservador. E no mesmo local. Uma reunião do chamado comité 1922. A primeira foi quando enfrentou uma moção de censura interna, à qual sobreviveu, a 13 de dezembro. Na altura indicou que não seria ela a candidata dos conservadores nas próximas eleições legislativas, previstas para 2022, segundo o calendário normal. A segunda, nesta quarta-feira à tarde, foi na esperança de conseguir aprovar o acordo do Brexit, que já foi rejeitado duas vezes na Câmara dos Comuns. Preferencialmente nesta sexta-feira, dia 29 de março, a data inicialmente prevista para o Brexit. A chefe do governo conservador prometeu demitir-se assim que houver Brexit e, dessa forma, já não seria ela a liderar a segunda fase das negociações, ou seja, a parte relativa à nova relação entre o Reino Unido e a União Europeia.
"Escutei muito claramente o que me quis transmitir o partido no Parlamento. Eu sei que há um desejo de uma nova abordagem - uma nova liderança - na segunda fase das negociações do Brexit - e eu já não estarei aqui para isso. Sei que muitos estão preocupados com o facto de que se votarem no acordo de retirada eu verei nisso um mandato para passar à fase seguinte sem o debate que precisamos de ter. Não o farei - escutei o que me quiseram transmitir", afirmou a primeira-ministra, no comité 1922. May recordou: "Mas precisamos de aprovar o acordo do Brexit e levar o Brexit a bom porto." E garantiu aos deputados Tories no comité 1922: "Estou pronta para deixar este cargo mais cedo do que tencionava para fazer o que é certo para o nosso país e para o nosso partido. Peço a todos nesta sala para apoiarem o acordo para que possamos completar o que é o nosso dever histórico - levar a bom porto a decisão do povo britânico de deixar a União Europeia de forma ordeira."
O acordo do Brexit, fechado entre o Reino Unido e a UE27, já foi rejeitado a 15 de janeiro e a 12 de março. O pomo da discórdia tem sido o ponto do backstop, ou seja, o mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda após o Brexit. A UE27, em apoio à Irlanda, recusa fazer mais cedências neste ponto. Os brexiteers radicais do Partido Conservador e o Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte (DUP) eram os que mais exigiam essas alterações ao backstop. Após a promessa de demissão de May, os brexiteers radicais mostraram-se mais abertos a aprovar o acordo que antes rejeitaram, pois antes preferem esse acordo para o Reino Unido sair da UE a um Brexit soft que possa surgir com uma extensão longa do artigo 50.º. Mas o DUP reafirmou a sua rejeição.
À saída da reunião do comité 1922, Jacob Rees-Mogg, líder dos conservadores brexiteers radicais, disse que não vai festejar o fim da carreira política de May, mas adiantou que, para ele, a abstenção dos deputados do DUP seria suficiente para apoiar agora o acordo do Brexit, reporta Carl Dinnen, jornalista de política da ITV News. "Se o DUP se abstiver, isso será suficiente para mim, sim. Sinto-me no direito de apoiar [o acordo]. Se o DUP continuar a ser contra o acordo, então não o poderei apoiar", declarou Mogg, colocando agora toda a pressão no partido liderado por Arlene Foster.
Mas num comunicado, divulgado nesta noite no Twitter de Foster, o DUP informa: "Dado o facto de que são necessárias as alterações que procuramos obter em relação ao backstop nas negociações entre o governo e a UE, e que se mantém o risco estratégico de a Irlanda do Norte ficar encurralada nas provisões do backstop no final do período de implementação, não iremos apoiar o governo se ele submeter um novo voto vinculativo [ao atual acordo do Brexit]". Num outro tweet, o líder parlamentar do DUP, Nigel Dodds, esclareceu que o partido "não vai optar pela abstenção".
Rees-Mogg, líder do think tank eurocético European Research Group (ERG), foi o promotor da tentativa de afastar May do poder, quando apresentou uma moção de censura interna contra ela. Esta foi derrotada a 13 de dezembro. May sobreviveu depois também, a 16 de janeiro, a uma moção de censura apresentada contra o seu governo pelo líder do Labour, Jeremy Corbyn.
Numa reação às notícias saídas da reunião do comité 1922, o líder trabalhista declarou, no Twitter: "A oferta de demissão feita por Theresa May aos deputados se aprovarem o acordo dela mostra, uma vez mais, que tudo nas negociações caóticas dela sobre o Brexit sempre esteve relacionado com a gestão do partido, não com os princípios do interesse público. Uma mudança de governo não pode ser uma mera troca dos Tories entre si, o povo tem de decidir." Corbyn volta, assim, a sugerir que haja eleições antecipadas no Reino Unido. De facto, se a troca de primeiro-ministro fosse uma coisa feita entre conservadores apenas, isso significaria que o líder que iria negociar a nova relação entre o Reino Unido e a UE seria eleito por menos de 120 mil britânicos (os militantes do Partido Conservador) num país com 66,04 milhões de habitantes.
Segundo o Huffington Post.Uk, também Boris Johnson, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de May, admitiu que está pronto para aprovar o acordo do Brexit. No passado, Johnson, conhecido eurocético que durante anos foi jornalista correspondente em Bruxelas, condicionara esse apoio à remoção do ponto do backstop do acordo. O também ex-presidente da Câmara de Londres, que fez campanha pelo Brexit em 2016, chegou mesmo a acusar May de querer "colocar um colete suicida" à volta da Constituição britânica e "entregar o detonador a Bruxelas".
Por falta de maioria absoluta na Câmara dos Comuns, o Partido Conservador depende do apoio dos dez deputados do DUP para aprovar o que quer que seja. May perdeu a maioria que os conservadores detinham com as eleições antecipadas de 2017, nas quais procurou legitimar-se nas urnas, após suceder a David Cameron no N.º 10 de Downing Street. Cameron, o grande responsável pela aventura do Brexit (mas não o único), demitiu-se depois de, no referendo de 23 de junho de 2016, 52% dos britânicos terem votado a favor do Brexit e 48% terem votado contra.
A hipótese de o acordo ser votado na sexta-feira, dia 29, data inicial para o Brexit, tem sido alvo de insistentes relatos não confirmados. Entretanto, o speaker da Câmara dos Comuns, John Bercow, voltou a avisar hoje May de que não permitirá uma terceira votação do acordo do Brexit se este não sofrer alterações substanciais na sua essência. A seguir à declaração de Bercow, o ministro britânico para o Brexit, Stephen Barclay, indicou que o governo vai submeter uma moção para que haja uma sessão na Câmara dos Comuns na sexta-feira, para o caso de decidir, entretanto, realizar uma terceira votação ao acordo do Brexit. Não confirmou que é isso que vai acontecer. Mas também não descartou a opção. Se o DUP de Arlene Foster mantiver que vota contra o acordo, recusando optar pela abstenção, mesmo com os votos favoráveis de todos os deputados conservadores, May não consegue maioria suficiente para aprovar o acordo do Brexit.
Ainda a reação do DUP não era conhecida e já os media britânicos faziam previsões de calendário: que a 27 de maio, depois do Brexit, começaria a corrida à liderança do Partido Conservador, mas que esta não terminaria antes de 28 de junho, para que May fosse ainda à cimeira do G20. A 10 de julho estaria então no N.º 10 de Downing Street o novo líder dos Tories. Surgiam também as apostas sobre quem poderia suceder a May, desde Boris Johnson a Michael Gove, passando por Sajid Javid. Todos eles ministros de May. O primeiro ex, os dois últimos ainda em funções.
Nesta quarta-feira à noite, após um debate de uma hora, os deputados da Câmara dos Comuns aprovaram também a alteração da data do Brexit, que estava inicialmente prevista para esta sexta-feira, dia 29, às 23.00. O resultado foi 441 votos a favor e 105 contra. A diferença de 336.
Assim, a nova data do Brexit será ou 12 de abril às 23.00 ou 22 de maio às 23.00, dependendo de se um acordo do Brexit é ou não aprovado até esta sexta-feira pelos deputados britânicos.
Foram essas as condições colocadas pelo Conselho Europeu, na cimeira da semana passada, para conceder ao Reino Unido uma extensão dos prazos previstos pelo artigo 50.º do Tratado de Lisboa - aquele que regula a saída de um Estado membro da União Europeia. A decisão foi tomada por unanimidade pela UE27. Uma condição necessária.
O governo conservador de Theresa May depositou, na segunda-feira, o instrumento legal para mudar a data do Brexit. "O regulamento 2 emenda a definição de 'data de saída' na secção 20(1) e (2) do Ato de 2018 para garantir que o dia e a hora especificados nessa definição é 11.00 da noite de 22 de maio de 2019 ou 11.00 da noite de 12 de abril de 2019, dependendo de se a câmara dos Comuns aprova o acordo de saída em tempo válido. Isto reflete o novo dia e hora a que os tratados deixarão de se aplicar ao Reino Unido à luz da extensão", diz o instrumento, submetido ao Parlamento.
Nesse dia, a primeira-ministra deixou, desde logo, um aviso aos deputados: "A data para a nossa saída já foi alterada a nível internacional, mas se não for aprovada a alteração contida no instrumento legal isso representará confusão legal, embora não vá alterar a data agora reconhecida a nível internacional para o Brexit."
Segundo o direito internacional, devido à concordância da UE, a data do Brexit foi alterada. Mas o instrumento legal era necessário porque, caso contrário, partes da legislação britânica poderiam desvincular-se da UE a 29 de março à noite, mesmo se o Reino Unido continuasse a ser um Estado membro da UE e isso poderia criar uma grande confusão legal.
Depois de, na segunda-feira à noite, terem aprovado a emenda Letwin, para retirar ao governo as rédeas do Brexit, os deputados da Câmara dos Comuns votaram nesta quarta-feira à noite oito opções de votos indicativos.
Apesar de tudo, o resultado não era vinculativo e o governo da primeira-ministra Theresa May, do Partido Conservador, avisara de antemão que não iria implementá-lo ou negociá-lo com a União Europeia. Mas não precisou de chegar a tanto. Todas as opções foram rejeitadas e os deputados demonstraram que não conseguiram uma maioria alternativa ao plano de May.
Numa reação imediata ao resultado, o ministro do Brexit, Stephen Barclay, afirmou no Parlamento que este revelou que não existe qualquer maioria na Câmara dos Comuns e qualquer alternativa ao acordo do Brexit de May. "Se os deputados querem sair com um acordo, então têm de apoiar o acordo de retirada." A oferta de demissão por parte de May pode ser igualmente interpretada como uma tentativa de esvaziar o facto de o Parlamento ter conseguido retirar ao governo as rédeas do processo do Brexit.
Das oito opções de voto vinculativo em que os deputados votaram, de uma só vez, por cruzes, durante 30 minutos, aquela que teve mais votos favoráveis foi a apresentada pela ex-ministra dos Negócios Estrangeiros Margaret Beckett. Esta propõe que o acordo de retirada esteja sujeito a um voto popular de confirmação, ou seja, um segundo referendo precedente à aprovação no Parlamento de qualquer acordo de saída. A opção Beckett teve 268 votos a favor e 295 contra (o acordo de May conseguiu apenas 242 votos favoráveis no Parlamento).
O líder do Labour, Jeremy Corbyn, tinha indicado que apoiaria esta opção, além da sua própria proposta, como é óbvio. E impôs disciplina de voto. Mesmo assim, houve deputados rebeldes trabalhistas a votar contra a proposta de Beckett. A seguir a esta, a mais votada favoravelmente foi a opção Clarke, que propõe emendar a declaração política para ter um acordo entre o Reino Unido e a UE sobre uma união aduaneira. Esta proposta teve 264 a favor e 272 contra.
O speaker da Câmara dos Comuns, John Bercow, indicou que vai autorizar uma segunda ronda de votos indicativos na próxima segunda-feira, dia 1 de abril. Algo que foi contestado por algumas vozes, uma vez que Bercow não permite um terceiro voto no acordo do Brexit de May. O speaker sublinhou que é assim que o processo deve ser, uma vez que foram os próprios deputados que decidiram fazer este processo em duas rondas de votos indicativos.