Em 2016, o La République en Marche (LREM) irrompeu na política francesa em plena crise dos partidos tradicionais, com Emmanuel Macron a vencer as presidenciais no ano seguinte e a conquistar a maioria nas legislativas um ano depois. Nas europeias de 2019, apesar de ter sido segundo a nível nacional, venceu em Paris. As municipais de 15 e 22 de março são o próximo desafio eleitoral, sabendo-se que quem ganha a capital tem sempre a oportunidade de reclamar vitória. Mas divisões no partido (e o escândalo sexual que afastou o candidato preferido do presidente francês, substituído à última hora pela ministra da Saúde) estão a tornar difícil esse cenário. Em Paris, as atenções voltam-se para o velho duelo entre esquerda e direita..A maioria das sondagens colocam na liderança a atual presidente da câmara, a socialista Anne Hidalgo, de 60 anos, que concorre também com o apoio dos comunistas. Mas a conservadora Rachida Dati, ex-ministra da Justiça de Nicolas Sarkozy e candidata d"Os Republicanos, de 54 anos, tem vindo a crescer e até já surgiu à frente numa das pesquisas. E promete dar um novo fôlego aos conservadores, que já não festejam uma vitória na capital francesa desde as eleições de 1995..Nas legislativas de 2017, Os Republicanos só conseguiram eleger três deputados pela capital (ainda assim melhor do que o Partido Socialista francês que não foi além de um), frente aos 12 conseguidos pelo LREM. Por seu lado, enfraquecido a nível nacional, o Partido Socialista francês joga o seu futuro nestas municipais, depois de uma derrota sem precedentes nas presidenciais (Benoît Hamon foi sexto) e de quase ter desaparecido nas legislativas (perdeu 286 lugares no Parlamento)..A nível interno, ambos os partidos estão divididos entre diferentes correntes, procurando sobreviver à hemorragia de quadros que foram atraídos pelo LREM. Além disso, não têm ainda nomes claros para as presidenciais de 2022, centrando a campanha para as municipais nos rostos locais já conhecidos dos eleitores..Alternância de poder.Em Paris, Dati defende uma "alternância" de poder, depois de quase duas décadas de câmara presidida pelos socialistas - Hidalgo foi durante quase 14 anos vice-presidente antes de ser eleita para o cargo máximo. Nos últimos seis anos, a socialista nascida em Espanha apostou num plano verde para a capital, construindo ciclovias e proibindo os carros em zonas do centro da cidade (um plano que quer alargar no próximo mandato). Mas os parisienses ainda não viram os benefícios de tais políticas (número de dias com níveis de ozono elevados triplicou nos primeiros quatro anos de mandato) e sofreram com as obras..Segundo uma sondagem Odoxa, de janeiro, 57% dos dois mil inquiridos estão descontentes com a gestão de Hidalgo, e 63% não desejam a sua reeleição. Para a campanha, a aposta passa pela ideia de criar uma "cidade de 15 minutos". O que é isso? "É uma cidade da proximidade, onde encontramos tudo o que precisamos a menos de 15 minutos de casa. É a condição da transformação ecológica da cidade, melhorando a vida quotidiana dos parisienses", escreveu no Twitter. O objetivo é reduzir a poluição e o stress..Uma das principais queixas dos parisienses passa também pela insegurança, com a criminalidade a aumentar nos primeiros meses de 2019. Neste cenário, o tradicional discurso da direita, de mão firme contra o crime, além da aposta em temas como habitação e políticas que beneficiam as empresas, está a ser bem recebida pelos eleitores. "A minha campanha vai construir-se em torno de quatro eixos: segurança e limpeza, famílias, ecologia, boa governança", disse a ex-ministra da Justiça, que foi também eurodeputada e é desde 2008 presidente de um dos 20 bairros (arrondissements)..A nível de segurança propôs, numa entrevista ao Le Journal du Dimanche, "uma verdadeira reorganização" em Paris, "com uma polícia nacional recentrada nas suas missões (interpelação e investigação), uma polícia municipal armada dedicada à criminalidade do dia-a-dia e uma segurança privada, para vigiar edifícios públicos e locais sensíveis"..As questões ecológicas também fazem parte da proposta de Dati, que critica contudo a política "anticarros" da atual câmara. "Antes de remover os carros, outros meios de mobilidade devem ser fornecidos, como transportes coletivos dignos", referiu..Eleição a duas voltas.Nas municipais de 15 e 22 de março, os eleitores não elegem diretamente os presidentes das câmaras, mas mais de 500 mil conselheiros municipais, que depois elegem os 34 970 maires - sendo que menos de mil cidades têm dez mil habitantes ou mais. Em 2014, a direita conquistou 572 destas câmaras, com a esquerda a ficar apenas com 349. Neste ano, o LREM entra nas contas e o objetivo de ambos os campos é perder o menos possível, sendo Paris o prémio máximo..Na capital, os eleitores são chamados a eleger os conselheiros de cada arrondissement (o número varia com a população), havendo entre estes quem tenha depois lugar no Conselho de Paris. São estes últimos que vão eleger mais tarde a pessoa que será responsável pela câmara da capital francesa. A eleição dos conselheiros decorre a duas voltas, e na segunda, a 22 de março, só podem participar as listas que tiveram pelo menos 10% dos votos na primeira - as listas que tiverem mais de 5% podem juntar-se ou fazer alianças com as que conseguiram passar à segunda volta..Em cada arrondissement, a lista que tiver maioria absoluta na primeira volta ou simples na segunda tem metade dos lugares dos conselhos (sejam do bairro ou de Paris), sendo os restantes lugares repartidos proporcionalmente entre todas as listas que tiveram pelo menos 5% (incluindo a vencedora)..Divisões e escândalo.As municipais, que ocorrem em plena contestação ao projeto de reforma do sistema de pensões, já não tinham começado bem para Macron em Paris. A disputa interna deixou o partido com um candidato oficial, Benjamin Griveaux, e outro dissidente, Cédric Villani. O escândalo a envolver a divulgação de um vídeo sexual de Griveaux, que tinha sido porta-voz do governo, só piorou as coisas, com o presidente a ter de recorrer, à última hora, à sua ministra da Saúde, Agnès Buzyn..Griveaux foi escolhido para ser candidato sem primárias, o que não agradou a Villani, um matemático que em 2017 se estreou como deputado pelo LREM e que é conhecido por usar pregadeiras de aranha. Villani lançou-se na corrida e mesmo depois de ser chamado ao Eliseu por Macron disse que não iria ceder. O resultado é que, apesar de estar longe do topo da sondagem, rouba potenciais eleitores ao LREM, que ainda por cima foi obrigado a mudar de candidato..Griveaux renunciou depois de começarem a circular, nas redes sociais, vídeos em que alegadamente aparece a masturbar-se (nunca se vê o rosto dele). O vídeo foi colocado na internet pelo polémico artista russo Piotr Pavlenski, refugiado em França desde 2017, como forma de denunciar a "hipocrisia" do candidato, casado e pai de três filhos, que alegadamente fazia campanha a defender os valores da família tradicional. As imagens teriam sido enviadas para Alexandra de Taddeo, atual namorada de Pavlenski, que terá trocado vídeos e mensagens com Griveaux na primavera de 2018..A divulgação das imagens, considerada invasão de privacidade, chocou mais do que o próprio conteúdo num país habituado a escândalos sexuais (François Mitterrand tinha uma segunda família, François Hollande teve um caso). Os adversários do candidato saíram em sua defesa e atacaram o artista russo, que foi detido juntamente com a namorada e acusado. A disseminação não consensual de imagens privadas é passível de uma pena de até dois anos de prisão e uma multa de 60 mil euros. Os franceses questionam ainda os verdadeiros motivos por detrás do escândalo..À última hora, Macron chamou a ministra que tinha em mãos dossiês importantes como a epidemia de coronavírus e deixou o ministério em lágrimas. Buzyn, ex-deputada socialista, surge nas primeiras sondagens em terceiro lugar, o mesmo que Griveaux ocupava antes de renunciar, com a mesma percentagem de intenção de votos (17%). Buzyn já esteve reunida com Villani, que "estabeleceu condições para uma eventual convergência" com a ex-ministra, que já obteve o apoio de outro candidato (o ex-conselheiro de Hollande, Gaspard Gantzer, tinha menos de 1% das intenções de voto)..Onda verde?.Depois de terem sido terceiros nas europeias de 2019, Os Verdes (oficialmente Europa Ecologia - Os Verdes) querem tornar-se uma força a nível municipal. E surgem bem colocados nas sondagens de algumas cidades, como Lyon ou Bordéus, tendo o partido apostado em candidatar-se em zonas urbanas e não concorrer em zonas rurais ou cidades mais pequenas..Em Paris, o candidato é David Belliard, que surge com 13% das intenções de voto nas sondagens. A grande dúvida é saber quem poderá apoiar na segunda volta, sendo cobiçado por Hidalgo, mas querendo pôr em marcha uma "coligação pelo clima" que uniria Villani e Danielle Simonet, a candidata da França Insubmissa (esquerda radical)..Poderosa a nível nacional, a extrema-direita da Reunião Nacional (ex-Frente Nacional) costuma ser mais frágil a nível municipal, tendo causado surpresa há seis anos quando ganhou 11 cidades com mais de nove mil habitantes. Para Marine Le Pen, cujo objetivo é preparar terreno para repetir o embate com Macron nas presidenciais de 2022, já seria uma vitória manter as cidades ganhas em 2016 e "ganhar mais uma", mostrando-se confiante em que vai conseguir mais do que isso.