Pandemia reduziu em mais de 27% admissão de doentes por síndrome coronária aguda

Estudo será apresentado esta sexta-feira num encontro promovido pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia, que quer atenção focada nos doentes crónicos e menos listas de espera.
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A pandemia fez reduzir em mais de 27% as admissões de doentes nos hospitais por síndrome coronária aguda e os procedimentos de angioplastia coronária primária, para tratar o enfarte, segundo um estudo que será apresentado na sexta-feira.

Helder Pereira, um dos autores do estudo, em declarações à Lusa, explicou que o trabalho avaliou o impacto da pandemia nas admissões de doentes com síndromes coronárias agudas (SCA) e angioplastia coronária primária (PPCI), intervenção usada para tratar o enfarte, em países que participam da iniciativa global Stent-Save a Life (SSL), entre os quais Portugal.

De acordo com este autor, logo no início da pandemia verificou-se uma redução dos doentes que chegava ao hospital com enfarte do miocárdio, concluindo o trabalho que em quase todos os países analisados houve uma redução de cerca de 27,5% nos doentes admitidos nos hospitais por síndromes coronárias agudas.

O trabalho será apresentado num encontro promovido pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia, numa mesa redonda sobre a gestão do tempo, essencial na assistência a estes doentes.

Apesar de reconhecer que não se consegue identificar exatamente todos os motivos, admite que boa parte destes doentes não tenham ido ao hospital "por medo de serem contaminados" pelo vírus que provoca a covid-19.

"A isso juntou-se também o facto de haver a mensagem para as pessoas ficarem em casa" afirmou o responsável, lembrando que, na altura, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia fez campanhas para informar os doentes de que era seguro ir ao hospital, sobretudo face ao risco que corriam de ficar em casa e atrasar a intervenção médica necessária.

O estudo, que contou com dados de 17 dos países (de vários continentes) que participam na iniciativa internacional Stent-Save a Life, admite que além dos efeitos diretos da covid-19 no sistema cardiovascular, a pandemia também pode ter aumentado a mortalidade, ao atrasar a ida aos hospitais e reduzir os internamentos.

Em declarações à Lusa, Helder Pereira admitiu que os doentes que ficaram em casa podem ter tido maior morbilidade e comorbilidade do que aqueles que foram ao hospital atempadamente e não atrasaram a intervenção médica.

O responsável disse também que os números da atividade assistencial já recuperaram e já voltaram a valores de 2019: "O ano de maior impacto foi 2020, sobretudo inicialmente, foi enorme, e depois, à medida que as pessoas se habituaram ao vírus, a ter menos receio e a perceber que não era bom ficarem em casa, voltaram ao hospital".

O estudo sublinha também a importância de os países envolvidos na iniciativa Stent-Save a Life chamarem a atenção para as necessidades dos pacientes com síndrome coronária aguda e enfarte do miocárdio, desenvolvendo campanhas de sensibilização para que o público reconheça os sintomas e atue rapidamente.

A iniciativa global Stent-Save a Life, promovida em Portugal pela Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular (APIC), pretende consciencializar a população para os sinais e sintomas do enfarte agudo do miocárdio e para a importância do seu diagnóstico atempado e tratamento precoce.

Os dados da APIC indicam que se a angioplastia for feita no intervalo de tempo considerado ideal, as vítimas de enfarte recuperam praticamente sem sequelas, permitindo que tenham uma vida normal.

Dados apresentados no ano passado no Congresso da Sociedade Portuguesa de Cardiologia - que analisaram o impacto da pandemia de covid-19 na Via Verde Coronária - indicavam que as pessoas com sintomas de enfarte pediram ajuda mais tarde em 2020 e que o tempo que levou entre a chamada de emergência e o doente ser assistido no hospital aumentou quase 20 minutos.

A Sociedade Portuguesa de Cardiologia defende uma estratégia combinada para recuperar a atividade assistencial, mas lembra que não há soluções perfeitas e que o importante é focar a atenção nos doentes crónicos e reduzir as listas de espera.

Em declarações à Lusa a propósito do Fórum Equidade e Acessibilidade na era covid-19, que a Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) organiza na sexta-feira no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, o presidente da SPC, Lino Gonçalves, considerou que "tudo está em cima da mesa" e que a estratégia pode envolver a atividade adicional, o trabalho em horas extra, o recurso a acordos com privados, a contratação de mais pessoal e a telesaúde.

O responsável sublinhou igualmente a importância de promover de forma continuada campanhas de literacia em saúde cardiovascular: "A cada ano que passa entra uma nova geração de pessoas não literadas. [As campanhas] têm de ser feitas todos os anos, de uma forma persistente e resiliente, entre profissionais de saúde e meios de comunicação social".

Lino Gonçalves refere que mesmo a pandemia trouxe oportunidades, como o estímulo na telemedicina e na telemonitorização, mas alerta que "nem todos os doentes podem ser acompanhados à distância".

"Alguns centros nacionais já estavam a fazer [telemonitirização] em doentes cardiovasculares, mas a um nível muito baixo. Aprendemos agora, com este estímulo, que estas são tecnologias muito importantes, vão manter-se para o futuro, mas não são para todos os doentes", afirmou.

O especialista considera que a chave será saber selecionar quais os doentes que podem ser seguidos à distância: "Tem de haver seleção (...) porque também existe um segmento da população ainda não literada o suficiente e isso é um fator de assimetria".

"Também há situações cardiovasculares que não podem ser seguidas a distância", acrescentou, sublinhando que cabe "aos profissionais de saúde identificar quem pode ser seguido à distância e quem tem de recorrer às unidades hospitalares".

Depois de passados os momentos críticos da pandemia, "em que os doentes agudos enfrentaram algumas dificuldades para chegar atempadamente aos tratamentos", o presidente da SPC defende que é preciso focar a atenção nos doentes crónicos e em reduzir as listas de espera.

"Chamámos um painel de peritos com muita experiência nestas áreas para nos ajudar a encontrar caminhos para o futuro", afirmou, a propósito do encontro de sexta-feira promovido pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia.

No encontro, diversos especialistas abordarão o impacto da pandemia no tratamento dos doentes com síndrome coronário agudo, a importância da literacia em saúde cardiovascular como ferramenta para o diagnóstico e tratamento atempado e as estratégias a seguir para recuperar as listas de espera no tratamento das doenças cardiovasculares na era pós covid-19.

"É uma ocasião privilegiada para apontar caminhos. É preciso desenvolver estratégias. Pode-se tentar recuperar através de horas extra, mas os profissionais de saúde já estão esgotados. Pode ser pela produção adicional, contratando mais recursos humanos, com acordos com privados... tudo está em cima da mesa", considerou o especialista, lembrando: "Nunca vai existir uma solução perfeita".

O responsável insistiu ainda na importância da literacia: "É absolutamente crítico. Na Europa ocidental e nos EUA já foram feitos estudos e mais de 50% da população tem níveis de literacia em saúde muito baixos. É preciso aumentar. E isso tem de ser feito de forma continuada, não pode ser com uma campanha uma vez por ano".

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