Assim como o comerciante Eurico Santana testou as redes sociais para chegar aos clientes em tempos de pandemia, Ruy Andrade pôs o seu restaurante a servir pequenos-almoços e a apostar na entrega de refeições ao domicílio. Dois exemplos que atestam como a necessidade aguça o engenho..Perante a queda abrupta de visitantes espanhóis a Elvas nos últimos tempos, estimada em cerca de 90% pela autarquia, o setor empresarial tenta reinventar-se, criando serviços que vão mais ao encontro do mercado local. Mas está difícil responder à crise, numa altura em que os prejuízos variam entre 50% e 80%, consoante o ramo de atividade..Ruy Andrade, proprietário do restaurante Acontece, tem as contas detalhadas. Entre 31 de outubro e finais de novembro a sua casa somou uma quebra de 70% de clientes espanhóis. "Recuperámos alguma coisa a partir do princípio de dezembro, porque já se podia passar a fronteira. Os fins de semana até animaram, mas os dias de semana têm sido fraquinhos", revela o empresário, sublinhando como antes da pandemia os vizinhos espanhóis de Badajoz enchiam mesas com dez e 12 pessoas e agora vão aparecendo apenas grupos de quatro ou cinco..O afastamento entre as duas cidades, separadas por pouco mais de dez quilómetros, tem sido uma tendência nestes tempos conturbados. Primeiro foram as fronteiras fechadas entre meados de março e 1 de julho, depois as restrições à circulação entre concelhos, agravadas com o recolher obrigatório. Contrariedades a mais traduzidas num "fardo" pesado para a economia elvense, que, sobretudo em dezembro durante as festas, se habituou a receber "enchentes" espanholas ao longo dos anos, terminando este mês com ruas quase desertas..Na resposta à crise, Ruy Andrade teve duas ideias. Nos dias em que o recolher obrigatório está agendado para as 13h00, o empresário abre as portas ao brunch, enquanto o resto do dia é dedicado à entrega de refeições nas casas dos clientes.."Nunca pensámos em fazer a nossa carta em take away, mas em lugar de fechar o restaurante apostámos neste método e temos tido muita adesão das pessoas de Elvas", garante, congratulando-se com o facto de nos últimos dias já ter recebido encomendas de clientes de Badajoz. "São eles próprios que depois vêm cá buscar a refeição, o que nos parece ser um passo relevante nesta fase tão complicada", acrescenta..Eurico Santana, proprietário da Casa Guadiana - no centro histórico -, nem era adepto das redes sociais como veículo de promoção do seu negócio. Mas no largo período do confinamento viria a mudar o conceito. "Estava em casa sem fazer nada e decidi enviar mensagens aos amigos a apresentar alguns produtos", relata, admitindo ter começado a receber encomendas que o incentivaram a alargar os contactos.."As vendas que fiz não foram nada de especial, mas acabaram por ajudar nesta fase tão complicada", assume o comerciante, que testemunha um verão "fraco" ao nível de espanhóis, admitindo que, num ano dito normal, a cidade deveria estar a ouvir falar "castelhano" em alto em bom som a partir de 26 de dezembro..Mas até agora os vizinhos do lado da raia têm aparecido quase a conta-gotas e com cautelas redobradas, como é o caso de Tereza e Marcus Navarro. O casal proveniente de Cáceres acaba de visitar o castelo de máscara colocada no rosto, revelando que tenciona almoçar por Elvas e regressar a casa em seguida. "Estamos de férias e adoramos Portugal. Vimos com frequência para visitar Lisboa e Cascais, mas não nos sentimos seguros nesta altura para andarmos por aí", assume Tereza..O presidente da Associação Empresarial de Elvas, João Pires, não esconde a preocupação face ao impacto da ausência de espanhóis na cidade, apontando prejuízos que variam entre os 50% e os 80%, do pequeno comércio à restauração. "Os restaurantes até equilibraram um bocado, mas o comércio tradicional está a sentir muitas dificuldades", diz o dirigente, para quem o governo terá de "olhar com atenção para as fronteiras terrestres"..A afirmação de João Pires tem por base, por exemplo, o valor do IVA, que em Espanha é 10% a 15% mais baixo do que em Portugal, ou dos próprios combustíveis, tendo tradução no preço de vários produtos, retirando poder competitivo ao lado português. "O governo tem de analisar como pode ajudar estas pessoas, que aqui têm as suas vidas e os seus negócios", diz, alertando que "Elvas não tem mais ninguém para substituir os clientes espanhóis". Ressalva que num grande centro urbano "quem não vende em Odivelas, vai vender para Almada, mas aqui não temos alternativa, porque não há mais ninguém"..O presidente da câmara, Nuno Mocinha, admite que sem os visitantes espanhóis Elvas perde as habituais dinâmicas empresariais no comércio, na restauração e no turismo. E dá um exemplo: "A nossa restauração é diversificada, porque tem muita procura espanhola. Se fosse só para o mercado interno não justificava termos tantos restaurantes", sublinha o autarca, aplicando a mesma regra ao turismo e ao comércio. "O nosso primeiro cliente é Badajoz", insiste, referindo que a cidade alentejana acaba por ser "duplamente prejudicada" ao perder a relação transfronteiriça, recordando como "também os elvenses gostam de ir a Espanha"..Aliás, os comerciantes espanhóis também se têm queixado da ausência de portugueses, numa altura em que estes já representam cerca 20% da sua faturação, segundo a Confederação das Organizações Empresariais da Província de Badajoz. Os próprios concessionários dos postos de abastecimento dão conta de uma menor afluência de automobilistas portugueses que habitualmente por ali atestam os depósitos, quando antes da pandemia se acumulavam filas de carros aos fins de semana.."Isto é como se de um único território se tratasse", afirma Nuno Mocinha, numa altura em que já está criada a eurocidade entre Badajoz, Elvas e Campo Maior, cujas autarquias vão começar a emitir os primeiros documentos destinados a identificar os cidadãos da designada Eurobec. Com estes títulos os habitantes passam a ter acesso aos serviços dos três municípios, exatamente nas condições de que usufruem os residentes das respetivas localidades..Elvas sofreu um significativo agravamento ao nível da propagação da covid-19 nas últimas semanas, chegando aos 158 casos ativos, num total de 425 registados desde o início da pandemia, o que coloca o concelho em "risco elevado" de contágio na última avaliação feita pela Direção-Geral da Saúde. Já Campo Maior assistiu ontem a uma subida recorde do número de casos positivos, com 12 pessoas infetadas, segundo revelou a autarquia, tendo agora o concelho 17 casos ativos e um total de 96 infetados desde o início da pandemia. Mas onde a covid-19 tem provocado mais vítimas é na capital de distrito. Portalegre lamentou 33 mortes associadas ao novo coronavírus, seguindo-se Marvão com oito e Nisa com cinco. Já a vizinha Extremadura espanhola atinge valores bem mais preocupantes. Só na terça-feira contabilizou 510 novos casos de covid-19. Na região já morreram 1062 pessoas, entre um total de 35 568 infetados.