Quarenta e seis anos de democracia e nove presidenciais depois, as próximas eleições para o Palácio de Belém podem ter, pela primeira vez, uma mulher como a principal challenger ao atual Presidente. Se não parece muito, é muito mais do que aconteceu até hoje - nestas quase cinco décadas bastam e sobram os dedos de uma mão para contar as candidaturas no feminino à Presidência da República. E nunca com o apoio dos grandes partidos..Se Ana Gomes - que anunciou estar em reflexão sobre uma candidatura a Belém no próximo ano - entrar na corrida será a quarta mulher a apresentar-se às urnas numas eleições presidenciais. Das três candidaturas registadas até agora, duas datam das últimas eleições, em 2016..Maria de Lourdes Pintassilgo foi a primeira mulher a apresentar-se a uma corrida presidencial, em 1986. A já então ex-primeira-ministra (a única mulher a liderar um Governo em Portugal até hoje) terminou a primeira volta das presidenciais com 7,38% dos votos, um resultado que ficou aquém das expectativas iniciais, naquelas que foram as eleições para Belém mais polarizadas de sempre e que terminaram, na conclusão da segunda volta, com a vitória de Mário Soares..Cinco anos depois, com Soares recandidato, o PEV apresentou a candidatura de Maria Amélia Santos, mas esta não chegou a ir a votos - viria a desistir a favor de Carlos Carvalhas, candidato do PCP..Soares cumpriu o segundo mandato, Jorge Sampaio foi eleito e reeleito, Cavaco Silva também. É preciso chegar a 2016 para encontrar novamente a candidatura de uma mulher a Belém. Nesse ano não foi uma, foram duas - a ex-ministra da Saúde Maria de Belém Roseira avançou a partir do espaço socialista, mas sem o apoio do partido; a eurodeputada Marisa Matias avançou em nome do Bloco de Esquerda..Maria de Belém Roseira acabaria a corrida eleitoral na quarta posição, com uns dececionantes 4,2% dos votos (196 mil votos), muito atrás de Marisa Matias, que conseguiu chegar aos 10,2%, o melhor resultado de sempre de um candidato do Bloco de Esquerda. E, já agora, o melhor resultado de sempre de uma mulher nas presidenciais..Palácio de Belém: o último bastião onde a paridade não entra.Que fatores explicam este afastamento do sexo feminino em relação àquele que é o mais alto cargo político da nação? Por que razão, em 46 anos de democracia, não há um único exemplo de uma candidatura potencialmente ganhadora protagonizada por uma mulher? António Costa Pinto, investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, lembra que os candidatos que chegaram ao Palácio de Belém se apresentam a eleições já com uma larga experiência executiva (há dois ex-primeiros-ministros, Soares e Cavaco) e de direção partidária (característica comum a todos os chefes de Estado, desde Mário Soares), ou seja, com longuíssimas carreiras políticas. O único que foge a estas características é o general Ramalho Eanes, nos já longínquos primeiros tempos da democracia..Ora, "o nível de profissionalização política é bastante menor nas mulheres", argumenta Costa Pinto. Isso é visível mesmo no caso do poder executivo. Se é indesmentível que as mulheres têm vindo a ganhar peso nos executivos, também é de sublinhar que elas vêm, num número apreciável de casos, de fora da política. O politólogo acredita que esta é uma realidade que tenderá a esbater-se no futuro, à medida que as mulheres vão ganhando peso quer em funções governamentais, quer nas direções partidárias..Um passeio para Marcelo? "O grande desafio dos challengers está na mobilização eleitoral".Nas eleições de janeiro do próximo ano, não restam dúvidas de que o papel principal caberá a Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto o lugar de principal oponente, no quadro de possíveis candidatos que se afigura no presente, poderá caber à socialista Ana Gomes..Mas o que é que isso significa, num contexto de recandidatura do atual inquilino de Belém, e na circunstância de se tratar de um presidente com uma altíssima popularidade, que pode até congregar parte do voto socialista - e que até o primeiro-ministro já dá como reeleito? E Ana Gomes, aliás, também. "Não tenho dúvidas nenhumas de que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa vai recandidatar-se e que ganhará", afirmou a ex-eurodeputada em entrevista ao DN e TSF há pouco mais de dois meses, defendendo então que o PS devia avançar com um candidato próprio. "Do meu ponto de vista o PS deveria ter um candidato que conseguisse federar à esquerda. Reunir todos e pôr na agenda uma discussão que interesse à esquerda", defendeu então..Nas anteriores reeleições, nenhum presidente candidato foi incomodado pelo seus oponentes: Cavaco teve 52,9% dos votos contra 19,7% de Manuel Alegre (apoiado por PS e Bloco de Esquerda); Jorge Sampaio teve 55,7%, contra 34,5% de Ferreira do Amaral (apoiado pelo PSD), Mário Soares (apoiado por PS e PSD) teve 70,3% face aos 14,1% de Basílio Horta (apoiado pelo CDS).."O grande desafio dos challengers está na mobilização eleitoral", diz o politólogo, lembrando as altas taxas de abstenção dos escrutínios em que o presidente se recandidata. Para António Costa Pinto um candidato com o perfil de Ana Gomes - "relativamente marginal em relação ao seu partido de origem", sem aparelho partidário por detrás e numa eleição que é "fortemente personalizada" - apontará para um "plafond que anda à volta dos 10%" . "Seria um bom resultado", antecipa..Há, obviamente, condicionalismos que não estão claros, nomeadamente se Ana Gomes, a avançar, terá ou não a concorrência de Marisa Matias, já que ambas estarão a disputar o espaço à esquerda do PS - embora Costa Pinto sublinhe que o discurso "justicialista" de Ana Gomes lhe dá "transversalidade" no eleitorado, podendo ir buscar votos até mesmo ao espaço da direita. E há ainda que contar com um candidato do PCP..Diferente seria uma frente de esquerda protagonizada por Ana Gomes, diz Costa Pinto, defendendo que uma solução deste género já poderia almejar a resultados na ordem dos 20% - embora pudesse ter também o efeito de concentrar mais o voto da direita em Marcelo. E neste espaço político também falta ainda saber se surge um candidato mais conotado com a direita liberal.