"Conheço o PS desde miúdo. Fui criado no meio da política, é normal que tenha tido gosto em seguir esta área e as coisas foram seguindo naturalmente." Quem o diz é Francisco César, deputado socialista do parlamento regional dos Açores, filho do presidente do PS e líder parlamentar da bancada socialista, Carlos César..O deputado regional encara as críticas aos laços familiares na política de forma tão natural como a existência desses laços. "Seria difícil ser de outro modo, se andamos no meio da política e quem conhecemos é desse meio...", diz e exemplifica: "Conheci a minha mulher na política, o meu pai conheceu a minha mãe na política." Se é uma bênção ou um anátema, ainda não conseguiu definir. "Prejudicado ou beneficiado? Não cheguei até agora a nenhuma conclusão", diz o vice-presidente da bancada socialista regional, que também é presidente de duas comissões parlamentares regionais, de Economia e Assuntos Parlamentares..O facto de o pai ter sido líder do PS-Açores e do governo regional, garante, não teve influência direta no seu percurso político, que começou no "sítio oposto" onde o Carlos César detinha o poder, após três maiorias absolutas na região autónoma. "Eu estava nessa altura em Lisboa, onde militava na JS. Fiz parte do secretariado nacional de Pedro Nuno Santos e Duarte Cordeiro [agora também promovidos no governo]." Só depois regressou aos Açores e fez a sua caminhada até à eleição como deputado regional.."Obviamente que há sempre um anátema. Temos de conviver com isso. Mas ser filho de alguém com valor na política é um orgulho", garante Francisco César, que diz que o que importa é "o trabalho que as pessoas desempenham", independentemente dos seus laços familiares. Sobre Mariana Vieira da Silva, a mais recente figura do PS promovida a ministra, o deputado regional prefere destacar-lhe a competência. "É um dos quadros mais qualificados do PS, foi fundamental para o programa eleitoral do partido, é uma consequência lógica e o reconhecimento do seu trabalho."."Visão paroquial e bafienta da política".O líder do PSD pensa de maneira diferente. Em tom crítico sobre a remodelação do governo, Rui Rio assinalou que pela primeira vez na história de Portugal senta-se marido e mulher, e agora pai e filha, no Conselho de Ministros", referindo-se a Mariana Vieira da Silva, recém-empossada ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, filha do ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, mas também Eduardo Cabrita, atual ministro da Administração Interna, que é casado com a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino. "É a família socialista", disse Rui Rio. Um remoque que Santana Lopes, líder do Aliança, também fez: "É uma remodelação em família."."Não tenho paciência para essa polémica", dispara a deputada socialista Isabel Moreira, também filha de um nome maior da política nacional, o centrista Adriano Moreira. O primeiro impulso é defender a nova ministra. "Maria Vieira da Silva tem o seu percurso cívico e político escrutinável. Estranho seria ela ser afastada, apesar do mérito, por ser filha de quem é.".Isabel Moreira lança uma farpa contra Rio: "A ideia de transmitir que estão sentados à mesa do Conselho de Ministros familiares é uma visão paroquial e bafienta da política. Quem lá está são ministros e ministras.".Tal como Francisco César, a deputada também insiste na ideia de que ter laços familiares na política é "absolutamente normal, quando se cresce em determinado ambiente é comum aderir a esse ambiente". Com ela foi só o ímpeto para a política e não para seguir as pisadas do pai num partido mais à direita, o CDS. "Essa ideia de que há uma ligação nobiliárquica na política é absurda", garante, mas admite que foi influenciada por todo o ambiente que a rodeou durante a sua infância e adolescência..O pai, Adriano Moreira, esteve sempre num quadrante político muito distante da filha. Foi ministro do Ultramar de Salazar e depois do 25 de Abril foi deputado do CDS, partido que liderou entre 1885 e 1988. "Despertei muito cedo para a política, mas foi a estudar aprofundadamente Direito Constitucional e o Estado social que vi que era mais próxima da esquerda.".Os Moreiras, os Mendes e os Portas.Um dos casos mais recentes de parentesco na política é o do independente Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, e Maria João Moreira, a irmã, que acaba de integrar o novo partido de Santana Lopes e que até deverá ser o número dois da lista daquela força às eleições europeias..Irmãos também são Luís Marques Mendes, antigo ministro de Cavaco Silva, líder parlamentar e presidente do PSD, e a deputada social-democrata Clara Marques Mendes..Ou ainda os Portas, que andaram sempre em polos políticos diametralmente opostos. Paulo começou no PSD e acabou a liderar o CDS, partido pelo qual foi deputado e ministro da Defesa e vice-primeiro-ministro. E Miguel, que foi militante do PCP, ajudou a fundar a Plataforma de Esquerda, o Política XXI e que acabou a desaguar no Bloco de Esquerda, partido pelo qual, em 2004, foi eleito eurodeputado..Da família social-democrata saíram também o pai e o filho Mota Pinto. Carlos, o pai, ajudou a fundar o PSD, foi deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República. Nos governos foi ministro do Comércio e Turismo de Mário Soares e primeiro-ministro (1978-79) nomeado pelo então Presidente da República, Ramalho Eanes, e ainda vice-primeiro-ministro e ministro da Defesa do executivo liderado por Francisco Pinto Balsemão. Paulo, o filho, foi juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional e deputado do PSD, tendo integrado uma das vice-presidências do partido durante a liderança de Manuela Ferreira Leite..Ainda na senda de pai e filho, há os D'Oliveira Martins. Guilherme, o pai, foi, entre outras coisas, deputado na bancada do PS e ministro de várias pastas como Educação, Presidência e Finanças e ainda presidente do Tribunal de Contas. O filho, Guilherme W., foi até há bem pouco tempo secretário de Estado do Planeamento e Infraestruturas..Ou ainda os Menezes. Luís Filipe, o pai, médico, foi deputado, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares de Cavaco Silva, presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia e liderou o PSD entre 2007 e 2008. Luís, o filho, foi deputado do PSD. "Não vejo problema nenhum em que pai e filho estejam no mesmo governo, tal como há pais e filhos na mesma empresa", afirma Luís Menezes, e acrescenta: "É normal que as pessoas sigam as atividades dos pais. Há gerações de médicos, outras que estão ligadas à política de uma forma ou de outra.".O antigo deputado do PSD defende que "as pessoas não podem ser beneficiadas nem prejudicadas por serem filhos, tios ou primos de outros políticos", mas admite que "deverá existir um "cuidado maior na interação dos órgãos que essas pessoas tutelam". Insiste que a preocupação deveria passar mais "pela competência e pela idoneidade do que pelos graus de parentesco"..Da sua história pessoal e do que o levou à política, claro que passou pelas histórias partilhadas em casa por Luís Filipe Menezes, o médico que "dedicou a vida à causa pública" e que lhe deu a conhecer "pessoas extraordinárias"..No leque de famílias ilustres na política nacional não poderiam faltar os Soares. Mário desempenhou todos os altos cargos: líder do partido, primeiro-ministro, Presidente da República. O filho, João, seguiu-lhe as pisadas, desde 1973, quando ingressou no partido fundado pelo pai ainda na clandestinidade. Foi deputado socialista em mais do que um mandato e presidente da Câmara de Lisboa. No governo de António Costa chegou a ministro da Cultura, mas num mandato de curta duração..E o nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não teve um pai, Baltazar Leite, que integrou um governo de Marcelo Caetano?