Numa altura em que muito se fala sobre a pandemia fica sempre por saber "o que aconteceu" aos países que antes marcavam a agenda política. O caso mais flagrante é o da Síria. Tantos anos de exposição pelas razões da guerra e pelos trajetos trágicos de quem teve de abandonar a sua casa, a Síria desapareceu do mapa. Desapareceu, em grande medida, porque não há dados para apresentar sobre a crise que domina os nossos dias, porque não há dados sobre testes feitos, porque os dados sobre pessoas contaminadas são mínimos e pouco credíveis, porque até na tragédia que se vive é preciso encaixar nos padrões dominantes..É verdade que a Síria aparenta não ser um caso em relação à covid-19. Foram, teoricamente, identificados 164 casos de pessoas infetadas, houve seis mortes relacionadas com a doença, o que se traduz em nove casos por um milhão de pessoas e 0,3 mortes. Podemos confiar nestes dados?.Não. Seja como for, e para todos os efeitos, é a "irrelevância" destes números que atirou a Síria para longe dos nossos olhos. Sem crise sanitária visível, não há lugar para a crise humana da guerra. Para além das fronteiras, vai-se falando, muito pouco, dos refugiados que estão dispersos por campos sem condições e cuja realidade estamos também longe de imaginar. Mas dentro da Síria a situação agrava-se. Não é terra segura para se regressar, a fome alastra como nunca e a guerra teima em não deixar o povo. O cessar-fogo declarado continua como sempre foi, frágil, a economia colapsa, com a libra síria a desvalorizar 76% nos últimos meses, e os protestos alargam-se a setores da população onde não tinham ainda chegado. Estima-se que neste momento haja mais de metade da população sem comida suficiente, sendo certo que um milhão de pessoas está mesmo com muita fome..O conflito na Síria não terminou, as pessoas não têm melhores condições para viver, há uma parte muito importante da população que foi obrigada a sair, Bashar al-Assad continua a fazer das suas. O que mudou então? Nada mudou. O que mudou foi o prisma. O conflito na Síria deixou de ser um foco de atenção..Se nos perguntarmos se foi só a Síria que desapareceu dos nossos olhos, a resposta também será negativa. Ali mesmo ao lado, a Palestina continua a ser atacada de todas as formas por Israel com o apoio dos Estados Unidos. E este é só um exemplo..O que se está a passar com a Síria é, do ponto de vista da atenção internacional, o mesmo que já se passou com a Palestina já há mais tempo. Mais cedo ou mais tarde, haverá sempre outras crises que virão sobrepor-se às tragédias que estes países vivem e às vidas que não se podem cumprir. O problema maior é que quanto mais os nossos olhos se afastam, mais a tragédia se agrava. E isso não desaparece..Eurodeputada do Bloco de Esquerda