Os novos desafios dos museus: menos visitantes e menos receita

Sem multidões e com muito menos interatividade, os museus e monumentos reabrem na segunda-feira com medidas de segurança rígida e uma nova maneira de se relacionarem com o público. E com muitos problemas financeiros.
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Filas de turistas à espera para entrarem no Mosteiro dos Jerónimos e na Torre de Belém. Visitantes acotovelando-se para fotografar a Mona Lisa, no Museu do Louvre, em Paris. Grupos de estudantes, sentados, em frente de A Ronda da Noite, de Rembrandt, no Rijksmuseum, em Amesterdão. Estas são imagens que seguramente não veremos nos próximos tempos. Os museus e monumentos reabrem esta segunda-feira em Portugal mas sujeitos a regras rígidas ditadas pela Direção Geral de Saúde, sendo a primeira de todas a limitação do número de pessoas que podem estar no espaço: nunca mais de 5 por 100 metros quadrados.

Isto significa uma machadada violenta naquela que tem sido a medida do sucesso para estes espaços onde, todos os anos, se publicam as listas de exposições e museus com mais visitantes como se de uma competição se tratasse em que a medalha de ouro é geralmente entregue ao Louvre (9,6 milhões de visitantes em 2019). E agora?

Agora terá de ser diferente. "Certamente estamos a viver o fim da tirania dos registos de números de visitantes, a favor de uma experiência de museu focada no bem-estar do público", dizia há dias ao El Pais a espanhola María López-Fanjul, conservadora dos Museus Públicos de Berlim.

"Tenho experiências recentes péssimas, de museus de que gostava muito e que hoje em dia é muito difícil visitar por terem multidões", conta Joaquim Caetano, diretor do Museu Nacional de Arte Antiga. "Uma das coisas que eu ouço muitas vezes é que a visita ao nosso museu é muito agradável, não há filas, as pessoas podem desfrutar das obras com calma." Talvez este seja o momento para repensar esta "massificação" da arte, diz.

Menos vistas, menos receitas

O número de visitantes vai diminuir não só por imposição sanitárias mas também porque os museus e os monumentos estão muito dependentes do fluxos turísticos que, neste momento, estão parados. "E também não sabemos se as pessoas quererão vir já", diz Joaquim Caetano.

Existe uma outra face desta moeda. É que mais visitantes equivalem seguramente a mais receita. E menos visitantes significa para muitos espaços a invialibilidade. "Não vai ser possível manter a escala faraónica nestes grandes museus que têm hordas de público", admite Joaquim Caetano, No entanto, o problema é que estes "são estruturas de tal forma pesadas que é muito difícil travar e alterar o seu funcionamento de um dia para o outro. São espaços enormes que estão pensados para funcionarem assim, o número de funcionários, os projetos que têm, tudo foi criado com uma determinada expetativa. Cada dia de encerramento ou cada dia de funcionamento sem ser em pleno é um prejuízo enorme."

O Museu do Prado, em Madrid, por exemplo, registou no ano passado o maior número de visitantes de sempre: 3,2 milhões de pessoas que geraram uma receita com a venda de bilhetes de 22,6 milhões de euros. Segundo os cálculos do próprio museu por cada período de quinze dias de encerramento, durante o confinamento, perde-se cerca de um milhão de euros em receita de bilheteira. Ainda que num nível mais modesto, em Portugal, o fecho forçado durante dois meses levou a uma perda de receitas na Torre de Belém e no Mosteiro dos Jerónimos no valor de 1, 5 milhões de euros.

Como suportar os custos quando as receitas diminuem abruptamente?

"É uma fase que coloca sérias exigências de repensamento e de aprendizagem", considera a diretora do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém. Com menos visitantes, a capacidade de estes espaços gerarem receitas fica também comprometida e esse é um problema real. Mas Dalila Rodrigues vê aqui também uma oportunidade para repensar o modelo de funcionamento: "A procura turística massificada que se viveu no período pré-crise permitia gerar receita muito significativa, mas as práticas de gestão dos monumentos não eram sustentáveis, pois essa receita, ou parte dela, não era reinvestida na conservação dos monumentos e na qualidade da visita. Dito de outra forma, nem tudo estava bem e muito havia a alterar. Teremos de superar esta crise e de não regressar às más práticas."

Cada vez mais virtual

Para além da viabilidade financeira, há muitos outros desafios que surgem neste momento. Por um lado, o reagendamento de exposições. Os museus planeiam geralmente as suas atividades com grande antecedência e esta paragem funciona como um efeito dominó - os museus emprestam umas peças e pedem outras emprestadas, um simples adiamento pode comprometer atividades futuras. Ainda por cima, porque não estamos todos em sintonia: os museus portugueses estão a reabrir, mas outros, como os espanhóis e italianos ainda não.

Por outro lado, se ultimamente se apostou cada vez mais na interatividade e nas atividades paralelas, com a ideia de que é necessário "viver os espaços" e "experienciar a arte", as novas regras sanitárias impõem um distanciamento que contraria todo esse trabalho. É o regresso em força da antiga máxima: "Não mexa". O museu volta a ser só um espaço para ver.

"É verdade que estamos a viver uma crise mundial sem precedentes na nossa era e que provavelmente nada será como antes. Mas não terá que ser necessariamente pior. Devemos encarar esta crise como um momento de suspensão nas nossas vidas, um momento de reflexão, uma oportunidade para podermos corrigir alguns erros do passado e construir um futuro melhor", diz-nos Rita Lougares, a diretora do Museu Berardo, em Lisboa.

Inaugurações, apresentações, espetáculos, encontros que até aqui aconteciam presencialmente terão de acontecer virtualmente. O mesmo com os serviços educativos, considera Joaquim Caetano, que impossibilitados de receber grupos de alunos como até aqui, terão de preparar novos materiais para chegar aos mais novos e aos seus professores.

"Esta viragem para o digital é sem dúvida um processo que não tem retorno e que deve ser explorada pelo Museu, não só como forma de comunicar, mas também como meio para alcançar novos públicos. A atividade do Museu, que até aqui estava muito centrada na presença física e na visita real, passará a ser disponibilizada online, nomeadamente as inaugurações de exposições", diz a diretora do Berardo.

Com vídeos, jogos, fotos, com mais ou menos imaginação, o online foi essencial para todos os museus manterem os laços com a sua comunidade durante o confinamento. Tornou-se mais uma porta de entrada no museu. Uma porta que vai ficar aberta.

"Sem dúvida que o número de visitantes aos museus vai diminuir, pelo menos num futuro imediato, mas temos obrigação de encarar isso como um enorme desafio, como um tempo para nos reinventarmos, para nos aperfeiçoarmos e sobretudo para repensarmos a nossa forma de comunicar e consequentemente a forma como vamos passar a trabalhar", diz Rita Lougares, que, apesar de todos os constrangimentos, mantém um olhar otimista: "Acredito que o museu na sua essência se vai manter como um local privilegiado de conhecimento, de produção de pensamento e de contacto corpóreo com as obras de arte. Porque acredito que não há nada que substitua a emoção e a experiência desse contacto direto".

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