Os mistérios que persistem sobre o coronavírus (e não estão a ajudar nada)
Há muitas incógnitas ainda sobre o novo coronavírus, o SARS-CoV-2, que provoca a covid-19, a nova doença viral que está a progredir rapidamente em várias regiões do mundo e que já tocou também Portugal - depois de inúmeros casos suspeitos sem confirmação, foram confirmados esta segunda-feira, no Porto, os primeiros dois doentes.
Combater mais eficazmente a nova epidemia vai depender de novos conhecimentos sobre o vírus, sobre o qual sobram ainda os mistérios. Os cientistas estão numa corrida contra o tempo para estudar o SARS-CoV-2 e conhecer melhor os contornos da doença que ele provoca. Só isso poderá permitir desenvolver uma vacina e medicamentos eficazes que ajudem a combater a covid-19 e controlar a epidemia, que parece agora caminhar a passos largos para uma situação de pandemia.
Aqui ficam as principais incógnitas sobre o novo coronavírus que está a alastrar no mundo.
Na verdade, não se sabe. O que se sabe é que emergiu em dezembro, na China, num mercado da cidade de Wuhan, onde eram comercializados animais vivos. O coronavírus é zoonótico, ou seja, tem origem num animal, e saltou a barreira de espécies, passando a infetar os seres humanos. Desconhece-se, no entanto, qual é o seu reservatório original, bem como o animal intermediário que facilitou o salto da barreira de espécies.
Os cientistas pensam que o reservatório original do vírus poderão ser morcegos, à semelhança do que aconteceu com o coronavírus que causou a epidemia de SARS, em 2002 e 2003, No entanto, não eram vendidos morcegos no mercado de Wuhan e, por outro lado, não há nenhuma confirmação laboratorial (genética) de que assim seja.
Um estudo realizado por um grupo de investigadores chineses, que comparou sequências genéticas do SARS-cov-2 com o coronavírus residente nos pangolins, apontou o dedo a este mamífero em risco de extinção como sendo o intermediário para a infeção humana. Mas até hoje esses dados não foram confirmados por nenhum outro grupo de investigação.
Por um lado, a informação disponibilizada da equipa chinesa não dizia respeito a todo o genoma do coronavírus (do qual já existe uma versão preliminar), apenas a uma sequência genética específica. Por outro, as comparações feitas por outros grupos em relação a essa pequena sequência genética do SARS-cov-2 e do coronavírus dos pangolins não encontraram coincidências genéticas superiores a 91%.
Para se poder ter a certeza, a coincidência genética teria de ser superior a isso, explica Arinjay Banerjee, investigador em coronavírus da universidade canadiana de McMaster, citado na Nature.
No caso do coronavírus que causou a SARS, refere o mesmo especialista, a coincidência genética com o coronavírus encontrado nas civetas, espécie de gato selvagem que nesse caso facilitou a passagem da barreira de espécies, era de 99,8%.
Nesta frente, as buscas continuam e ainda há mais perguntas do que respostas.
Também aqui há mais perguntas do que respostas definitivas. Já se sabe que doença não é apenas contagiosa depois de surgirem os primeiros sintomas, porque há casos confirmados de contágio por parte doentes ainda em fase assintomática, mas não se sabe se isso ocorre sempre, ou apenas numa parte dos casos.
Tal como acontece noutras doenças respiratórias, os dados disponíveis apontam para que a propagação do vírus se faz através das gotículas de saliva libertadas pela tosse e espirros dos doentes, mas essa parece não ser a única via.
Estudos detetaram a presença de vírus em superfícies e objetos, o que parece indicar que o contágio também se fará pelo contacto com essas superfícies contaminadas. Mesmo não havendo uma certeza, as recomendações sublinham por isso a necessidade da lavagem frequente das mãos.
Desconhece-se também nesta altura se pode haver contágio sexual, ou através das fezes e urina, ou ainda se depois de curada, uma pessoa pode continuar a transmitir a doença, ou pode até voltar a ficar doente. Todas estas questões estão ainda em aberto, e isso não ajuda nada no combate à epidemia.
Ainda há uma grande incerteza sobre isso, sobretudo porque poderemos nesta altura estar ainda a ver apenas o topo da pirâmide, como referem os especialistas. Ou seja, muitos casos de infeção poderão estar a passar despercebidos, por não causarem sintomas graves e não chegarem sequer a ser testados - e confirmados - laboratorialmente.
O maior estudo até agora feito sobre a epidemia, que abrangeu um total de 44.672 casos confirmados e foi realizado pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da China, encontrou uma taxa de mortalidade de 2,3%, correspondente a um total de 1023 mortos, no conjunto dos mais de 44 mil doentes - a taxa de mortalidade da gripe sazonal é inferior a 1% a nível global.
Mas esta é apenas uma média. O mesmo estudo indica que nas pessoas com mais de 80 anos a taxa de mortalidade sobre para 14,8%. A existência de doenças crónicas e de um sistema imunitário comprometido ajudam a explicar esta letalidade maior em faixas etárias mais avançadas.
Ainda de acordo com o mesmo estudo, a esmagadora maioria dos casos (80,9%) não vai além de uma infeção leve, enquanto 13,8% do doentes têm uma infeção grave e 4,7% evoluem para uma situação crítica.
De acordo com a OMS a covid-19 é menos mortal do que a SARS ou a MERS, as outras duas infeções respiratórias agudas conhecidas, causadas por outros coronavírus, que são uma espécie de primos do novo coronavírus. A taxa de mortalidade da SARS era de 10% e a de MERS andava entre entre os 20% e os 40%. Mas, ao contrário do acontece com o novo vírus, que é muito facilmente transmissível, aqueles dois eram menos contagiosos.
Os especialistas acreditam que a taxa de mortalidade da covid-19 ainda ainda pode diminuir, à medida que os números reais da epidemia forem sendo conhecidos.
Não há resposta para esta pergunta. Não se sabe se as crianças têm sobretudo infeções benignas, que têm passado despercebidas, ou se simplesmente são pouco sensíveis ao contágio por este novo coronavírus. Se assim for, é mais um mistério para desvendar.
Nesta altura há várias vacinas experimentais em desenvolvimento, mas os primeiros ensaios clínicos de algumas delas não deverão começar antes de abril. Este será sem dúvida o caminho mais eficaz no combate à doença, uma vez que permite evitar o seu surgimento, mas os especialistas e a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimam que uma vacina para a Covid-19 não estará disponível antes de um ano.
Em algumas destas futuras vacinas, no entanto, os investigadores estão a tentar apressar as coisas, usando procedimentos que permitem andar mais depressa: em vez de se desenvolverem enormes quantidades de vírus (para a vacina), o que levaria mais tempo, o processo passa por usar o mARN (o ARN mensageiro), o material genético que deriva do ADN e contém a informação para a produção de proteínas - neste caso, proteínas do coronavírus.
Este produto é depois injetado no organismo do doente, esperando-se que as células do sistema imunitário se familiarizem com a marca do vírus e desencadeiem uma resposta imunitária quando estiverem perante a sua presença - é esse, afinal, o princípio da vacina.
Até agora, este tipo de vacinas não se mostrou muito eficaz noutros casos. Resta saber se em relação ao novo coronavírus poderá ser diferente.
Não. O tratamento para já disponível é apenas o que ataca os sintomas. Mas está em marcha um enorme esforço para testar medicamentos já aprovados para outras doenças virais, com o propósito de verificar se eles podem ter algum efeito benéfico no tratamento da covid-19. Os medicamentos já aprovados para a prática clínica têm a grande vantagem de não necessitar de passar pela fase morosa dos testes de segurança para uso humano. Se algum dos medicamentos em teste mostrar eficácia, poderá começar a ser utilizado também nestes doentes.
Nesta altura, segundo a Nature, há mais de 80 ensaios clínicos a decorrer na China em relação a potenciais tratamentos da nova pneumonia viral. Em teste estão, nomeadamente, medicamentos usados contra os vírus VIH e ébola. Está também a ser testado um antiviral chamado remdesivir, que foi desenvolvido para combater as infeções por outros dois coronavírus, o que causou a epidemia de SARS em 2002 e 2003, e o que provocou a MERS em 2012, e que mostrou resultados encorajadores no tratamento das infeções causadas por eles.
Os resultados preliminares de alguns destes ensaios clínicos serão conhecidos durante as próximas semanas.
Não se sabe. Outros vírus que causam doenças respiratórias são sazonais, tornando-se menos ativos com a chegada do calor. Mas este é um novo vírus e não se sabe como se comportará em relação a isso.
Esta é outra pergunta ainda sem resposta. Se o vírus veio para ficar, e se se comportar como outros que causam infeções respiratórias sazonais, então este embate com a população humana, por ser o primeiro, tenderá também a ser o mais grave. Isto se, como sucede com os vírus da gripe, por exemplo, a infeção der imunidade aos que foram infetados. Mas também isto é ainda uma incógnita.