"Os indonésios não entendiam a paixão que Portugal tinha por Timor"

Cresceu a ouvir falar de Timor, colónia para onde os opositores a Salazar eram deportados, mas foi como autarca que João Soares se envolveu mais na luta pela independência, apoiando Ramos-Horta no exílio e encontrando-se com Xanana na prisão em Jacarta. Finda a ocupação indonésia, pôs a câmara de Lisboa a financiar a reconstrução do Liceu de Díli e não só. Agora fez a sua sexta viagem ao novo país, para defender a ligação aérea direta da euroAtlantic.
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Visitou o antigo liceu de Díli, que agora é uma faculdade e que inclusive tem uma placa com o seu nome, a relembrar que quando era presidente da Câmara de Lisboa financiou a reconstrução. Mas essa está muito longe de ser a sua primeira ligação a Timor.
Eu conheci pessoalmente um dos muitos republicanos e democratas que estiveram colocados em Timor nos anos 30 e 40, o Carlos Cal Brandão, que escreveu um livro que se chama Funo - Guerra em Timor, sobre a ocupação japonesa e o papel que a maioria dos exilados em Timor tinham tido no combate à operação japonesa, particularmente selvagem e cruel nos anos 40. Timor foi o ponto mais a sul que os japoneses ocuparam durante a II Guerra Mundial, e a partir de Timor conseguiram bombardear duas vezes Darwin. Aliás se for a Darwin verá que há um museu histórico sobre esses tempos.

Conheceu Mário Cal Brandão ainda o senhor era muito jovem?
Sim, conheci os dois Cal Brandão, o Carlos e o Mário. Quem esteve deportado em Timor foi o mais velho, depois de uma daquelas tentativas revolucionárias em que participou. É uma das primeiras, nos anos 30. Ele esteve aqui até à guerra e foi dos poucos portugueses que foram para a montanha, com os australianos e alguns holandeses que tinham vindo de Timor ocidental, resistir à ocupação japonesa. Ao contrário do que aconteceu com a generalidade das autoridades coloniais. Era muita gente, mas que manteve uma política, seguindo as instruções do Salazar em Lisboa, de neutralidade, quando uma parte do território nacional foi ocupada por uma força estrangeira beligerante.

É daí então o seu primeiro grande alerta para Timor?
Não. Toda a minha educação familiar, se quiser até sobretudo a partir do meu avô paterno, tem referências a Timor. Muitos amigos dele foram deportados. O meu avô, por acaso, nunca calhou ser mandado para Timor. Mas foi mais do que uma vez mandado para os Açores.

O seu avô que foi ministro das Colónias na I República?
O meu avô paterno foi também ministro das Colónias, num período muito curto, que aliás era o habitual nos governos da I República. Eu depois até tive oportunidade, quando se começou a falar da ocupação indonésia em Timor, de publicar esse livro do Cal Brandão, que já tinha morrido. O irmão autorizou-me que publicasse o livro, até para relançar um pouco a questão de Timor. Depois, enquanto autarca de Lisboa, ainda antes da prisão do Xanana Gusmão, tomei várias iniciativas. Tomámos várias iniciativas enquanto Câmara Municipal de Lisboa. Já conhecia o Ramos-Horta, que estava exilado desde 1975 e ia muito a Portugal. Tinha lá uma parte da família, uma vez cheguei a ir jantar a casa dele e ele foi muitas vezes a minha casa. Depois, quando comecei a ter lugar no grupo parlamentar do PS, autorizei-o várias vezes a usar o telefone, a facilitar a comunicação, e quando fui autarca criámos ali uma série de espaços dedicados a Timor, nomeadamente um que já fechou, o Espaço por Timor mesmo em frente ao parlamento e que tinha uma pequena biblioteca sobre Timor.

Quando Ramos-Horta , juntamente com o bispo Ximenes Belo, ganhou o Nobel da Paz, ofereceu-lhe um escritório em Lisboa.
Isso é mais tarde, em 1996. Quando ele ganhou não só fizemos uma campanha a homenageá-lo e ao outro co-laureado, o bispo Ximenes Belo, como lhe demos um escritório em Lisboa. E destacámos para esse escritório uma arquiteta da câmara, a Lígia de Jesus, demos-lhe as facilidades todas. Antes tinha de ir ao Espaço por Timor ou ao Parlamento. E a câmara ofereceu-lhe um andar muito simpático na rua de São Lázaro, com todas as condições, e a partir dali ele começou a ter uma logística diferente.

Recordo-me de uma ida sua a Jacarta, visitar Xanana Gusmão, o líder da resistência timorense que tinha sido preso pelos indonésios. Até foi acompanhado por um jornalista do DN, José António Santos. Foi em finais de 1998.

Isso é também quando sou presidente da câmara. Recebo um convite de um socialista holandês, um trabalhista holandês, que era nosso companheiro numa organização europeia de cidades - os holandeses foram os colonizadores da Indonésia, tinham uma relação especial com os indonésios - e ele insistiu muito para que pudesse ir a Jacarta para criar um diálogo.

Com a promessa de visitar Xanana na prisão Cipinang?
Sim, visitei o Xanana em Cipinang. Fui a primeira pessoa que o visitou lá ou quase. Fui o primeiro português, de certeza. Antes de mim só Nelson Mandela. O Xanana tinha sido visitado por ele, ou melhor, eles tinham-no levado ao hotel onde estava o presidente Mandela quando veio à Indonésia. Os indonésios levaram-no. Mas eu vim visitá-lo à cadeia de Cipinang. Essa foi uma viagem bem interessante, com muitos percalços e o seu colega José António Santos, do Diário de Notícias, acompanhou-me.

Foi uma viagem combinada com a diplomacia portuguesa? Tinha certamente uma sensibilidade muito grande, dado o contexto da época. Não tínhamos relações diplomáticas com a Indonésia.
Eu preveni o então primeiro-ministro António Guterres e o ministro dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama de que tinha recebido o convite e ia aceitar, e não recebi da parte deles nenhuma espécie de objeção.

Mas impôs condições aos indonésios?
A única condição que pus aos indonésios que apareceram em Roterdão através do meu amigo trabalhista era que eu ia convidado por uma ONG, que não tivesse nada que ver com o Estado indonésio e de preferência ligado aos timorenses - e havia várias ONG que tinham estatuto semi-legal ou completamente ilegal na Indonésia - e tinha de ter a garantia que teria uma visita pelo tempo que eu quisesse com o Xanana na prisão de Cipinang. E de facto aconteceu. Eles tiveram de esperar dois dias pois o Ali Alatas, que era um tipo muito qualificado, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, estava numa reunião da ASEAN e fazia questão que eu falasse primeiro com ele antes de ir a Cipinang. Fui à entrevista com o Ali Alatas e saímos dali para a prisão de Cipinang.

Nessa altura, no seu íntimo, vislumbrava a hipótese de haver um desenvolvimento que levasse à independência de Timor?
A mim sempre me pareceu óbvio que tinha de haver ali uma solução. Não se podia prolongar a ocupação. Aliás, achei que aquilo era um sinal significativo de alguma abertura em relação a Portugal na Indonésia. Há aí um papel que tem de ser destacado com uma palavra de gratidão - porque isso não foi reconhecido na altura - para o que o Governo de Guterres e muito especialmente Jaime Gama conseguiu com as Nações Unidas. Na altura foram muito criticados, o Guterres e o Gama, por terem aceitado a ideia de se realizar um referendo em Timor.

Porque se achou que não era óbvio que fosse para a independência, até porque podia não ser livre.
O referendo desde que fosse livre, era fundamental. Se os timorenses não quisessem a independência, se a decisão fosse feita num quadro de liberdade, aí também a questão estava resolvida.

Mas os indonésios acreditavam que iam ganhar, não era?
Isso é outra coisa. Também temos de ver com o que na altura era politicamente correto e a informação era pouca. A Indonésia era o único país do mundo com o qual Portugal não tinha relação diplomática, era uma espécie de Estado hostil. Nós todos tínhamos alergia à Indonésia sem a conhecer. A maioria das pessoas em Portugal tinha a ideia de que a Indonésia tirava um lucro imenso da ocupação de Timor, quando hoje, por razões históricas, é entendível a razão de a Indonésia ter acabado por ocupar. Portugal também não esteve à altura das circunstâncias.

Está a falar do contexto da Guerra Fria, quando a América dá luz verde à invasão indonésia em finais de 1975 por temer mais um país comunista na região, logo a seguir à reunificação do Vietname?
Não, estou a falar do contexto da descolonização, que correu particularmente mal em Timor. Alguns militares portugueses puxaram por movimentos. Em vez de se ter encontrado uma forma de equilíbrio - aliás, aconteceu nas outras colónias, e os processos de descolonização são sempre trágicos, há uns piores do que outros. Aqui a presença militar era reduzidíssima. Era o general Lemos Pires o último governador de Timor, que depois quando perdeu o controlo da situação em Díli retirou para Ataúro. O meu comandante de quando fiz a recruta em Mafra era tenente paraquedista nessa altura e também foi para o Ataúro. O último território timorense que teve a bandeira nacional a flutuar foi ali no ilhéu de Ataúro.

Quando se dá o referendo em 1999 e a independência ganha com quase 80% dos votos, para si a situação estava resolvida ou a reação de violência dos militares indonésios era previsível...
Recusar o resultado era altamente constrangedor para haver qualquer veleidade indonésia, não tenha a menor dúvida. Aliás, nessa altura eu já tinha estado na Indonésia, falei com o Alatas e com o Habibie, que era o novo presidente e que teve ali um papel importante.

É o presidente que sucede pouco antes ao general Suharto, o presidente que tinha ordenado a invasão em 1975.
Sim, e era um tipo tecnocrata, formado pelos alemães, era engenheiro, era um técnico, não era alguém de matriz ditatorial militar. Na altura em que estive na Indonésia, passei três ou quatro dias em Jacarta, uma cidade gigantesca e muito caótica, com o apoio da embaixada do Brasil. O embaixador do Brasil foi inexcedível. Mal cheguei a Jacarta, foi ter comigo e disse que no que precisasse poderia usar a embaixada do Brasil como se fosse a embaixada de Portugal.

Isso foi naquela viagem para ida à prisão de Cipinang?
Sim. E antes da ida à prisão fizemos um almoço com o Mário Carrascalão, que já estava assumidamente, embora encapotadamente, com a resistência. Ofereceram-me no hotel um primeiro jantar logo no dia em que cheguei, com o José António Santos e com a Patrícia Teixeira que trabalhava comigo na câmara, com aquele homem timorense que depois foi embaixador da Indonésia em Lisboa, que falava muito bem português [Francisco Lopes da Cruz] e até levaram um grupo folclórico a Jacarta, com coisas portuguesas e tal, uns viras e um malhão, aquelas coisas, uma mistura de trajes...

O referendo foi em agosto de 1999, a independência em maio de 2002. Quando veio a Timor?
Vim logo depois, a seguir às destruições.

Ainda antes da independência?
Penso que sim. Houve ali um compasso de espera até à declaração formal da independência. Vim aqui para escolher como ajudar, quando se gerou uma grande solidariedade com Timor em Portugal, de Norte a Sul e com todas as forças políticas, as câmaras, etc. Eu já estava à frente da Câmara e nós também decidimos apoiar Timor, mas definimos logo balizas, porque também se desperdiçou muita ajuda, toda a gente quis deixar uma marquinha e tal... António Guterres nomeou o padre Vítor Melícias como comissário, entretanto apareceu nomeado pela ONU o embaixador brasileiro Sérgio Vieira de Melo, que também conheci em Lisboa e depois aqui quando cá vim pela primeira vez. Todos queriam a ajuda da Câmara de Lisboa e falei com Xanana, com Ramos-Horta e dissemos logo que fazíamos algo. A minha proposta era que se fizesse uma aposta duradoura e de efeito multiplicador, ou na área da saúde ou na educação. E fizemos, seguramente, a obra maior que foi feita por portugueses depois do período colonial - também, verdade seja dita, antes os portugueses não deixaram grande obra em quase 500 anos de período colonial. Fizemos a reconstrução do liceu de Díli, onde a maior parte dos quadros da primeira geração de líderes tinha estudado.

O liceu foi queimado pelos indonésios durante a retirada e ficou totalmente destruído. Vimos algumas fotos lá expostas...
Os indonésios fizeram uma destruição sistemática, foi no fundo a expressão da raiva e da surpresa, para eles. E que eu entendo, do ponto de vista psicológico. Como disse há pouco: eles não retiraram daqui dinheiro, eles meteram muito dinheiro aqui, fizeram algumas obras também. E sobretudo pagaram para manter as pessoas calmas. Criaram esquemas de educação também para promover o bahasa. Combateram ferozmente todos os membros armados que estavam nas montanhas, a resistir, mas de uma forma geral tentaram envolver a população. E para isso pagaram. Eles tiveram raiva porque devem ter feito as contas a seguir. A minha convicção é que estavam convencidos que ganhavam, que as pessoas não iam votar pela independência, o que é um bocado absurdo... os indonésios não entendiam a paixão que Portugal tinha por Timor-Leste, que era uma coisa que estava para além de todas as medidas e é uma coisa que define como nós somos como povo. E não eram só os indonésios que não percebiam. Nós apaixonámo-nos por Timor... a maioria das pessoas nem sabia bem onde é que era.

Era consensual nos partidos políticos?
Em todos, nos partidos políticos, na sociedade portuguesa, na classe baixa, na média, na classe alta. É a coisa mais consensual que conheci na sociedade portuguesa, que atravessava todas as camadas. Acho que nós, como povo, sublimámos os gostos e desgostos da colonização e da descolonização nesta paixão por Timor, uma espécie de banho lustral que nos limpou de algumas coisas muito fortes. Foi uma coisa desproporcionada. Eu lembro-me, até já como autarca, de ir a várias reuniões internacionais, nomeadamente uma a que Jorge Sampaio de mandou-me em Kuala Lumpur, em que houve um encontro prévio dos europeus com asiáticos. Aquilo era uma reunião sobre espaços verdes e os portugueses queriam falar de Timor e falaram de Timor e os outros indignaram-se mas nós - estava lá com o Laplaine Guimarães, responsável pelas Relações Internacionais da Câmara - dissemos que todos os pretextos eram bons para falar de Timor, que era uma questão de direitos humanos, um ponto de honra. E isto pouco antes do massacre de Santa Cruz. A maioria dos europeus ficaram indignados comigo, e havia um coordenador, um italiano, homem de esquerda, que ia fazer uma intervenção geral em nome dos europeus e depois falaríamos por ordem alfabética só sobre espaços verdes. E eu disse que aceitaria se ele na apresentação falasse da questão de Timor e ele lá fez um discurso em que parecia um bispo do Vaticano, e disse que havia questões de direitos humanos, mas não disse nada. E a coisa foi de escacha-pessegueiro. Os franceses ficaram fulos comigo. Foi um tipo da Indonésia que agradeceu por ter posto a questão dos direitos humanos. E passados 15 dias ou um mês deu-se o massacre de Santa Cruz, que foi um ponto de viragem muito importante, graças à reportagem que o Max Stahl fez , e isso foi decisivo para a opinião pública mundial . Depois recebi cartas daquela malta toda europeia a dizer-me que compreendia, agora, porque eu tinha sido tão teimoso com o assunto de Timor.

Visitou o liceu, que agora é uma faculdade, e não só está bem conservado como está a ser vivido...
É a Escola Superior de Educação, forma os professores. Fica-me mal dizer... eu dirigi a obra a partir de Lisboa e vim cá duas vezes, mas não fui eu que a dirigi de facto, foi o Luís Pascoal, um grande amigo meu que já morreu e que era arqueólogo. Ele fez muitas coisas comigo para a Câmara e também a obra do liceu. Quando começaram a aparecer ideias para a reconstrução, ele próprio me contactou para saber quando faríamos uma obra em Timor. Houve outro homem que teve um papel importante, foi ministro do governo de transição timorense, o padre Filomeno Jacob, educado em Oxford. Tentei revê-lo agora.

Emocionou-o ver a biblioteca, para a qual Lisboa doou 26 mil livros?
Claro. E também ver o edifício a funcionar. Aquilo era um dos maiores edifícios coloniais portugueses, que tem o nome de Francisco Machado, que era o administrador do Banco Nacional Ultramarino. É um edifício para Díli com uma dimensão a que só seria superior a do Palácio do Governo. Agora já há edifícios maiores.

Houve uma outra reconstrução paga pela Câmara de Lisboa, não houve?
Num período posterior, ainda eu estava na câmara, acordámos com Xanana, já como presidente, fazer a recuperação do antigo Palácio do Governador, na meia encosta, já à saída de Díli. Deixámos o projeto feito, com o arquiteto José Laplaine Guimarães, irmão do Laplaine da câmara, mas depois foi executado já no tempo de Santana Lopes.

Esta vinda a Timor tem que ver com o seu apoio às ligações aéreas diretas Lisboa-Díli, neste caso pela euroAtlantic, que desde o início da pandemia fez cinco voos a Timor, tanto de repatriamento como trazendo vacinas doadas por Portugal. Mesmo com toda esta distância (ou por isso mesmo) Portugal e Timor mereciam ter uma ligação direta?
Parece-me óbvio que em termos de relacionamento entre Portugal e Timor esta ligação deve existir e é excelente. Fui desafiado, dado o meu interesse por Timor, a fazer esta viagem meteórica, mas encantadora, com o maior dos confortos. Das cinco vezes que cá tinha vindo, só tinha vindo fazendo três ou quatro escalas. Ainda fiz as primeiras escalas via Darwin, porque a ligação só se fazia com um aviãozinho muito pequenino australiano que nos trazia para Díli. Agora faz-se em 22 horas, com uma escala no Dubai. Meramente técnica.

Também se encontrou com vários dirigentes timorenses, como o primeiro-ministro , Taur Matan Ruak, o presidente do Parlamento, Francisco Guterres, ou o ex-primeiro-ministro Mari Alkatiri. Mostraram-se recetivos a apoiar a ligação?
Falámos com as pessoas que eu conhecia e achei que podiam ser úteis a esta causa. Eu não tenho nada que ver nem nunca terei nada que ver com negócios. O que fiz aqui, modestamente, foi tentar ser útil a esta causa de termos uma ligação aérea consistente. Temos todos a ganhar com isso e a cooperação portuguesa também. Temos aqui centenas de pessoas, a fluência do português tem melhorado, a Escola Portuguesa de Díli, que visitámos também, tem feito um trabalho absolutamente notável, a Fundação Oriente também. Uma das chaves da coroa da Fundação Oriente é este Hotel Timor em que estamos a conversar...

Dessas conversas com políticos, que incluíram também o Nobel da Paz Ramos-Horta, que foi presidente e primeiro-ministro, está otimista em relação ao futuro de Timor?
Nunca estive pessimista. Timor conseguiu impor tranquilamente, sem grandes convulsões, um quadro democrático genuíno, sem grandes problemas. Não há violação dos direitos humanos, os processos eleitorais têm sido transparentes. Já houve várias transições democráticas e alternância democrática.

A democracia tem funcionado?
No essencial tem funcionado bem desde o início, desde o próprio referendo. O que significa que apesar das dificuldades de desenvolvimento há aqui uma base interessante de aceitação do princípio democrático. Agora é fácil ver aspetos que podiam estar melhor e não estão. Mas nós portugueses não podemos estar com a pretensão de dar lições. Eles hoje dispõem de recursos materiais muito significativos, adotaram um modelo para a gestão dos recursos de que dispõem de petróleo e gás natural, do Timor-Gap, que é um modelo muito interessante, porque há muitos exemplos em que a descoberta de recursos naturais resultaram em muita tragédia, como na Nigéria e outros países. Eles adotaram o modelo norueguês e tem resultado mas é preciso melhorar outras coisas, que têm que ver com questões básicas, de sociedade. O país tem mais de um milhão de habitantes, e mesmo Díli cresceu muito.

A Igreja Católica teve um papel muito importante tanto na identidade de Timor como na resistência.
A Igreja teve um papel muito importante e a afirmação de Timor-Leste como um país maioritariamente católico foi importante para afirmar essa identidade. Não esquecer que a Indonésia é o maior país muçulmano do mundo, e a componente católica de Timor-Leste é marcante, a tal ponto que Bin Laden, depois do 11 de Setembro, destacou a perda de Timor. Felizmente não teve condições para fazer atentados.

20 de maio de 2022, 20 anos da independência. Está nos seus planos estar cá nas cerimónias?
Não faço planos, mas está sempre tudo em aberto. É sempre um gosto estar aqui, tenho cá muita gente amiga, é um país encantador. Ainda falta ir a Oecussi.

Foi o primeiro ponto que os portugueses colonizaram no século XVI.

Foi o primeiro ponto onde tocámos terra. Há muitos anos tivemos uma receção em Washington, na Biblioteca do Congresso, que é uma das melhores bibliotecas do mundo, e uma das coisas que estava lá como peça preciosa era um mapa que provava que os portugueses, que tinham chegado a Timor, também tinham sido os primeiros a ter tocado na Austrália, dois séculos antes do capitão Cook.

leonidio.ferreira@dn.pt
O DN viajou a convite da euroAtlantic

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