"Os indecisos são a caixa negra das sondagens"
O voto declarado pode ser o mesmo, a percentagem de indecisos pode até ser igual, os critérios para a distribuição de quem ainda não sabe em quem votar é que podem divergir. E isso faz diferença? Almeida Ribeiro, responsável da Aximage, explica que "as sondagens dizem-nos com razoável certeza qual é a intenção de 90% dos eleitores, mas não nos dizem, com o mesmo grau de certeza, a intenção dos 10% de votantes que chamamos normalmente de indecisos. E estes 10% são, realmente, o fator da vitória ou da derrota numa eleição".
"Acresce a este fenómeno que estes 10% dos eleitores, sobre cujas intenções de voto as sondagens não nos dão real informação, decidem praticamente em cima da eleição, do momento do voto. E essa decisão tardia é que é impossível de apanhar numa sondagem, nem mesmo nas sondagens diárias que refletem a opinião do dia anterior ou dos dias anteriores", afirma.
Contas feitas, "estamos a falar de 500 mil eleitores, um pouco mais até, que decidem quem tem e quem não tem maioria absoluta". E nestas eleições legislativas, diz Almeida Ribeiro, "o Partido Socialista agregou 400 mil destes 500 mil indecisos".
Ricardo Reis, diretor do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica, revela ter ficado com "a perceção, o receio, de que esses 500 mil se abstivessem por causa do medo da pandemia. Até porque há outra perceção, a de que que são mais idosos e menos escolarizados".
Se são os indecisos o fator decisivo e imprevisível, é na sua "distribuição" que a possibilidade de "equívoco" acontece?
Luís Paixão Martins, especialista em comunicação, que liderou a estratégia de campanha eleitoral do PS, e que não ficou "surpreendido com a maioria absoluta", considerou, ontem, em declarações à CNN Portugal, que a "subjetividade" da "leitura técnica" pode criar cenários diferentes.
Almeida Ribeiro, por seu lado, fala do que considera ser "a caixa negra das sondagens". Ou seja, "sabemos que ainda não têm uma intenção definida de voto, ainda não decidiram. Mas também sabemos, quando lhes perguntamos, que vão decidir mais tarde, o mais tarde possível. O que é que se costuma fazer? Distribuir estes indecisos. E agora aqui, para simplificar, temos a caixa negra das sondagens porque há vários métodos de distribuição de indecisos. E há muitas perguntas de controle para saber quais as características sociológicas, comportamentais, etc., mas por definição não podemos ter a certeza do que vão fazer", explica.
Ricardo Reis acrescenta outra "caixa negra que são os os abstencionistas, são duas caixas negras que nós temos muita dificuldade em analisar. Os indecisos têm direito a ser indecisos, nós o que fazemos com os indecisos é tratá-los como indecisos. A abstenção é que é pior, a abstenção não fala connosco".
Para explicar essa diferença nas leituras, Luís Paixão Martins recorre a duas sondagens, uma interna do Partido Socialista e outra do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica (CESOP). "Os votos declarados nas duas eram de 29%", mas na distribuição a "da Católica deu 37%" ao PS enquanto a interna apontava para "os 39,2%". O que aconteceu? "A diferença é que a Católica criou um critério mais otimista na distribuição de indecisos para o PSD do que a interna [do PS]." E até contou que numa nota interna, enviada à sua equipa, disse a gozar que "talvez a Católica tenha mais fé no PSD".
Ricardo Reis explica que "geralmente temos [o CESOP] em conta o comportamento do eleitorado que diz que tem certeza de voto e não do eleitorado todo de forma homogénea. E portanto, a correção que nós fazemos vai ponderar mais fortemente aqueles que já decidiram votar. Até por outro motivo: é que aquilo que estamos a fazer não é uma projeção de resultados, é uma situação atual. E portanto, se as pessoas estão indecisas, muito indecisas, nós vamos considerá-las como indecisas e não vamos replicar a sua decisão na projeção de voto. Se fizer a projeção dá-lhe algo que até pode ser mais próximo do resultado final da eleição, mas não era o que nós estávamos a fazer naquela altura."
"Ele [Luís Paixão Martins] estava a tentar antecipar o resultado do dia 30, nós estávamos a tentar tirar a temperatura ao dia 20, o que é uma coisa diferente. O que fazemos não é o boletim meteorológico, não estamos a dizer o tempo que vai fazer no dia as eleições. Estamos a dizer o tempo que faz hoje e o tempo que faz hoje a dez dias, por exemplo, das eleições pode mudar", esclarece.
DestaquedestaqueA maioria absoluta de António Costa foi conseguida com mais 380 mil votos do que os obtidos em 2019. Quase tantos como os votos perdidos por BE e PCP.
Almeida Ribeiro, responsável da Aximage, considera que "seria melhor manter os indecisos na gaveta dos indecisos e evidenciar a incerteza (...) que o correto é apresentar-se sempre os dois resultados: com distribuição e sem distribuição. É mais prudente, mais sensato".
"Mas também compreendo o seguinte: os leitores não são especialistas de sondagens e portanto quem publica as sondagens tem sempre interesse nessa distribuição porque acrescenta informação, facilita a vida dos leitores", acrescenta.
Há vários métodos para distribuir indecisos, mas regra geral, explica, "é uma distribuição proporcional ponderada por questões técnicas, questões sobre direita e esquerda, escolaridade, se é ou não votante regular, sexo, idade... são perguntas deste género. E depois há a forma aritmética da distribuição proporcional assente na presunção de que o comportamento deles [dos indecisos] segue mais ou menos o comportamento detetado na restante maioria".
Só que desta vez foi diferente porque "este problema dos indecisos só é especialmente relevante em eleições em que os dois possíveis vencedores estão próximos. Quando não estão próximos a questão não é relevante. E neste caso estiveram. Esta aproximação foi decisiva na dinâmica das campanhas: modificaram a sua comunicação e isso teve consequências", considera Almeida Ribeiro.
Ricardo Reis, frisa, por seu lado, que "esta maioria foi construída nos últimos dias de campanha, mobilizando pessoas que estavam indecisas na altura em que nós fizemos a sondagem. Lembre-se que nas últimas sondagens a inquirição acabou dia 24, dia 25. E entre 25 e 30, há cinco dias que são o suficiente para mobilizar eleitorado. Neste caso todo mobilizado para o mesmo lado porque se refere a populações com características demográficas e sociais que tendencialmente votam à esquerda e com o voto útil votaram no PS".
"Sabemos historicamente que 20% das pessoas tomam a decisão na última semana. No dia 23, no dia do voto antecipado, a sondagem à boca da urna que nós fizemos deu-nos resultados que não têm nada que ver com os resultados de domingo passado. Nas pessoas que foram votar no dia 23, o PSD estava à frente. Mas claro que isso não é relevante porque depois esses votos diluem-se nos outros. O que conta é o conjunto dos dois. Mas deu-nos a indicação de que a decisão de quem votou no PS foi tomada muito mais tarde. E isso explica estas diferenças", afirma o diretor do CESOP.
DestaquedestaqueO PSD ficou na mesma. Os 41 mil votos que teve a mais em relação a 2019 estão muito longe do que as novas direitas obtiveram: 385 mil votos no Chega e 268 mil na Iniciativa Liberal.
Luís Paixão Martins assegurou, na CNN Portugal, que a questão central, a de uma maioria, sempre esteve presente. "O PS não mudou de objetivos, mudou de semântica", diz, e recorda que a primeira vez que António Costa falou dessa intenção foi muito antes da campanha, numa entrevista dada em São Bento, onde referiu a expressão "uma maioria de 50% mais um", que depois foi reformulando para "maioria robusta", "maioria para governar".
Almeida Ribeiro tem a certeza de que os partidos ficaram "sem dúvida surpreendidos" com o resultado e "por várias razões", pelo menos cinco. "A hipótese de uma maioria absoluta aos 41% é quase só aritmética, uma hipótese académica. É preciso que se verifique um vasto conjunto de condições... e todas se verificaram: é preciso que a distância entre os dois principais partidos seja muito grande, é preciso que os pequenos, os que disputam o mesmo eleitorado do PS, percam uma parte substancial dos votos, é preciso que haja uma fragmentação do voto na direita, é preciso que não haja uma coligação e é preciso que haja mais votantes. Ora, tudo isto aconteceu."
Ideia diferente tem o homem que liderou a estratégia de campanha eleitoral dos socialistas, sublinhando uma sondagem da GFK que, a 20 de janeiro, dava o PS com 39,2% mas com possibilidade de chegar aos 42,4% e que colocava o PSD nos 32,6% com hipóteses de cair para os 29,1%. Conclusão? Nas restantes sondagens, "a leitura feita a partir da subjetividade da distribuição" foi sempre colocando "Costa mais longe da maioria absoluta que pediu" e "criada a ideia de que havia uma quebra de intenções de voto no PS".
A tese não é partilhada nem por Almeida Ribeiro nem por Ricardo Reis.
O responsável da Aximage lembra que "houve uma mudança na dinâmica da campanha e em ambos os partidos. Num dos casos, no PS, essa mudança foi percetível na comunicação e na orientação dos discursos para a sua base natural de apoiantes. E foi muito mais eficaz que a mudança que houve na campanha do PSD, uma certa soberba quanto à hipótese de vitória".
Ricardo Reis acrescenta a perceção de que a "maioria dos indecisos estava à esquerda, na direita praticamente não havia indecisos". Faltava perceber para que esquerda: se PS, PCP ou BE. "Mas isso é um exercício para comentadores, a nós cabe-nos tirar a temperatura do momento", afirma.