Em islandês chama-se Um Destroço no Mar, em português foi lançado com o título O Silêncio do Mar e agora foi reeditado como Lisboa Reykjavik - O Silêncio do Mar. Muda o título mas o suspense mantém-se, bem como a viagem marítima entre as duas cidades e a morte de toda a tripulação. A autora, Yrsa Sigurdardóttir, é considerada um dos nomes mais importantes do policial nórdico e não escolheu a capital portuguesa por acaso: "Escrevi a cena de abertura logo após o regresso de uma viagem a Lisboa. Onde descobri que a atmosfera da cidade era o oposto perfeito da atmosfera da Islândia na época.".Além do mau tempo, a Islândia vivia o crash em grande força. "Tivemos o problema da crise bancária e tudo parecia cinzento e sombrio em Reykjavík, e, como Lisboa estava brilhante e viva, achei essa justaposição importante para o que estava para vir. Quanto mais o iate se afastava de Lisboa e se aproximava de Reykjavík, mais ameaçadora se torna a história.".A história de Lisboa Reykjavík - O Silêncio do Mar inspira-se num outro naufrágio, o do navio Mary Celeste, em 1872. Hoje já não existem histórias que ficam sem explicação, mas mesmo assim Yrsa Sigurdardóttir quis fazer uma versão moderna do mistério do Mary Celeste: "Hoje existem várias tecnologias para resolver crimes, mas ainda existem mistérios não resolvidos e continuará a haver enquanto houver áreas de natureza selvagem. Talvez no futuro tenhamos mistérios não resolvidos no espaço. Naves espaciais desaparecidas e tripulações mortas. Algo sobre o que eu adoraria escrever um dia. Sou fascinada por tudo o que é assustador e estranho e ficaria triste se tais mistérios desaparecessem para sempre.".Começa o segundo capítulo a dizer que em Lisboa estava frio mas nada de comparável ao da Islândia, e afirma que "AEgir sentia que tinha nascido no lugar errado". É uma frase inocente, ou também gostava de viver em Lisboa? Essa frase é, ao mesmo tempo, inocente e carregada de significado. Escrevi esse capítulo depois de uma visita a Lisboa e fiquei bastante impressionada com a cidade. Gostei muito da luminosidade e do calor, assim como do que me pareceu um estilo de vida muito descontraído. Sei que o que se vê como visitante é muito menos complexo do que realmente é viver num determinado lugar, mas, ainda assim, gostei muito do que vi e consegui imaginar-me a morar lá, se as minhas circunstâncias fossem diferentes. O que geralmente mantém os islandeses na Islândia são os laços familiares, e esse é o meu caso também. Não consigo imaginar-me a morar longe da minha família e dos meus amigos próximos. Mas pode sonhar-se com isso..O argumento do romance tem muito que ver com a última grande crise financeira. A realidade inspirou-a, ou encaixava na história que queria contar? Costumo escrever os meus romances num cenário que é real no momento em que os escrevo. Quando escrevi este romance, a crise financeira era uma parte tão grande de tudo que tinha de fazer parte da história. No entanto, não queria situá-lo dentro de um banco ou que o enredo se desenrolasse em torno do crime financeiro em si. Eu só queria escrever sobre o efeito que demasiado dinheiro e a ganância têm nas pessoas comuns..Usa a maldição do navio Mary Celeste também como justificação para o que acontece. O leitor gosta do surreal? Alguns gostam, outros não. Eu gosto de pensar que existem coisas que nós nunca entenderemos. Mas também gosto de mudar as minhas histórias regularmente, pelo que a série que terminei agora não tem nada de surreal. É uma série muito urbana e terra-a-terra, mas bastante sombria. Nela, explorei várias coisas que considero erradas na sociedade islandesa, dando-lhes uma matriz assassina. Entre os assuntos que abordei estão o bullying, a maternidade de substituição, o nepotismo, etc. Foi divertido enquanto durou e agora estou prestes a começar de novo e a escrever uma história independente de semiterror, bem como um livro infantil humorístico. O que virá depois disso, ainda não sei..Coloca uma família dentro do iate. É o melhor truque para fazer que os leitores se identifiquem com uma tragédia? Na verdade, não sei. Tento sempre escrever um livro que eu gostaria de ler e adoro as personagens em isolamento, ou seja, em situações em que a rede de segurança em que todos confiamos de tempos a tempos foi removida. Traz à tona o lado visceral das personagens e dá mais oportunidade ao leitor de saber exatamente o que elas são..Teve de fazer alguma investigação específica sobre a navegação? Fiz muita pesquisa. Infelizmente, já não havia iates na Islândia, pois foram todos levados pelos credores para serem vendidos em leilão. Então, em vez de entrar num iate para ver como era, embarquei num barco de pesca bastante grande e fiz um curso intensivo em tecnologia de navegação e comunicação a bordo de navios..Este livro contém um plano de suspense muito elaborado. Foi difícil combinar todos esses elementos? Não, na verdade, não. Enredos complexos são o meu forte. Acho muito fácil construí-los, embora isso não aconteça de uma só vez. Encontro um tema e uma situação que acho interessantes e penso muito em como torná-los ainda mais interessantes. Escrever é mais fácil do que viver a vida. Na história que escrevemos controlamos tudo, o clima, o que as pessoas dizem, quem as pessoas conhecem e assim por diante. Enquanto na vida real controlamos muito pouco do que acontece à nossa volta. No entanto, o principal ao escrever é garantir que nada pareça surgir do nada, ou seja, que as coincidências não sejam forçadas. É preciso preparar o terreno para o que acontecerá mais tarde. Pode fazer-se que a estação espacial internacional caia do céu em cima da cabeça de alguém, mas é necessário garantir que isso seja uma coisa que pareça uma continuação lógica de outra coisa que estava a acontecer anteriormente - possivelmente através de uma história paralela de um funcionário da sala de controlo da NASA, por exemplo..São muitos os autores deste género publicados em Portugal. A literatura do seu país não se resume ao policial, pois não? Não, de maneira nenhuma. Mas os romances policiais são os livros de ficção mais populares aqui. Além do crime, temos muitos romances islandeses que são boa literatura, livros infantis, poesia e autobiografias, mesmo o romance apocalíptico ocasional e romances para jovens adultos. Mas muito, muito poucos livros de ficção científica, se é que há alguns..O boom do romance policial nórdico já atingiu o seu ponto máximo, ou ainda há novos leitores interessados? Acho que ainda está muito forte, embora os leitores tenham percebido que, só porque um escritor policial é dos países nórdicos, isso não significa automaticamente que ele ou ela sejam um escritor policial fantástico. Assim, os bons continuarão à tona e os não tão bons afundar-se-ão lentamente..A sua carreira literária começou com livros para crianças. O romance policial é mais motivador para um autor? Escrever para crianças e escrever para adultos é, de muitas maneiras, semelhante e, de outras formas, muito diferente. Todas as histórias para qualquer faixa etária precisam dos mesmos fundamentos básicos, incluindo personagens, cenário, enredo, estilo de escrita e ritmo adequados. A diferença está no conteúdo, ou seja, sobre o que se pode escrever e na caracterização das personagens adultas. Ao escrever para adultos, não é preciso preocuparmo-nos em dizer coisas inapropriadas para as crianças. Ao escrever para crianças, é preciso garantir que os adultos do livro sejam muito exagerados, sem ocupar muito espaço. As crianças não querem muitos adultos nos seus livros. Eles podem estar lá, são supermaus ou muito estúpidos, por exemplo. Então, depois de escrever cinco livros para crianças, tive um grande desejo de escrever para um público mais maduro. Agora, no entanto, estou a escrever um novo livro infantil, além do romance de crime/terror para adultos que estou prestes a começar também..Dizem que os seus livros são a resposta islandesa a Stieg Larsson. O que acha disto? Não tenho certeza do que penso sobre isso. No entanto, sei que escrevo de maneira muito diferente de Stieg Larsson e que nunca tentaria copiar nenhum outro escritor. Isso não funciona. Ou se escreve com a sua própria voz ou mais vale desistir de escrever de todo..Esta reedição do livro em Portugal tem um novo título: Lisboa Reykjaví k. Preferia Brakið (Um Destroço no Mar), ou a adaptação do título não a incomoda? Não me incomoda nada. Acho que é um título muito inteligente, porque é realmente o que o livro segue linearmente, ou seja, a viagem do iate de Lisboa para Reykjavík. Além disso, quando os meus livros são traduzidos, raramente traduzem o título literalmente. Brakið, por exemplo, em islandês refere-se a destroços de um navio encontrados a flutuar no oceano após um naufrágio. O Silêncio do Mar é uma citação da Bíblia, se bem me lembro, e não tem nada que ver com destroços de naufrágios. Portanto, depende do idioma em cada caso e do que a editora estrangeira acredita que melhor descreve ou exibe o conteúdo do livro, juntamente com a capa, claro. As capas também são muito diferentes entre os países..Lisboa Reykjavik - O Silêncio do Mar.Yrsa Sigurdardóttir.Editora Quetzal.448 páginas