"Estou aqui para falar sobre a necessidade de reafirmar o princípio fundamental de uma Europa inteira e livre. Isso é respeitar fronteiras invioláveis; é não haver esferas de influência; e é o direito soberano de cada nação escolher as suas próprias alianças. A Europa não é apenas o berço dos nossos aliados mais próximos. A Europa, todos vós, é a pedra angular do envolvimento dos Estados Unidos no resto do mundo. São parceiros da América não só em último recurso, mas também em primeiro recurso quando surgem desafios na Europa e noutras partes do mundo." O discurso foi proferido numa das últimas visitas do vice-presidente Joe Biden à Europa, na Conferência de Segurança de Munique, em 2015, mas não deixaria ninguém espantado se o agora presidente norte-americano repetisse algumas das ideias durante a visita de uma semana, iniciada ontem, ao velho continente. É que pelo meio houve um presidente que festejou o Brexit, criticou os aliados e atacou as instituições internacionais, pelo que os parceiros europeus esperam palavras reconfortantes.."Os EUA estão de volta!", anunciou Biden ontem aos soldados da Força Aérea estacionados na base inglesa de Mildenhall. A questão é saber se os discursos, por muito inspiradores e francos que sejam, chegam para mudar o curso das relações entre as duas margens do Atlântico. Biden sempre se mostrou um europeísta, mas a sua vice-presidência coincidiu com uma mudança de paradigma em Washington, quando o país se virou para a Ásia, ou, como diz agora, para o Indo-Pacífico..O restabelecimento dos laços quase rompidos com os aliados e parceiros é uma das oito prioridades da administração Biden, tal como foi apresentada pelo secretário de Estado Antony Blinken. Porém, os europeus estão no mesmo patamar que os restantes países parceiros. E as prioridades de topo dos EUA passam pelo combate à pandemia, pela recuperação económica global, por combater as alterações climáticas e por enfrentar a China..Citaçãocitacao"Iremos concentrar-nos em assegurar que as democracias de mercado, e não a China ou outro país, escrevam as regras do século XXI sobre o comércio e a tecnologia. E continuaremos a visar o objetivo de uma Europa inteira, livre e em paz.".Para o conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan, Biden chega à Europa numa "posição de força", alicerçada no progresso dos Estados Unidos na luta contra a pandemia, no crescimento económico projetado, que irá contribuir para a recuperação mundial, e "um poder e um propósito americanos renovados". É difícil de pintar a ideia de uma "posição de força" quando na política interna, Biden embate numa parede republicana (e por vezes no senador democrata Joe Manchin) quando os democratas tentam passar legislação, seja para renovar as infraestruturas, para proteger o direito de voto, ou para a igualdade salarial entre géneros..A imagem do país entre os europeus, por outro lado, ainda está longe de ser positiva. No estudo realizado em 12 países, Portugal incluído, para o European Council on Foreign Relations (ECFR), só num país é que a imagem das instituições políticas dos EUA retrocedeu em relação a novembro do ano passado. Ainda assim, em oito dos 12 países os cidadãos têm uma imagem negativa do sistema político norte-americano. Essa desconfiança reflete-se na opinião sobre como o bloco deve relacionar-se com os Estados Unidos..Em termos globais entre os inquiridos da dúzia de países, só 21% vê o país liderado por Joe Biden como um aliado; para 44% é um parceiro, e para 12% um rival. Os portugueses são quem mais vê os norte-americanos como parceiros (55%)..Boris Johnson Relações bilaterais, clima e Irlanda do Norte fazem parte dos temas a tratar hoje com o primeiro-ministro britânico em St. Ives, Cornualha..G7 Na cimeira dos países mais industrializados, Biden vai defender apoio aos países mais pobres para a vacinação e recuperação económica, e deve manter encontros bilaterais com outros líderes..Rainha No domingo, ruma até Windsor para se tornar no 12.º presidente dos EUA em funções a reunir-se com a rainha Isabel II..NATO e Erdogan Em Bruxelas, na cimeira da Aliança Atlântica, Biden irá reafirmar o compromisso com os aliados, mas também manter uma conversa que se adivinha tensa com o presidente turco..UE Na primeira cimeira UE-EUA desde 2014 estarão na ordem do dia as disputas comerciais e a regulamentação da tecnologia..Vladimir Putin Com o líder russo, em Genebra, só se espera que concordem em discordar em quase todos os temas..A viagem à Europa de Joe Biden é vista pelo próprio e pela sua equipa como uma jornada de afirmação da democracia. O próprio assinou um texto no Washington Post, no qual Biden levanta "a questão determinante do nosso tempo": "Poderão as alianças e instituições democráticas que tanto moldaram o século passado provar a sua capacidade contra as ameaças e adversários dos nossos dias?", à qual responde: "Acredito que a resposta é sim. E esta semana, na Europa, temos a oportunidade de o provar.".Citaçãocitacao"O presidente Putin sabe que não hesitarei em responder a futuras atividades nocivas. Quando nos encontrarmos, irei sublinhar de novo o empenho dos EUA, da Europa e das democracias congéneres em defendermos os direitos humanos e a dignidade." .No G7, na cimeira com a União Europeia ou na cimeira da NATO, Biden deverá citar os êxitos da sua administração no combate à pandemia, graças ao programa de vacinação, e a retoma económica, como provas da resiliência da democracia dos EUA. "O que as democracias têm de provar é que ainda podemos cumprir e cumprir de forma a que as pessoas o sintam nas suas vidas", disse Mike Donilon, um conselheiro de Biden, ao Wall Street Journal..Os assessores e próximos de Joe Biden dizem ao jornal nova-iorquino que o presidente foi influenciado pelo livro How Democracies Die, dos professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, o qual adverte que as democracias enfrentam maior perigo através de um constante enfraquecimento das instituições do que por um golpe, e que acredita que os bons resultados de um governo são a mais poderosa arma para acabar com o extremismo e as tentações autoritárias, dentro e fora de portas.."Não haverá dúvidas sobre a determinação dos Estados Unidos em defender os nossos valores democráticos, que não podemos separar dos nossos interesses", escreveu no Washington Post sobre o encontro que irá ter com o homólogo russo, no qual o cardápio passa por muitas questões litigiosas, incluindo as incursões da Rússia na Ucrânia, o envenenamento e prisão de Alexei Navalny, a interferência nas eleições, e os ataques cibernéticos ao software SolarWinds, ao oleoduto Colonial Pipeline e à empresa distribuidora de carne JBS..Ao New York Times alguns observadores europeus receiam que as forças desencadeadas pela tomada do poder pelo ex-presidente Donald Trump de um Partido Republicano cada vez mais radicalizado possam facilmente recuperar o poder, não apenas através das eleições intercalares de 2022 e as presidenciais de 2024, mas também, e em grande parte, através de meios antidemocráticos. Daí que, como escreve o NYT, os funcionários europeus "notam que o controlo de Trump sobre o seu partido não está a enfraquecer"."Eles viram o estado do Partido Republicano", disse Barry Pavel, vice-presidente do Atlantic Council. "Eles viram o 6 de janeiro [invasão do Capitólio]. Sabem que em 2024 poderá existir outro presidente"..Enquanto isso, Biden sabe que os discursos não chegam e que tem de passar das palavras aos atos. Ontem, o Washington Post avançou que a administração norte-americana vai comprar 500 milhões de doses de vacinas da Pfizer/BioNTech para distribuir noutros países. Não resolve o problema (num momento em que os EUA têm milhões de vacinas da J&J em risco de passarem do prazo), mas aponta um caminho no combate à pandemia..A primeira viagem ao estrangeiro da vice-presidente começou com um contratempo, com o avião a aterrar pouco depois da partida, e acabou com críticas da oposição por não ter ainda ido visitar a fronteira com o México..Kamala Harris deslocou-se à Guatemala e ao México, onde se reuniu com os presidentes Alejandro Giammatei e López Obrador, respetivamente. Levou consigo uma mensagem "de esperança" com o objetivo de enfrentar as causas que levam à migração naqueles países e nas Honduras e El Salvador, embora tenha reconhecido que é um problema que vai levar tempo a combater. Pelo meio, a vice de Biden pediu para os guatemaltecos não irem para o seu país..cesar.avo@dn.pt