Esta semana, ao ouvir o enésimo circunspecto e seríssimo banqueiro e o décimo milionésimo proativo e dinâmico bancário numa comissão parlamentar sobre mais um problema num banco que nos levou, e vai levar, mais uma vez, uma forte talhada do que pagamos em impostos, notei que nenhum falava castelhano. Aliás, não me recordo de ter contribuído diretamente para pagar buracos em bancos a operar em Portugal cavados por capitalistas espanhóis. Têm sido bem portugueses aqueles a quem tem sido repassado o dinheiro dos meus impostos. Sou sensível ao argumento de que os bancos portugueses conhecem melhor as necessidades dos empresários portugueses e que, provavelmente, um banco gerido por espanhóis preferiria financiar empresas espanholas a portuguesas. Aceitemos que um banco de capital espanhol prefere emprestar dinheiro para um mau projeto espanhol do que para um bom português. Em frente. Felizmente, ainda não perdi a memória toda. Lembro-me da forma como os nossos (quer dizer, portugueses como nós) banqueiros, administradores e diretores de topo trataram de apoiar algumas empresas portuguesas. Recordo o extremo cuidado na análise dos investimentos apresentados por homens de negócios seríssimos e espertíssimos. O aguçadíssimo espírito de iniciativa juntava-se a uma sagacidade tal na análise das necessidade de financiamento dos projetos que resultou tudo em buracos tão espetaculares, que já se tornou rotina abrir uma página de jornal e ler que o empresário fulano de tal ou o homem de negócios sicrano deve umas centenas de milhões de euros aos bancos. Deve é uma maneira de dizer. Até pode dever mas já se sabe que não vai pagar. Porque, ou o banco não exigiu garantias ou as que exigiu eram incapazes de tapar minimamente o possível fracasso. Ou então foi uma daquelas operações geniais que foram moda durante muito tempo. As que eram referidas com ar gozão por alguns importantíssimos empresários da nossa praça como pagar com o "pelo do cão": o banco emprestava e a garantia eram as ações da empresa que se comprava ou um esquema parecido. Se corresse bem o empresário ganhava, se corresse mal o banco perdia; mas o empresário não perdia um tostão. Entretanto, alguma coisinha se tirava da empresa para pagar o tempo que se perdeu. O forrobodó que foram os negócios imobiliários, por exemplo, dava para milhares de livros. Terrenos que eram comprados por um fundo de investimento à segunda-feira por 100 e eram vendidos a um banco na terça por 1000 era rotina. Prédios vendidos a preços que já se sabia serem impossíveis de rentabilizar. Durante muito tempo um conjunto de empresários - e custa-me chamar-lhes empresários porque estou, sem querer, a ofender os que de facto o são - habituaram-se a olhar para os bancos como um lugar onde iam buscar dinheiro que não tencionavam devolver, com quem faziam negócios em que toda a gente ganhava. Ganhavam esses homens de negócios e ganhavam os gestores (banqueiros e bancários) que através dumas artimanhas mostravam lucros que lhes davam prémios de gestão gigantes, salários principescos e ótimas distribuições de dividendos. Não preciso, com absoluta certeza, de lembrar ao leitor quem é que perdeu. Quem pagou e pagará. É, aliás, muito interessante verificar como os fantásticos gestores bancários, nomeadamente os que tiveram os problemas maiores e mais visíveis e os que gerem bancos com balanços muito complicados, lidam com tudo isto. É vê-los a dar entrevistas como se nada tivessem que ver com o assunto, fazendo análises muito sofisticadas. Claro está que, nas palavras deles, em nada contribuíram para deixar o nosso sistema financeiro no estado em que está. E não esqueçamos o belíssimo banco público. Essa entidade, garante da independência financeira portuguesa, que patrocinou guerras pelo controle de bancos - o BCP é o mais conhecido caso -, que serviu para pagar favores aos amigos políticos do poder que estivesse no governo, e cujos gestores fizeram exatamente as mesmas poucas vergonhas, com a agravante de aos desmandos de gestão se juntarem os miseráveis jogos políticos. A diferença é só que não o faziam diretamente com o dinheiro dos contribuintes - seria tão interessante uma auditoria a sério às atividades da Caixa nestas últimas décadas. Deixemo-nos de conversas. É verdade que Carlos Costa tem sido um excelente exemplo de um mau supervisor e que já há demasiados indícios de incompetência no seu mandato, que as instâncias europeias olham para Portugal como um ratinho da índia - excelente para as mais mirabolantes experiências com a vantagem de que, se algo correr mal, nada de especialmente mau acontecerá ao sistema financeiro europeu. Que a crise internacional deixou os nossos bancos muito debilitados, que devido à endémica carência de capital no nosso país os bancos sempre foram politicamente forçados a injetar dinheiro à força na economia. Mas nada disso pode servir para branquear os verdadeiros crimes que demasiados banqueiros e bancários cometeram.