Há mais de 20 anos que Sara Nunes, de 44, não assistia a uma aula. A convite da professora de Português da filha, Lúcia Vaz Pedro, voltou a fazê-lo nesta sexta-feira, na Escola Secundária Inês de Castro (ESIC). Estrategicamente sentada ao lado de um dos alunos que mais perturba as aulas, avaliou o comportamento da turma e, ao mesmo tempo, descobriu que o ensino está bastante diferente do que era na sua juventude. "Portaram-se bem porque estavam aqui adultos. A presença dos pais intimida, mas deu para perceber quais são os malcomportados", diz ao DN..A aula começou com a leitura de um poema, escrito pela professora, ao som de música clássica. Apagaram-se as luzes e fez-se silêncio. "Foi muito revelador para mim. Percebi que a música os relaxa", salienta Sara Nunes. Seguiu-se a interpretação do texto e um exercício. Cada um tinha de falar sobre a sua "montanha mágica" - o objetivo que queria atingir. Quando Lúcia leu os textos (anónimos), Sara emocionou-se. "É muito interessante a forma como se exprimem, os desabafos", sublinha. Sentado no lado oposto da sala, o marido, Carlos Batista, 50 anos, também ficou impressionado com a forma como a aula se revelou "dinâmica e extremamente motivadora"..Sara e Carlos saíram mais cedo do trabalho para poderem assistir à aula da filha, Maria João, do 7.º E. Responderam ao desafio da professora de Português, que há cerca de um mês começou a convidar os encarregados de educação para estarem presentes nas suas aulas, como forma de os "envolver no processo de ensino-aprendizagem, de modo a articularem estratégias de combate ao insucesso e em especial à indisciplina". Habituada a dar aulas ao ensino secundário, Lúcia Vaz Pedro "deparou-se com a dificuldade de ensinar e manter a turma em silêncio" quando agarrou as turmas do 7.º ano. "Pensei fazer algo diferente. Como não tenho nada a esconder, decidi começar por convidar a presidente da associação de pais para assistir à aula", conta ao DN. .Alexandra Martins acolheu de bom grado a ideia: "Achei ótimo. É um projeto muito interessante, porque se nota que os alunos se portam de maneira diferente quando os pais estão presentes. Ficam mais calmos e concentrados, o que faz que assimilem melhor a matéria." Por outro lado, lamenta a presidente da Associação de Pais, "há encarregados de educação interessados, mas são poucos. Geralmente, é muito difícil envolverem-se nos assuntos da escola"..Como a experiência correu bem, Lúcia Vaz Pedro decidiu convocar os pais dos alunos mais problemáticos, aos quais dava uma ficha de observação da aula para registarem críticas e sugestões. "A sua participação contribui para um melhor funcionamento das aulas e ajuda a identificar aspetos a resolver, nomeadamente no que diz respeito ao aluno perturbador", refere. Posteriormente, estendeu o convite a todos os encarregados de educação, ou a outros familiares, nomeadamente avós, que possam estar interessados. Desta forma, sublinha, cria-se uma "comunidade aprendente", uma vez que os adultos também estão a adquirir conhecimentos.Mas será esta uma solução para manter a longo prazo? "Por mim, a porta está aberta até ao final do ano. Não tenho nada a esconder", diz a professora.."Foi fantástico".É assim que Maria João, filha de Sara e Carlos, avalia a presença dos pais na aula. "O comportamento melhorou. Normalmente, há alunos que desestabilizam, gritam, fazem muita coisa errada. Hoje portaram-se melhor. E deu para os meus pais conhecerem os meus novos colegas", diz ao DN. Já Guilherme Nunes, aluno do 7.º C, conta que a diferença no comportamento é visível mesmo antes de a aula começar. "Mal os pais entram, ficam logo quietos. Se calhar também têm medo, por isso é que se portam melhor." Outra coisa que altera as aulas é, segundo o adolescente, a poesia: "Acalma-nos, ficamos mais atentos. E gostamos de nos expressar através da poesia, porque é mais fácil.".Lúcia Vaz Pedro, que também é escritora, confirma: "Há um certo deslumbramento em relação à poesia, que é uma alavanca para os motivar para a escrita. A poesia é revolução, pode levar-nos a muitos caminhos." Não raras vezes, conta, até lhe pedem que leia poemas nos intervalos. "É fantástico", frisa. Entre outras vantagens, a poesia é um meio "de ensinar os alunos a ler o mundo, a respeitar-se a si mesmo e aos outros; saber agir eticamente, sendo consciente da obrigação de responder pelas próprias ações", e permite "promover a escrita como forma de reflexão, desenvolver o pensamento reflexivo, crítico e criativo".."Eles sentem-se mais valorizados".Paula Cunha, mãe de Afonso, do 7.º F, aproveitou o facto de estar de folga para assistir à aula de Português do filho. "É uma mais-valia. Eles sentem-se mais valorizados. Acho que se sentem mais seguros, mais capazes. Ficaram todos contentes", afirma a também representante dos pais, que lamenta o facto de muitos encarregados de educação "descarregarem os filhos na escola e irem-se embora". Já Cátia Rodrigues, mãe da Lara, está a gozar a licença de maternidade e decidiu levar o bebé consigo. "A aula foi muito interessante, tanto para nós como para eles. Não me lembro de ter aulas assim. Até o bebé ficou mais tranquilo com a música.".Em ambas as turmas - 7.º E e 7.º F - os alunos terminaram a aula a reconhecer que se tinham comportado bastante melhor na presença de encarregados de educação, o que também contribuiu para melhorar a aprendizagem..Nem todas as escolas estão abertas à participação dos pais desta forma, mas para Arlindo Ferreira, diretor da ESIC, a iniciativa "é positiva e é mais uma forma de trazer os pais à escola, o que muitas vezes é difícil de conseguir". "Queremos remar para o sucesso dos alunos e para a sua formação integral", conclui.