Afonso Mendonça Reis acredita que a escola só pode melhorar quando pais, alunos, professores e governo se juntarem para fazer dela um sítio melhor. Por isso decidiu fundar as Mentes Empreendedoras, um programa dirigido a jovens do ensino secundário que desenvolva a liderança, a autonomia e o talento. Em 2015 chegaram ao ensino básico com o programa Inspira o Teu Professor. Mas isso só não chegava. Então Afonso, empreendedor da educação, professor universitário, promoveu em Portugal a atribuição do Global Teacher Prize, que, desde o ano passado, elege um professor que se distinga pelo trabalho inovador feito na sua escola..No momento em que se lança a segunda edição deste prémio, falámos com Afonso Mendonça Reis sobre professores, alunos, pais, governos e legislação. E ficámos a perceber melhor porque é que é tão importante discutir educação em Portugal. O que queremos da escola, o que queremos dos alunos quando forem adultos, o que podemos estar a perder quando focamos a atenção apenas numa parte do enorme mundo que é a escola..Numa entrevista em 2013 dizia que queria que a escola fosse cool e que ser professor fosse uma profissão sexy. Em cinco anos conseguiu alguma dessas coisas?.Acho que estamos a evoluir bastante. Quando começou o Inspira o Teu Professor, em 2015, abrimos este caminho de pôr as pessoas a pensar e acho que as pessoas responderam bem ao desafio e gostaram da ideia de pensar na educação - foi o que nos levou também ao Global Teacher Prize. O que é que eu vejo apenas e só com uma edição do Global Teacher Prize? Vemos, pelo Jorge Teixeira [professor vencedor da edição do ano passado], que a sociedade estava preparada para responder a este desafio - vemos isso nos parceiros e vemos que, quando o Jorge ganha o prémio, ele de repente é chamado a estar numa quantidade de coisas onde os professores não costumavam estar..Por exemplo?.A quantidade de vezes que o chamaram para debates, para ser padrinho das 7 Maravilhas, para alguns debates sobre educação para que ele foi chamado mais vezes... O que nós sentimos é que mesmo do lado institucional, público e não só, da educação há uma identificação imediata do prémio e do Jorge. A esse nível estamos gratos como sociedade civil, ou seja, tanto do ministério como do Parlamento, do Conselho Nacional de Educação, dos municípios, toda a gente disse: "Sim. Isto tem de ser.".Em 2015, os alunos e os professores dentro da escola começaram a pensar mais na educação e, com o Global Teacher Prize, vemos do lado do público, do lado dos meios de comunicação, do lado das empresas, que a educação é um tema que merece investimento e que é algo que preocupa as pessoas. Tanto que nós, quando falamos com os nossos parceiros, dizemos a brincar que acabamos por falar mais com a mãe ou com o pai que está do lado de lá do que propriamente com a função ou com a empresa..A educação é um tema que interessa a toda a gente, mas por vezes temos a sensação de que o que chega através da comunicação social é algo muito centrado nas reivindicações sindicais, nas questões laborais, nas greves dos professores. E, depois, parece que há todo um submundo, uma coisa a funcionar e que não sai cá para fora, mas existe, certo?.Ela existe. Acho que há aqui também uma mensagem muito importante, que é a partilha de conhecimento. Ou seja, perguntavam várias vezes ao Jorge Teixeira em entrevistas: "Então o que é que acha que devia mudar na educação portuguesa?" E ele, muito certeiro, dizia: "Acho que os professores deviam partilhar mais o que fazem." Por alguma razão, sentem-se menos à vontade ou menos encorajados para o fazer e eu acho que com o prémio acabámos por fazê-lo. Em primeiro lugar, porque os próprios têm de candidatar-se e partilhar o que fazem, e nós damos continuidade a isso, dentro do que conseguimos. E no fim, de facto, começa a saber-se que existe muita coisa..Temos muitos professores, na sua escola, no seu espaço, a dar cartas, a fazer bom trabalho, tendo com certeza a noção de que, se calhar, o que funciona em Ovar não tem de funcionar em Chaves. Mas há muito trabalho bom a acontecer e eu acho que com o prémio temos visto isso, tanto que, no ano passado, na primeira edição, tivemos candidaturas praticamente de todo o país - só não tivemos do distrito de Bragança e de Portalegre, o que neste ano esperamos superar -, e temos candidatos fortes de todo o lado. Obviamente que dos distritos de Lisboa e do Porto foi de onde vieram mais candidaturas, mas vieram, por exemplo, dos Açores, e não foi só de Ponta Delgada, nem foi só de São Miguel, mesmo da Madeira, não foi só do Funchal, portanto há qualidade em muitos pontos diferentes do país. Um dos desafios que sentimos na discussão com os nossos parceiros, tanto públicos como privados, é que este prémio é um ativo a que há que continuar a dar lastro. Mesmo os finalistas que tivemos no ano passado estão muito envolvidos, muito entusiasmados, participam nas coisas, partilham o que sabem, e eu acho que este caminho vai reforçar-se..No fundo, é o caminho para tentar criar quase uma comunidade?.Eu diria que sim..O passa-a-palavra e passa a experiência vai funcionar? É isso que está a acontecer?.Acho que estas coisas são sempre processos. Eu trabalhei num modelo em que vivíamos muito mais de processos e processos de vários anos. Penso que isso provavelmente vai acontecer e o objetivo é esse, agora é um caminho que só se faz fazendo. Ou seja, temos de ver, na prática, como é que isto funciona para os professores, porque o que nós temos feito com o Inspira o Teu Professor é organizarmos unconferences. Na última tivemos, por exemplo, 50 professores que escolheram os temas que lhes interessavam; depois escolhemos também professores que iam partilhar; e depois tivemos também o momento de se conhecerem uns aos outros e momentos de cocriação. Acho que isto é para se fazer cada vez mais..Quando acontecem esses encontros, quais são realmente as preocupações que os professores levam?.Depende do contexto de cada um, mas às vezes são coisas tão variadas como modelos de debate, desafios como o de uma das nossas finalistas do ano passado que trabalha muito o mindfulness com as Mentes Sorridentes, a Dulce, que tem feito um trabalho muito interessante, que é pôr os miúdos, que às vezes até têm desafios na escola, a tomar tempo, a respirar direito, para acalmarem, para meditarem e, de facto, a indicação que temos é de que ajuda. Ela partilhar isso com os outros colegas é um recurso que se calhar eles não ativam logo, mas quando tiverem esses desafios sabem que existe..Quando estamos a dar aulas, estamos completamente absorvidos e é como se estivéssemos a desempenhar um papel, portanto todas as pecinhas que nos vão chegando e todo o conhecimento que nos vai chegando, em momentos específicos, entram em cena. Arriscaria dizer que são recursos que são válidos quando menos se espera e, normalmente, estes professores que têm este entusiasmo gostam muito de ir a estes momentos, por um lado por motivação, mas por outro porque sabem que vão aproveitar..Tem ideia de que são muitos, esses professores, ou são sempre os mesmos?.Portugal terá, se calhar, cerca de 150 000 professores, portanto ainda tenho uma parte muito pequenina para poder fazer considerações mais consistentes..As escolas, apesar de estarem todas debaixo do chapéu do Ministério da Educação, são muito diferentes umas das outras; e há algumas que são mesmo muito diferentes. O grau de autonomia das escolas, que tem vindo a aumentar, faz que este tipo de projetos tenha ainda mais facilidade em aparecer?.Tanto quanto consigo acompanhar nas escolas com que temos trabalhado, acho que quando há uma empatia, uma boa química entre a liderança da escola e o corpo docente, as escolas têm, de facto, capacidade de fazer muito. Como gestor da minha organização, o que tenho aprendido é que a burocracia de usar fundos públicos pode ser pesada. E uma direção de escola tem um certo peso e fica bastante consumida com essa burocracia, até porque, como é uma instituição pública, tem ainda mais obrigações processuais do que eu. Isso consome muito a gestão, a estratégia, a motivação? Com certeza. Agora, há escolas que fazem muito e eu vejo isso pelos professores com quem trabalhamos nos nossos outros projetos, mas mesmo com os dez finalistas. Eles fazem porque trabalham muitas horas, porque investem muito, porque gostam muito. Acho que acaba por ser quase um presente que eles dão aos seus alunos e às suas comunidades, e é por isso que se consegue fazer, porque os recursos são escassos. Diria que, de entre tudo o que é preciso cumprir e fazer, o que acaba por acontecer é: o ministério obriga a uns mínimos, com certeza, e depois o que cada um faz adicionalmente é a sua escolha. Penso que quando há uma relação muito boa entre a direção e os professores, os dois estão motivados, os dois estão alinhados, em muitos casos até com a ajuda e envolvimento dos pais, as escolas conseguem fazer muito mais. Como em qualquer instituição, a direção pode ter um impacto muito grande, mas os professores também e, aí, o que me fascina sempre é que os professores têm uma coisa um bocadinho ingrata, que é o chefe ser uma entidade abstrata que está na 24 de Julho. Portanto, eles são emprestados, o seu serviço é posto à disposição daquela escola, mas torna-se às vezes uma relação um pouco impessoal, o que é um bocadinho estranho. O que eu vejo nas pessoas com quem trabalhamos é que são tipicamente muito motivadas, muito dedicadas, cheias de fome de fazer avançar..A questão da idade dos professores é algo que se sente nesse grupo de pessoas com quem vocês trabalham nas Mentes Empreendedoras, ou seja, é sempre gente mais nova, ou não se sente isso?.Acho que isso tem várias implicações e é uma questão superimportante. Há uma estimativa de que daqui a seis, sete anos, vamos ter uma parte muito grande dos professores a reformar-se e isso vai ter impacto. Devíamos estar hoje a pensar como é que vamos atrair pessoas com vocação para a profissão, porque ainda demora uns aninhos a formá-las, para irem pouco a pouco substituindo os que vão reformar-se. Respondendo diretamente à pergunta, acho que se nota, em algumas escolas em particular, que, quando o corpo docente está muito envelhecido, as pessoas - às vezes, não é sempre - também sentem que já estão na fase final da carreira, não é agora que vão reinventar qualquer coisa. Penso que a sociedade portuguesa deixou instalar este espírito do "foram dar aulas porque não tinham mais nada para fazer", e, mesmo se em algum momento assim o foi, isso não nos ajuda, o que nós queremos é motivá-los e dizer: "Olha, chegaste a esta carreira, tens este mandato, e ele é tão importante." É como com as equipas, é importante motivar, é importante valorizar, é importante desafiar..Como é que isso se faz em termos de opinião pública? Porque acho que neste momento a opinião pública tem uma imagem um pouco negativa dos professores....Acho que a primeira coisa que é importante fazer é separar as reivindicações do que é o trabalho com os alunos no dia-a-dia. Ou seja, qualquer profissão pode tentar ter melhores condições, isso é um processo natural da sociedade, agora acho que é importante, entre os pais e os professores, perceberem o quanto podem beneficiar de uma aliança construtiva. Uma das coisas que seriam importantes em Portugal era ter uma definição mais clara para a sociedade do que é esperado da escola, do que é esperado dos professores e do que é esperado dos pais; depois, os dois lados perceberem que cada um tem um mandato diferente e complementar. Às vezes falo com alguns pais, quando lhes conto o que faço, e eles dizem-me: "Para mim o professor tem sempre razão"; e outros dizem o contrário: "Não, não, os meus filhos é que têm." O facto é que os alunos têm de sentir que há consistência dos dois lados, senão vão aproveitar ali um espaço e sempre que houver alguma questão vão tentar defender-se no cinzento. Portanto, os pais perceberem o valor da educação e perceberem o impacto dos professores nos seus filhos é importante, mesmo que não gostem deles, que achem que aquele professor não é o certo para o filho, aquele professor vai passar muitas horas com o seu filho, portanto é boa ideia encontrar um equilíbrio construtivo para que os alunos possam beneficiar..Há uma coisa que nós vemos em alguns países, que é que não é só o dinheiro que motiva as pessoas. Acho que a pessoa poder chegar a casa e dizer que o que faz é importante estimula, e penso que os pais podem ter esse papel, mas o grande desafio é que aqui são os pais e os professores que têm de estar de acordo, porque um lado tem o mandato de educar e o outro tem o mandato de ensinar. Quando trabalhei em formação profissional trabalhava em alemão e eles tinham duas palavras muito distintas para a educação que se recebe em casa e a educação que se recebe na escola, e elas têm de andar lado a lado, penso que quem tem filhos ainda saberá isto melhor do que eu..Nem sempre é fácil, e há alturas em que é até bastante difícil, na escola pública, pelo menos, chegar a esse contacto mais direto com os professores. Pode falar-se com os diretores de turma, mas há pouca ligação. Por outro lado, muitas vezes também são os pais que nem sequer aparecem. Ou seja, esta questão da comunidade a funcionar é algo que ainda está longe?.Isso, sem dúvida, mas mais uma vez, é um processo. Podemos estar a falar de décadas, mas o caminho tem de ser percorrido, ou seja, ou nós apostamos num modelo única e exclusivamente liberal, que é: eu gosto desta escola, tenho aqui os meus filhos, eu não gosto, mudo para a outra a seguir... Não tem sido esse o ADN da sociedade portuguesa, portanto não acredito que vamos para aí. Agora, podemos ver isto um bocado como a reciclagem, que quando começou andou-se ali vários anos a picar pedra e hoje toda a gente concorda que é uma questão importante. Acho que aqui é a mesma coisa, é uma questão de visão. Quando lancei o Inspira o Teu Professor, em 2015, tive pessoas que mais tarde vieram a ser meus parceiros e que diziam que não, que os professores é que têm de motivar os alunos, o que também é verdade, mas a motivação para fazer isto foi a de os próprios alunos perceberem que o trabalho de um professor é todo um esforço de 43 PlayStations por aluno, é um grande investimento. Portanto, o aluno também tem alguma coisa a dizer sobre a coisa e acho que os alunos têm de valorizar, e aqui entra o meu lado de economista, esta escassez, ou seja, a sociedade portuguesa, com o que tem, faz um grande esforço em educação; pode ser maior, pode ser mais pequeno, mas é um esforço considerável e nós valorizarmos o que temos também ajuda a estimar mais o que temos..No Inspira o Teu Professor, os alunos diziam-nos coisas muito engraçadas como "nós esquecemo-nos de que os professores também são gente". A certa altura, implicitamente e até inconscientemente, eles iam para a escola como se fossem para um serviço que tem de ter um certo nível de qualidade e sempre que falha qualquer coisa reclama-se. Mas não, os professores são pessoas que, tal como eles, estão a fazer avançar uma visão que é a de que a sociedade portuguesa acredita que a educação tem de chegar a todos; é um meio para dar o mais possível de igualdade de oportunidades a todos. E isso é um desafio. Se formos ver os nossos números de há bem pouco tempo, vemos que houve uma redução significativa do abandono escolar, do insucesso escolar, quer dizer, são caminhos de décadas. Penso que aqui é a mesma coisa, envolver os pais numa postura de humildade entre professores e pais e perceber qual é o papel de cada um, é por aí que se tem de ir. Agora, obviamente que as carreiras, como elas estão desenhadas hoje em dia, também são muito exigentes para os pais, mas noutros casos nem por isso, portanto acho que, primeiro que tudo, é uma questão de valores. Na Ásia vê-se muito isto, o valor intrínseco da educação é gigantesco. Eu dou muito este exemplo a brincar: se eu, na Coreia do Sul, for a um bar e disser a uma miúda que sou professor de Português do 7.º ano (neste caso, de Coreano), ela vai achar o máximo, porque é uma profissão que tem relevo social, é uma coisa importante..Porque é que não tem cá?.É uma questão de visão, é uma questão de valorização..Mas os portugueses falam imenso sobre educação. Por exemplo, quando se discute disciplina, o chumba não chumba, o vai para a rua, o é suspenso... diz-se logo que os professores perderam a autoridade. Essa questão da disciplina poderia levar a uma visão do professor como uma pessoa importante na sociedade, uma pessoa considerada, mas não. Como é que passámos disto para "só trabalha 22 horas por semana"? É um pouco "esquizofrénico"....É, até porque na verdade dar aulas não é só dar aulas, é prepará-las, é pensá-las, é estudar, é uma série de coisas que, claramente, não se reduzem só a dar aulas. Há uma questão que é o próprio sistema de ensino. É preciso pensar muito bem no acesso ao ensino superior, pois o sistema está muito focado em notas e há alguma evidência que sugere que ter alguns standards, ter alguns exames não é mau, também nivela, pelo menos até um certo ponto, mas depois a partir daí não é com os exames que vamos lá. O que acontece é que os portugueses, por um lado, não adoram exames e as notas pelas notas mas, neste momento, é o sistema em que mais confiam. Começa a haver uma certa abertura a questionar o modelo de acesso ao ensino superior, mas ao mesmo tempo ainda não se encontrou algo em que os portugueses possam confiar. Enquanto tivermos este sistema, os incentivos dos professores e das escolas são preparar para o exame, e por mais que se diga que são as competências e os equilíbrios, etc., no final de contas o que tem 18,3 passa à frente do que tem 18,2. A sensação que tenho é que todos temos um pouco o instinto de treinador de bancada como os Deolinda falavam, do movimento perpétuo associativo, que era "agora vamos dar a volta a isto, agora ninguém nos para", e depois no fim dizem: "Ah!, mas agora tenho outras coisas para fazer." Claramente, na educação, para vermos os impactos das medidas demora muito tempo, muito mais do que uma ou duas legislaturas. Isto parece um pouco chover no molhado, mas o que seria ideal era um plano discutido, um pacto de regime, essas coisas..Sim, mas a verdade é que, por exemplo, do governo anterior para este houve claramente uma mudança de paradigma, ou seja, tivemos um governo muito focado na nota, no exame, no resultado, e agora temos este governo mais virado para a flexibilização, para a aferição....Eu acho que para as escolas é muito desafiante ter linhas orientadoras diferentes. Penso que os dois lados estão a fazer o que acreditam que é melhor, e quando têm os nossos votos é isso que fazem. Agora, seria efetivamente importante haver um bocadinho mais de consistência, porque, qualquer que seja a medida, ela demora tempo a ter resultados. Portanto, um ministro que entrou em funções recentemente e alega que já teve impacto, não é possível. Da mesma forma que um ministro que entrou em funções há dois anos se calhar ainda continua a colher resultados do que outro fez. Isso até é muito ingrato para quem está nos cargos, mas é um facto que demora tempo. Sem dúvida que a consistência ajuda, até para deixar que as escolas se foquem no que estão a fazer. Qualquer medida que tenha sido proposta, quer seja pelo anterior governo quer seja por este, demora algum tempo a ser implementada, a ser percebida e a chegar efetivamente aos alunos. Quando ela demora alguns anos a entrar em cena e depois sai, então não se sabe o que é que faz. Penso que esse é um dos desafios. Aqui o que acontece é que as escolas vão ter mais meios ou vão ter mais opção para tentar adaptar os seus planos. Agora, a base, as exigências do que é gerir uma escola não mudam assim tanto, eles continuam a ter muito processo e muito trabalho..Já viu a escola perfeita ou não?.Não existe, não existe..Mas a melhor de todas que conheceu qual é?.Não sei, há alguns exemplos que têm resultados muito giros. Conheci uma escola de uma das finalistas do Global Teacher Prize internacional em Ahmedabad que era maravilhosa, mas fica sempre aquele senão, porque aqueles miúdos são tendencialmente mais da elite. Se nós formos ao ponto de que o que mais explica o desempenho escolar dos alunos é a educação dos pais, nomeadamente da mãe, é um jogo sempre um bocado ingrato..O que é que a escola tinha de diferente?.Era uma escola que tinha sido criada por uma designer, a Kiran Bir Sethi, que tinha um filho que chegou a casa muito triste porque o professor tinha dito qualquer coisa do género que nunca iria ser bom numa determinada área, e ela, como mãe, disse-lhe que se o professor disse aquilo era porque não sabia do que ele era capaz. A motivação dela foi exatamente criar uma escola, tornou-se professora e tem ali um local que tem resultados espetaculares, onde os miúdos aplicam muito design thinking já há muitos anos. Mas, lá está, a partir do momento em que eles já são elite ela fica sempre com aquele ónus ingrato de mostrar que aquilo de facto funciona; se bem que ela põe os que têm mais dinheiro a oferecer algumas bolsas e vagas aos que têm menos. Portugal, para um país rico ocidental - as definições têm vindo a mudar, mas para um país que já está onde nós estamos -, dentro dos nossos parceiros, mesmo da União Europeia, tinha um ponto de partida muito baixo. Portanto, acho que o valor da educação, o que nós esperamos dela, é uma coisa que ainda é um work in progress, ainda estamos a trabalhar sobre o assunto. É importante clarificar o que é que a sociedade está efetivamente a pedir à escola. Há uma coisa de que nunca me esqueço: uma escola pública está a gerir os recursos de terceiros e é responsável pelos filhos dos outros, e isso encoraja muito a que não haja risco. E aprender sem risco nenhum é difícil, é muito difícil. Mas em Portugal há exemplos, mesmo nos nossos finalistas, cada um à sua maneira, trazem exemplos muito giros e há boas escolas a fazerem um trabalho tremendo, mas sempre com professores com muita vocação, que dão muito de si. Lembro-me sempre do exemplo da professora Maria João Passos do Freixo, que para ensinar como ela queria Matemática dos 7.º, 8.º e 9.º anos foi buscar os pais. Ela foi convencê-los de como era importante a educação para os filhos deles e só aí é que sentiu que teve as condições para trabalhar como queria..Sente que são muitas vezes as escolas em meios mais desfavorecidos aquelas que acabam por conseguir ter projetos mais extraordinários?.Não dá para generalizar, não dá mesmo. Aliás, há um estudo do David Justino, penso que até é um ensaio que ele fez para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, em que ele diz que não havia evidências que lhe permitissem dizer com muita confiança que as escolas privadas são melhores do que as públicas. Eu acho que o fator ponto de partida ainda tem muito impacto. Há sem dúvida escolas em contextos muito difíceis que fazem coisas boas, e há escolas que tinham tudo para ser melhores e se calhar não conseguem. O ponto é: nós temos escolas em Portugal a fazer trabalho extraordinário. Eu penso que o agrupamento de escolas do ensino básico de Rabo de Peixe fez um trabalho espetacular de retenção dos alunos; ou seja, eles aumentaram o número de alunos na escola de forma estrondosa, mas foram cerca de 14 anos de trabalho. O diretor cumpriu todos os mandatos que a lei lhe permitia. A partir daí acabou-se, não pôde fazer mais. O que ele conseguiu foi tornar a escola um espaço seguro, em que os pais confiavam, onde os miúdos estavam bem..Pois, porque há escolas em que é uma coisa tão básica quanto isso. Estar seguro na escola....Eles estavam a trabalhar muito focados em aumentar o desempenho escolar mas, pelo que percebi, não era isso que eles pensavam que tinha mais sucesso. O que era mais valorizado era ter uma abordagem muito mais holística, em que os miúdos estavam dentro da escola para não fazerem asneiras. Tinham como objetivo que eles passassem lá o máximo de tempo e pouco fora. E, de facto, conseguiram ganhar a confiança dos pais e da comunidade porque sem isso não havia qualquer hipótese. Sempre que havia qualquer problema, qualquer escaramuça, os pais vinham com os miúdos falar com os professores: "Então e o que é que aconteceu?" Só que, de facto, como já havia aquela cumplicidade e eles conheciam os valores da comunidade, sabiam como fazer chegar a mensagem sem ruído. E isso teve resultados. A métrica de sucesso foi terem aumentado estrondosamente o número de alunos inscritos e a redução do abandono..Há uma frase que se diz muito que é: nós temos alunos do século XXI em escolas do século XX com ensino do século XIX. Partilha dessa ideia?.Mais ou menos. Percebo a mensagem, mas acho que o debate tem de ser muito mais profundo. Houve uma investigadora de Oxford que numa conferência da Fundação Francisco Manuel dos Santos dizia para sermos produtivos e que para produzirmos conhecimento temos de ter uma série de informação permanentemente na memória. Muita da inovação é feita por recombinação de soluções, de fatores, das funcionalidades. Para isso há que ter informação lá dentro. O que eu penso é que, por um lado, a escola tem de preparar os alunos para o futuro, e isso para mim quer dizer também defender as crianças do digital. Há um autor do The New York Times que diz que a internet é uma espécie de esgoto sem filtro e os jovens são muito mais hábeis a aceder-lhe do que os pais. Portanto, os pais não sabem a que é que os miúdos estão a aceder. Hoje em dia, mais do que nunca, é importante saber ser resiliente e decorar e fazer coisas de que não gostamos também é importante. Agora, não pode ser só um, ou só o outro. Algo que a nós, nas Mentes Empreendedoras, nos está a interessar muito é a neurociência. Uma das experiências que eu, como professor, tive é sentir na cara que a maneira como as crianças aprendem e processam a informação é de facto diferente. O tempo de concentração deles é muito diferente do nosso. A educação deveria conseguir trabalhar isso. Quanto menos as pessoas forem capazes de se concentrar, pensar profundamente sobre as coisas e não ir ao primeiro impulso, mais independentes e autónomas essas pessoas serão. Atualmente é tudo ao contrário. Estamos mais reativos, menos profundos, vemos as coisas pela rama. A comunicação mais superficial, com uma estatística bonita, tem mais impacto porque estamos mais distraídos. Eu não sei se os professores são do século XX ou se o ensino é do século não sei que mais. O que é preciso repensar é a função da escola, o que é que é crítico que lá aconteça, o que é que é a função dos pais. Nós vemos os pais, ou por opção ou por dificuldade, pouco presentes e isso deixa os alunos mais vulneráveis. Penso que a educação tem de ensinar os alunos a viver com o digital de uma forma mais saudável. Nos clubes das Mentes Empreendedoras vemos um tema que há quatro ou cinco anos não víamos: a empatia. Se calhar temos é de redefinir o caderno de encargos para a escola pública e acho que era inteligente puxar pelos professores, pela profissão, mas também pelos próprios pais. Uma coisa é clara. A velocidade de mudança é tão mais rápida, que exige muito mais de todos nós, quer seja da escola, da saúde, da justiça, do legislador, do regulador. A velocidade a que algumas empresas fazem asneiras e o tempo que isso demora a regular... É a mesma coisa. Os miúdos têm acesso a uma série de coisas que andam muito rapidamente e a escola, como qualquer instituição, tem dificuldade em acompanhar. Mais uma vez, estão a gerir dinheiro de terceiros e estão responsáveis pelas crianças dos outros. Portanto, eu acho que aqui tem de ser uma aliança fortíssima entre a sociedade e o seu sistema de ensino; o que é que esperamos? E, na prática, entre os professores e os pais..Isso tem de ser feito localmente, não? Quase turma a turma..Sim, é. O caderno de encargos para a escola é um debate de sociedade, mas a materialização disso tem de ser local. Isso sem dúvida..O que é que espera para o prémio do Global Teacher deste ano?.Continuar a encontrar professores extraordinários. Espero conseguir ter um bocadinho mais de capilaridade. Desenvolvemos uma série de parcerias com municípios e vai ser muito giro termos mais tempo para tirar partido disso e para conseguir que a mensagem chegue às pessoas. A nível de parceiros também estamos mais ambiciosos. Acreditamos que a comunicação vai ser mais forte e chegar mais longe. E queremos ter professores a candidatarem-se dos distritos de Bragança e de Portalegre, para além de todos os outros..O Inspira o Teu Professor já chegou a quantos alunos? Têm essa contabilidade?.Participaram ao todo 6000/7000. No ano passado e neste ano estamos a rever o modelo, por isso estamos a ir mais devagarinho. Mas, em pouco tempo, o número de alunos participantes aumentou exponencialmente..E qual foi a coisa mais inspiradora que apareceu?.São coisas muito subtis. Houve várias coisas, mas eu diria que foi uma tão simples como "as escolas são prisões e são os professores que nos ajudam a superá-las"; "nós esquecemo-nos de que os professores também são pessoas". Outra que me surpreendeu muito foi: "Nós gostávamos que os professores conhecessem melhor quem nós somos e quais são os nossos sonhos." Temos sempre aquela impressão do adolescente rebelde que já é fixe, tem o seu grupo e os professores são cotas..Mas na verdade precisam de mimo?.Precisam de mimo e gostam de sentir que se eu sou a Rita o professor sabe que eu quero ser jornalista e que gosto de educação, ou que o Manuel gosta de desporto e estuda o suficiente para passar, mas que o sonho dele era ser jogador de andebol ou de basquete. Nas últimas décadas a profissão de professor tem vindo a ser desvalorizada e, mais do que tentar perceber de quem é a culpa, é mais importante descobrir o que é que é preciso fazer para inverter isso. A razão pela qual temos o Global Teacher Prize em Portugal é porque, de facto, entre a Fundação Varkey e as Mentes Empreendedoras temos muito claro que é necessário valorizar a profissão e dar valor às pessoas. O dinheiro só vai até uma certa parte e quem tem a tutela e decide os orçamentos tem a responsabilidade sobre ele. Mas nós, sociedade, também temos algo a dizer: valorizar, colaborar, ser construtivo mesmo quando não concordamos..Foi uma surpresa o vencedor português do ano passado ter ficado entre os cinquenta finalistas do prémio internacional de um milhão de euros?.Nós estávamos cheios de ambição e de facto foi uma surpresa fantástica mas, quer dizer, trabalhámos para isso e o Jorge tem imenso trabalho, por isso é bem merecido. Aliás, como membro do júri internacional, podia até puxar a brasa à nossa sardinha e até termos mais. Vamos continuar a trabalhar para o ano para termos mais candidatos, trabalhar bem as suas candidaturas e fazer justiça ao esforço e à história deles. Mas penso que é muito merecido. Temos em Portugal professores muito bons e ainda bem que isso é reconhecido.