Será que O Irlandês, filme de Martin Scorsese sobre a história trágica do líder sindical Jimmy Hoffa, reunindo Robert De Niro e Al Pacino, vai ser um dos títulos centrais na corrida aos próximos Óscares da Academia de Hollywood? Os responsáveis da Netflix dirão imediatamente que sim. Depois do impacto de Roma, de Alfonso Cuarón, que obteve três estatuetas douradas na cerimónia de 24 de fevereiro (incluindo melhor realização e melhor filme em língua estrangeira), a plataforma de streaming está a promover aquela que é a sua mais importante produção de 2019 para chegar ao prémio máximo: o Óscar de melhor filme do ano..Mas será que, de acordo com o voto expresso pelo próprio Scorsese, O Irlandês vai poder ter um lançamento alargado nas salas de todo o mundo? Sempre muito parca em informações oficiais, a Netflix tem mantido um braço-de-ferro com os exibidores dos EUA, não aceitando a "janela" que as grandes cadeias de salas, como a AMC e a Cineplex, querem manter. Ou seja: exibirem o filme durante 90 dias antes de ser disponibilizado em streaming..As notícias da última terça-feira estão longe de encerrar a polémica:O Irlandês irá ser estreado a 1 de novembro em "salas selecionadas" do circuito independente americano; no dia 27 do mesmo mês estará disponível para os assinantes da Netflix (neste momento ainda não há notícias sobre o que ocorrerá no mercado português)..Com ou sem O Irlandês, uma coisa é certa: os próximos Óscares poderão ser tanto mais imprevisíveis quanto no calendário disponível de estreias não parece haver um título que se destaque claramente dos restantes candidatos. Para todos os efeitos, a morna estação estival está a dar lugar à "temporada dos prémios"..Sem nada de científico, as apostas possíveis envolvem, por isso, dois ou três fatores tradicionais: o peso simbólico das estrelas envolvidas, os fatores de espetáculo e ainda, em alguns casos, os prémios já conquistados noutros contextos. A 92.ª cerimónia dos Óscares está marcada para 9 de fevereiro de 2020..Antonio Banderas para melhor ator?.Há pouco mais de três meses, no último Festival de Cannes, muito boa gente considerou que Pedro Almodóvar merecia ter ganho a Palma de Ouro com o seu Dor e Glória. Em qualquer caso, o filme valeu a Antonio Banderas o prémio de interpretação masculina - através de um trabalho de enorme subtileza, ele assume a personagem de um realizador de cinema que é uma clara projeção profissional e, sobretudo, emocional do próprio Almodóvar. Há, de facto, na história dessa personagem uma vibração confessional que confere ao filme uma dimensão tocante, inequivocamente universal..Como todos os títulos do cineasta espanhol, Dor e Glória está a ter uma cuidada campanha promocional nos EUA, além do mais ancorada no prestígio do próprio Almodóvar junto da comunidade de Hollywood, ele que já ganhou um Óscar, em 2003, com Fala com Ela, na categoria de melhor argumento (tendo obtido, com o mesmo filme, uma nomeação para melhor realizador). Isto sem esquecer, claro, que Banderas é há muito tempo - pelo menos desde o sucesso de A Máscara do Zorro, uma produção de 1998 - uma figura perfeitamente integrada na dinâmica da indústria made in USA. É verdade que nunca foi nomeado para um Óscar (tem quatro nomeações para os Globos de Ouro), mas a intensidade, tecida de comovente vulnerabilidade, da sua composição em Dor e Glória coloca-o na linha da frente na categoria de melhor ator, a par, por exemplo, de Leonardo DiCaprio em Era Uma Vez em... Hollywood, de Quentin Tarantino..Estreia: 5 de setembro.A fama televisiva pode ser um trunfo?.A série britânica Downton Abbey (2010-15), criada por Julian Fellowes, constitui um caso espetacular de sucesso na história recente da televisão. A saga do clã Crawley, uma família da aristocracia inglesa nas primeiras décadas do século XX, bateu recordes de audiência um pouco por todo o lado, relançando uma moda revivalista com reflexos que vão desde o mercado livreiro aos circuitos de DVD. Nos Emmys, a sua performance é especialmente eloquente: ao longo de seis temporadas, arrecadou 15 prémios, com um total de 69 nomeações. E é sabido como as "reconstituições históricas" encontram bom acolhimento nos Óscares....Daí a pergunta: será que a fama televisiva se pode transformar em trunfo forte no mercado cinematográfico? Fellowes acreditou que sim, tendo obtido o apoio de uma das principais distribuidoras "independentes" dos EUA, a Focus Features (que integra o grupo dos estúdios Universal), como é natural conservando os nomes principais do elenco televisivo, incluindo Hugh Bonneville, Jim Carter, Michelle Dockery, Elizabeth McGovern e Maggie Smith. Mais do que tentar construir variações sobre as peripécias narradas na série, o Downton Abbey cinematográfico, dirigido pelo encenador americano Michael Engler, propõe uma continuação cronológica da história dos Crawley: o derradeiro episódio da sexta temporada terminava na passagem do ano 1925-26; agora, a ação tem lugar em 1927 e centra-se na agitação que senhores e criados experimentam quando se preparam para receber o rei Jorge V..Estreia: 19 de setembro.O sucesso de Cannes funciona em Hollywood?.Para a maioria dos espectadores do último Festival de Cannes o representante da Coreia do Sul, Parasitas, de Bong Joon-ho, não seria um dos grandes favoritos. O certo é que o júri presidido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu decidiu atribuir-lhe a Palma de Ouro. Em boa verdade, a surpresa pode e deve ser relativizada: desde o impacto do seu épico de terror The Host - A Criatura (2006), Bong Joon-ho transformou-se numa figura de culto de alguns circuitos internacionais, estatuto reforçado através de duas grandes produções marcadas pelo mesmo apelo fantástico: Expresso do Amanhã (2013) e Okja (2017)..Desta vez, Bong Joon-ho escolheu um ponto de partida com o seu quê de realista: no centro dos acontecimentos está uma família pobre que vai melhorando a sua existência através de um perverso envolvimento com uma família incomparavelmente mais rica. Entretanto, a escolha de Parasitas como candidato a uma das cinco nomeações para o Óscar de melhor filme estrangeiro veio reforçar o seu estatuto - se isso acontecer, será a primeira produção da Coreia do Sul a conseguir tal proeza. Caso a estreia comercial nos EUA (marcada para outubro) consiga gerar números consistentes, podemos até supor que o filme terá também algumas possibilidades noutras categorias: as suas qualidades técnicas são invulgares (sobretudo na cenografia e fotografia), de alguma maneira refletindo a vitalidade de uma indústria que, só no mercado interno, atrai anualmente mais de cem milhões de espectadores..Estreia: 26 de setembro.Quem se lembra de Judy Garland?.Será talvez inevitável associar um filme sobre Judy Garland (1922-1969) ao facto de, ultimamente, terem surgido várias produções apostadas em fazer o retrato de grandes intérpretes musicais - e bastará citar Bohemian Rhapsody (2018) e Rocketman (2019), respetivamente sobre Freddie Mercury e Elton John. Ora, é certo que o filme Judy, realizado pelo inglês Rupert Goold, recorda a protagonista precisamente num momento emblemático da sua carreira musical quando, em 1968, deu uma série de concertos em Londres cujas memórias vieram a adquirir uma grandeza lendária; mas qualquer que seja a visão que o filme tenha para apresentar, Judy Garland será sempre uma figura de outra dimensão..Porquê? Porque se trata de uma atriz cuja vida tão breve (e também tão dramática) não pode ser dissociada da época de ouro de Hollywood e, em particular, de alguns títulos há muito inscritos na galeria dos clássicos absolutos. Para nos ficarmos apenas por dois exemplos, lembremos O Feiticeiro de Oz (1939) e Assim Nasce Uma Estrela (1954), este a segunda versão da história recentemente refeita com Bradley Cooper e Lady Gaga. Não admira que os oráculos de Hollywood apontem, desde já, Renée Zellweger, a intérprete de Judy, entre as mais sérias candidatas a uma nomeação para o Óscar de melhor atriz. Resta saber se os votantes mais jovens se lembram de Judy Garland e também, mais do que tudo, como Zellweger enfrenta tão pesada herança artística e simbólica..Estreia: 10 de outubro.As corridas de automóveis não ganham prémios?.Os filmes sobre corridas de automóveis não têm boa cotação na história dos Óscares - tal como as comédias, costuma dizer-se que "não ganham" prémios. Ainda assim, podemos citar uma exceção que confirma a regra: Grand Prix (1966), de John Frankenheimer, arrebatou três estatuetas douradas, ainda que fora das chamadas categorias nobres (montagem, som e efeitos sonoros)..Curiosamente, Le Mans "66: o Duelo é um filme sobre a época em que foi produzido o citado Grand Prix. Trata-se, aqui, de evocar as 24 Horas de Le Mans de 1966 e, mais concretamente, a odisseia da Ford que, em poucos meses, projetou construir um carro para desafiar o domínio da Ferrari (com seis vitórias consecutivas desde o ano de 1960). O filme perfila-se como candidato a vários Óscares das categorias técnicas, mas não há dúvida de que o seu investimento artístico está longe de ser banal, a começar pela escolha dos atores principais: Matt Damon e Christian Bale (qualquer deles já "oscarizado") interpretam, respetivamente, o designer Carroll Shelby e o condutor Ken Miles, ambos ligados aos dramas e à mitologia do que aconteceu nesse ano na pista. A realização é de James Mangold, profissional que gosta de experimentar os géneros mais contrastados como o provam os títulos Vida Interrompida (1999), Walk the Line (2005) e Logan (2017). Se quisermos ser pessimistas, recordaremos que o mesmo cenário de corridas esteve na base de Le Mans, título de 1971 com Steve McQueen que nem às nomeações chegou....Estreia: 14 de novembro