Há dois anos, o urologista do Hospital de São João, no Porto, Miguel Guimarães, assumia o cargo de bastonário da Ordem dos Médicos. Mais precisamente a 8 de fevereiro. "Nestes dois anos acho que os profissionais de saúde deram um contributo muito importante para aquilo que foi a capacidade de resposta do SNS - Serviço Nacional de Saúde", destaca o médico no dia em que apresentou aos jornalistas o documento "Tempos padrão para as consultas médicas", que estipula o tempo médio para cada consulta da especialidade..O bastonário realça que "o SNS está com graves deficiências", mas sublinha que "a evolução da medicina e o facto de os médicos hoje conseguirem fazer as coisas de forma mais rápida, eficaz, com melhores resultados e menos complicações tem permitido dar um certo equilíbrio àquilo que é a própria capacidade de resposta do SNS"..Constata o aumento da insatisfação no setor e diz que "provavelmente o SNS está pior do que há 20 anos". "As pessoas estão mais insatisfeitas", afirma. E nem é preciso interrogar os profissionais de saúde para perceber a realidade. "Basta pensar no nível e o número de greves que tem havido na área da saúde", considera.."SNS mais ou menos paralisado".Sem meias-palavras, Miguel Guimarães não tem dúvidas ao afirmar que o "SNS está mais ou menos paralisado". E concretiza: "Desde que sou bastonário que não há um investimento sério no SNS.".Para o médico não adianta o primeiro-ministro, António Costa, anunciar "que se contrataram mais meia dúzia de médicos". "É evidente que sabemos que hoje temos mais médicos em formação do que tínhamos há dois anos", destaca. E reclama os três maiores mapas de vagas de sempre, dois deles no seu mandato, apresentados pela Ordem. O que significa, diz, que há mais médicos em formação, quer "seja ao nível da formação geral, o antigo ano comum, quer seja a nível da formação médica especializada"..Apesar de assumir que se "não tivéssemos médicos internos no SNS" este "ruía como um castelo de cartas", e de assegurarem muitas tarefas no sistema de saúde público, "a verdade é que não têm a autonomia suficiente na respetiva especialidade para poderem, por exemplo, assegurarem um serviço de urgência de um hospital ou estarem a liderar um bloco operatório".."Não há vontade de quem está na política de resolver os problemas das pessoas".Questionado sobre qual foi o momento mais difícil nestes dois anos de mandato, Miguel Guimarães não hesita ao responder que foi quando assumiu o cargo. "Tínhamos em cima da mesa um projeto de lei na Assembleia da República sobre atos em saúde", conta referindo-se a "um momento difícil de gerir" e que "causou algum stress". Na altura os atos em saúde, que definiam as competências de cada profissão na área da saúde, como os enfermeiros, os farmacêuticos, estavam a ser debatidos no Parlamento e o bastonário não estava de acordo com a definição dos mesmos. "Tinham sido aparentemente negociados com o bastonário anterior e com o qual nós, na nova direção da Ordem nessa altura, não estávamos de acordo e acabámos por sair", lembra..Mas há muitos momentos de tensão durante os dois anos do seu mandato, diz, sobretudo em termos práticos. "Acho que não há vontade de quem está na política de resolver os problemas das pessoas", lamenta, referindo-se, por exemplo, a quem trabalha no SNS. Mas não só. "Nem há vontade de resolver a capacidade de resposta que o SNS pode dar aos cidadãos.".Exemplo disso é o ruído à volta da nova Lei de Bases da Saúde. "É uma forma de desviar as atenções", acusa. Sobretudo porque se vive numa altura em que o Serviço Nacional de Saúde "tem uma deficiência grave de investimento, deficiências profundas conhecidas a nível de capital humano, infraestruturas, dos equipamentos, dessas coisas todas que têm sido faladas e que o próprio ministério tem assumido que é verdade, o estarmos aqui a centrar todas as atenções na Lei de Bases da Saúde como se fosse a salvação nacional não é certo"..Para Miguel Guimarães a atual Lei de Bases da Saúde "não impede que se possa reforçar de facto o SNS". E tão ou mais importante do que estar a discutir o documento "é efetivamente meter mãos à obra", perceber que a saúde é importante para as pessoas e melhorar a economia do país. "Isto só se consegue fazer se as pessoas sentirem que aquilo que são as questão básicas sociais de um país estão a evoluir", diz a "pensar na saúde, educação e sobretudo na justiça". Até porque "as pessoas sentem-se profundamente injustiçadas no contexto atual"..Não sabe se vai recandidatar-se.No fundo, lamenta o bastonário, quem tem responsabilidades políticas, "não apenas o governo, a Assembleia da República e outras instituições, tem de pensar que a coisa mais valiosa do país são as pessoas e acho que isso não tem sido devidamente equacionado"..Falta um ano para terminar o mandato como bastonário e atualmente Miguel Guimarães ainda não sabe se vai recandidatar-se ao cargo, que admite ser "mais complexo do que as pessoas imaginam" e tem "uma exigência e um nível de responsabilidade muito grande". "Não quero estar na Ordem a fazer a mesma coisa que alguns polítios estão a fazer em órgãos de grande responsabilidade", conclui.