Operação Miríade: PCP viabiliza pedidos para audição parlamentar urgente do ministro da Defesa

Deputado comunista António Filipe considerou que este caso que envolve militares que estiveram em missão na República Centro Africana é grave, porque atinge o prestígio das Forças Armadas e coloca em causa a imagem externa do país
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O PCP anunciou esta quinta-feira que viabiliza os pedidos do PSD e BE para que o ministro da Defesa seja ouvido com urgência no parlamento sobre as suspeitas de envolvimento de militares portugueses numa rede criminosa.

Em declarações aos jornalistas, o deputado comunista António Filipe considerou que este caso que envolve militares que estiveram em missão na República Centro Africana (RCA) é grave, porque atinge o prestígio das Forças Armadas e coloca em causa a imagem externa do país.

António Filipe, no entanto, considerou que é secundária a questão política no sentido de se apurarem as razões que levaram o ministro da Defesa a não comunicar nada sobre este caso ao Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, Marcelo Rebelo de Sousa.

"Depois, entramos numa troca de pareceres, em que uns dizem que não deveria ter informado e outros que deveria ter informado [o Presidente da República]. O mais grave é o facto em si: Militares portugueses em missões internacionais utilizaram essas missões para praticar atos de extrema gravidade do ponto de vista criminal", assinalou, numa alusão às suspeitas de tráfico de diamantes ouro e droga a partir da RCA.

Da mesma forma, desvalorizou os pedidos de demissão de João Gomes Cravinho do cargo de ministro da Defesa, salientando que o Governo "tem data marcada" para cessar funções, já que estão marcadas eleições legislativas antecipadas para 30 de janeiro de 2022.

Perante os jornalistas, o deputado do PCP procurou sobretudo frisar que "não é verdade aquilo que foi dito por membros do Governo, designadamente pelo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros [Augusto Santos Silva], que isto não lesaria a imagem das Forças Armadas, nem a imagem do país no plano internacional".

"Mas não lesa como? Evidentemente este é um caso extremamente grave e que deve ser investigado até às últimas consequências, sendo apuradas todas as responsabilidades", acentuou.

Em relação aos pedidos de audição de João Gomes Cravinho no parlamento, António Filipe referiu-se às limitações que existem em audiências em que parte da matéria é do foro judicial, observando que "se sabe que o ministro não pode e, por isso, não vai revelar pormenores sobre as investigações, porque isso compete às autoridades judiciárias".

"O PCP não generaliza, continua a confiar nas nossas Forças Armadas, mas também para que o prestígio se possa manter é preciso que estes factos graves sejam efetivamente investigados", reforçou, antes de defender uma reflexão sobre a participação de militares portugueses em missões internacionais.

"No caso da República Centro Africana, o PCP sempre entendeu que essa missão não era do interesse nacional. E, quando acontecem situações como esta, conclui-se que o melhor era que Portugal não estivesse a participar nessa missão", acrescentou.

O PSD condenou o "comportamento errático e esdrúxulo" do ministro da Defesa Nacional e disse esperar que este "não desrespeite o parlamento" e explique a suspeita de tráfico por militares portugueses, admitindo chamar depois o primeiro-ministro caso necessário.

Esta manhã, à agência Lusa, o presidente da bancada social-democrata, Adão Silva, já tinha anunciado o requerimento do PSD para chamar ao parlamento o ministro da Defesa Nacional para explicar o seu comportamento face ao processo de militares suspeitos de tráfico de diamantes, ouro e droga.

Esta tarde, nos Passos Perdidos da Assembleia da República, Adão Silva reiterou a "extrema urgência" desta audição de João Gomes Cravinho, esperando que esta aconteça "no máximo no próximo dia 16 de novembro".

"Esperamos que o senhor ministro não desrespeite o parlamento. Já percebemos que desrespeitou o senhor primeiro-ministro, é lá com eles. Desrespeitou o Presidente da República que é o comandante supremo das Forças Armadas. É intolerável", criticou.

Para o social-democrata, o ministro tem que explicar ao parlamento e aos portugueses "como é que numa matéria tão conspícua e tão delicada omitiu informação da maior importância para o senhor primeiro-ministro e para o senhor Presidente da República".

Questionado sobre se o PSD pondera chamar o primeiro-ministro, António Costa, ao parlamento para dar explicações sobre este caso, Adão Silva admitiu essa hipótese porque "a comissão permanente vai continuar a funcionar mesmo depois do dia 26 de novembro".

"Nada pode impedir que numa situação dramática, que seja realmente decorrente da vinda do senhor ministro da Defesa à comissão, o senhor primeiro-ministro tenha que vir à comissão permanente. Não se prevê, de modo nenhum, que o senhor primeiro-ministro não venha às comissões permanentes. Pode vir e nós desejamos que assim seja, se for necessário. Vamos ver", afirmou.

O deputado social-democrata criticou o "comportamento errático, esdrúxulo" do ministro.

"Esta matéria é muito complexa, delicada e dá uma imagem muito negativa do Governo que manifestamente está a desfazer-se cada dia que passa. Não é bom", afirmou, considerando que Gomes Cravinho "está numa posição muito frágil e tem feito muitas asneiras nos últimos tempos".

O PSD gostaria de ter um ministro da Defesa "como deve ser, alguém que fosse respeitável e alguém que fosse competente", o que atualmente considera que não existe.

"O PSD neste momento não está a pedir a demissão do ministro. Nós preferíamos que o senhor ministro viesse no dia 16, se explicasse e nesse dia o PSD tomaria uma posição pública a respeito à sua permanência no Governo", ressalvou, apesar de evidenciar que a permanência no Governo deste ministro é "muito frágil, muito delicada, muito incerta, muito periclitante".

O presidente do Chega acusou o ministro da Defesa de ter mentido sobre quem e quando informou após tomar conhecimento das suspeitas de envolvimento de militares portugueses numa rede criminosa e exigiu a sua imediata demissão.

Esta posição foi transmitida pelo deputado André Ventura na Assembleia da República, numa declaração em que anunciará que apoiará os pedidos do PSD e Bloco de Esquerda para que o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, seja ouvido no parlamento.

André Ventura disse que esta quinta-feira se ficou a saber que a missão das Nações Unidas na República Centro Africana (RCA) apenas teve conhecimento da denúncia sobre este caso de tráfico de diamantes, ouro e droga em 2021, "quando o ministro tinha informado a ONU dessa situação em 2020".

"Foi dito nessa altura que devido a pareceres jurídicos não tinha sido informado o Presidente da República e o próprio primeiro-ministro, o que é um bocado estranho dada a cadeia de comando do próprio Governo. Hoje sabemos que alguém estava a mentir, porque a missão da ONU diz que apenas tomou conhecimento dessas denuncias em 2021", reforçou o deputado único e líder do Chega.

Para André Ventura, o ministro da Defesa teve conhecimento do caso por denúncia e, das duas uma: "Ou mentiu ao país quando disse que não transmitiu ao Presidente da República e ao primeiro-ministro para proteger politicamente estas duas entidades; ou mentiu à sua cadeia de comando, quer ao primeiro-ministro, quer ao Comandante Supremo das Forças Armadas, o Presidente da República".

"Independentemente daquilo que sabiam efetivamente o Presidente da República e o primeiro-ministro, e até atendendo ao filme a que já assistimos no caso de Tancos, há um dado evidente: O ministro da Defesa mentiu. Ou mentiu ao país, ou mentiu à sua cadeia de comando", insistiu.

Por essa razão, segundo o presidente do Chega, o ministro da Defesa "não tem outra opção que não seja abandonar o Governo".

"O Governo não se demitiu. Caso se tivesse demitido, então talvez não fizesse sentido a exigência de demissão" de João Gomes Cravinho de um Governo demissionário, argumentou depois André Ventura.

Perante os jornalistas, o presidente do Chega sugeriu ainda à Procuradoria-Geral da República (PGR) que investigue não apenas os militares suspeitos de crimes, mas, também, toda a rede criminosa.

A Polícia Judiciária (PJ) confirmou em 8 de novembro a execução de 100 mandados de busca e 10 detenções, incluindo de militares e ex-militares, no âmbito da Operação Miríade, na sequência de um inquérito dirigido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa.

Em causa está a investigação a uma rede criminosa com ligações internacionais e que "se dedica a obter proveitos ilícitos através de contrabando de diamantes e ouro, tráfico de estupefacientes, contrafação e passagem de moeda falsa, acessos ilegítimos e burlas informáticas".

Em comunicado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) revelou que alguns militares e portugueses em missões na República Centro-Africana podem ter sido utilizados como "correios" no tráfego de diamantes, adiantando que o caso foi reportado em dezembro de 2019.

O Presidente da República recusou na quarta-feira comentar as suas relações com o Governo depois de não ter sido informado do envolvimento de militares numa investigação judicial sobre tráfico de diamantes, ouro e droga.

Em Berlim, depois de um almoço com o vencedor das eleições na Alemanha e atual vice-chanceler Olaf Scholz, o primeiro-ministro justificou na quarta-feira não ter informado o Presidente da República sobre a rede de tráfico envolvendo militares e civis, porque ele também não tinha conhecimento.

"Eu não informei porque não estava informado, portanto isso é um tema que será de ser tratado, mas num sítio próprio que é em território nacional", revelou António Costa.

Na terça-feira, em Cabo Verde, o chefe de Estado relatou que o ministro da Defesa lhe tinha explicado que "na base de pareceres jurídicos tinha sido entendido que não devia haver comunicação a outros órgãos, nomeadamente órgãos de soberania, Presidência da República ou parlamento".

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