Onde investir e com que cautelas para se proteger da crise
Os portugueses têm vindo a poupar mais com a pandemia de covid-19, mas a taxa de poupança no país ainda está abaixo da média europeia. E no segundo trimestre deste ano as famílias aumentaram o consumo e a taxa de aforro caiu para 11,5%. Na Europa a taxa média era, na mesma altura, de 19%, segundo dados do Eurostat. Por isso, os economistas recomendam que as famílias devem reforçar as suas poupanças. Até porque os tempos são de incerteza. A crise energética, a subida dos preços das matérias-primas e dos alimentos deixa todos de sobreaviso. Cautela e prudência são as palavras de ordem.
Também devem evitar colocar "todos os ovos todos no mesmo cesto". A diversificação de investimento deve ser feita mas com prudência, defendem economistas e gestores de ativos. "Na atual conjuntura de repressão financeira, em que as tradicionais aplicações em depósitos a prazo apenas garantem uma perda de poder de compra das poupanças, a alternativa deverá passar por uma maior diversificação dos investimentos num conjunto de ativos financeiros descorrelacionados", afirma Mário Carvalho Fernandes, chief investment officer do Banco Carregosa.
"Dessa forma, os investidores conseguem expor-se a potenciais rentabilidades mais elevadas, mantendo-se dentro de um nível de risco compatível com os seus perfis", indica.
Mas antes de se pensar em investir em ativos voláteis e de maior risco, como ações ou criptoativos, as famílias devem começar por criar "uma rede de segurança financeira" ou um fundo de emergência para não se ter de mexer nos investimentos ou recorrer a empréstimos se surgir um gasto imprevisto como um problema de saúde, reparações na casa ou no carro. "Esse pé-de-meia deve ter um montante aproximado de seis vezes os gastos mensais habituais, o suficiente para se manter durante um semestre sem trabalhar", recomenda Jorge Duarte, economista da Deco Proteste.
Na constituição de poupança, há que ter conta que a inflação prevista pelo Banco de Portugal é de 0,7%, para se obter um rendimento real positivo. Segundo uma análise da Deco, nos depósitos com prazos de três, seis e 12 meses, as melhores taxas variam entre 0,5% e 1,1% líquidos, mas destinam-se, na sua maioria, a novos montantes ou novos clientes. O Best e Banco Invest apresentam as melhores ofertas: 1,1% líquidos a três meses e 0,7% a seis meses.
Nos dois produtos de poupança do Estado, as diferenças são pouco significativas. A descida da Euribor torna os Certificados de Aforro num produto menos rentável. Os Certificados do Tesouro Poupança Valor vieram substituir os Certificados do Tesouro Poupança Crescimento, e podem ser subscritos já desde setembro. Apresentam taxas anuais crescentes, bonificações também crescentes e um prazo máximo de sete anos.
Mas a Deco aponta que há seguros de capitalização de capital garantido com um rendimento superior ao dos depósitos e aos títulos de dívida pública. E sugere o seguro de capitalização da Lusitania Vida, que rende 0,8% líquidos ao ano, para montantes entre 500 e 20 mil euros. Os seguros de capitalização não estão abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos, mas permitem a definição de um beneficiário em caso de morte.
Para se ganhar mais, as famílias devem acomodar uma parte da sua poupança em ativos de maior risco, como fundos de investimento, ou investir diretamente em ações ou em criptoativos.
Em relação às Obrigações do Tesouro, é para fugir delas, que apresentam um retorno negativo ou próximo de zero.
Na última década, a expansão monetária teve impacto nos mercados financeiros, sobretudo nas ações e nas obrigações. "A partir de 2020 e em particular em 2021, esta enorme expansão monetária começa a invadir vários bens essenciais à sobrevivência da população, trazendo à memória o fantasma da inflação, pois já terá um impacto direto no índice de preços no consumidor", afirma Luís Gomes, cofundador da Criptoloja. E lembra que este ano "temos subidas excecionais para as principais matérias-primas". "Entre 1 de janeiro de 2021 e 31 de agosto de 2021, e mencionando apenas as principais evoluções, o petróleo subiu 46%, o café subiu 45%, a aveia 35%, o cobre 28%, a manteiga 21% e o açúcar 11%. Ou seja, a inflação é real é muito superior às estatísticas oficiais", adianta.
Para Luís Gomes, "não resta outra alternativa que não colocar uma parte dos aforros em ativos financeiros de risco, caso contrário, os prejuízos serão elevados, dada a perda do poder aquisitivo do dinheiro". "Qualquer investidor deverá ter uns 25-30% em índices norte-americanos, apesar das subidas, as perspetivas continuam a ser positivas, pois os resultados das empresas norte-americanas continuam a impressionar e o seu banco central não parece estar disposto a subir taxas de juro", recomenda. Uma pequena parte, "cerca de 5% em metais preciosos, e, por fim, cerca de 10-15% em criptomoedas".
"Comprar e vender implica suportar comissões de transação, sendo também provável que suporte custos de manutenção da conta de títulos", aponta o economista da Deco Proteste. E sublinha que "estas comissões variam consoante o banco e a bolsa onde os títulos são negociados. Em regra, tem de investir mais de mil euros por empresa, para diluir o peso dos custos", frisa.
Apesar de haver já alguma preocupação com a política monetária, os economistas esperam que as taxas de juro devem manter-se baixas na Europa e EUA ainda por algum tempo. "Contudo, o posicionamento dos investidores deverá ter em conta as expectativas que existam para a evolução das taxas, pois estas afetam de forma significativa a valorização de todos os ativos financeiros", aponta Mário Carvalho Fernandes.
Na hora de investir, deve-se ter em conta que os investimentos têm de ser declarados em sede de IRS. Os ganhos são, em regra, alvo de tributação liberatória e o imposto é retido na fonte, de 28%.
Por vezes, as famílias têm mais dinheiro do que pensam. E há estratégias que podem pôr em prática para identificar eventuais "fugas" de dinheiro e desperdícios e conseguir poupar. Os especialistas dizem que olhar para a poupança como algo importante é crucial e leva a uma mudança de atitude e de comportamentos na gestão do dinheiro disponível e do orçamento familiar.
A poupança como prioridade
O Doutor Finanças recomenda que se deve "olhar para a poupança como uma prioridade, um investimento e não tentar poupar algum dinheiro que sobra e que acaba por competir com atividades de lazer e compras de última hora". "A maioria das instituições bancárias já oferecem possibilidades que permitem, através de entregas programadas, por exemplo, ou arredondamentos, colocar algum dinheiro de parte, que vai diretamente para a nossa conta bancária", aponta. "Se começarmos com 25 euros, por exemplo, por mês, ao final do ano poupamos 300 euros. Podemos ainda estender a técnica ao reembolso do IRS e subsídios de Natal e férias, aproveitando para engordar a nossa poupança".
Renegociar créditos e rever seguros
Rever seguros e renegociar créditos pode gerar poupanças de centenas de euros anualmente, segundo especialistas em finanças pessoais. "Rever e renegociar contratos de crédito e seguros é uma forma de reequilibrar as contas da família, conseguindo gerar poupanças significativas", recomenda o Doutor Finanças. "Se temos créditos, nomeadamente habitação, podemos a qualquer altura tentar melhorar as condições do empréstimo. Transferir os créditos ou fazer consolidação (juntar todos os créditos num só), pode permitir poupanças consideráveis", destaca numa nota sobre poupança. No caso dos seguros, é preciso analisar franquias e verificar se existe uma duplicação das coberturas. "Podemos pedir simulações e considerar colocar todos os seguros na mesma empresa, uma vez que muitas vezes há descontos".
Rever contratos de serviços e subscrições
Os especialistas também recomendam que as famílias revejam contratos de serviços e subscrições. "Seja nos contratos de energia ou telecomunicações, muitas vezes acabamos por estar a pagar por serviços que não necessitamos ou nem sequer usufruímos", frisa o Doutor Finanças. As famílias devem verificar se têm débitos do género e cancelar o que já não se use. "O melhor é analisar esses contratos, fazer contas e ver o que a concorrência oferece", sugere o Doutor Finanças. "Por outro lado, a redução dos serviços, por norma, faz também baixar a fatura. No caso da energia, devemos comparar as várias operadoras e escolher a que é mais vantajosa".
Transferir seguro da casa
A Reorganiza, um site de finanças pessoais, recomenda a transferência do seguro da casa. A consultora lembra que não é obrigatório manter o seguro de vida do crédito à habitação junto do banco onde se contraiu o empréstimo para a compra de casa, pode ser feito noutra entidade. "O monopólio das companhias de seguros no passado fazia com que a grande maioria dos bancos cobrasse valores que chegavam a ser duas a três vezes o valor de mercado", refere. "É possível transferir o seguro de vida do crédito habitação e poupar muito dinheiro", indica.
Reduzir uso do cartão de crédito
A mesma consultora recomenda que se reduza o uso do cartão de crédito, para "cortar no consumo inconsciente". "Se não se consegue controlar então desista dos seus cartões de crédito. O controlo do cartão de crédito permitirá poupar em consumo e eventuais despesas e encargos com a sua utilização", frisa a Reorganiza. E diz que as taxas associadas aos cartões de crédito "são realmente penalizadoras". "Vemos na Reorganiza tantos casos de clientes cujos juros são superiores ao pagamento mínimo, o que significa que todos os meses acumulam mais dívida. E assim entramos naquela espiral de endividamento que pode não acabar bem".
Elisabete Tavares é jornalista do Dinheiro Vivo