Olá pijama, adeus gravata? Como a pandemia está a mudar a nossa relação com a roupa
Com o mundo a viver uma crise pandémica de consequências devastadoras ao nível da saúde pública e da economia, "falar de roupa e moda" pode parecer um exercício de futilidade. Mas João Jacinto, consultor de comunicação e imagem, garante que não é.
Para além de a indústria da moda ser um grande negócio a nível global, o dever de confinamento e o tempo que passamos em casa está a alterar a forma de nos apresentarmos aos outros. Se antes guardávamos as roupas mais largas, talvez mais velhas, mas mais confortáveis, para os dias de folga ou fim de semana, agora passamos a usá-las como "uniforme de estar por casa".
"Todos os dias acordávamos com o propósito de ir trabalhar mas tínhamos certas regras a cumprir. E agora, não tendo que as cumprir, estamos a adotar um look mais casual, mais confortável, principalmente nesta altura da quarentena. E, de alguma maneira, isso vai refletir-se um bocadinho para o futuro", prevê a diretora de moda Joyce Doret. O ambiente mais descontraído de casa levou muitas pessoas a "quebrar as regras" mais formais de vestir de algumas empresas e deu azo à escolha de "roupas mais simples, práticas e confortáveis, acima de tudo", explica.
Será que o tempo que passamos em casa vai levar a uma alteração dos dress-codes mais formais?
Joyce Doret considera que isso não chegará a acontecer, porque existem contextos laborais onde o dress-code continuará a ser importante. "A quarentena trouxe a hipótese de podermos trabalhar em casa, e quem trabalha em casa, como é óbvio, não precisa de vestir um fato. Precisa, eventualmente, de estar um bocadinho "mais arrumado" para uma reunião Zoom. Mas o impecável, a gravata, vai desaparecer... Está a desaparecer", afiança. A roupa menos formal é uma tendência que ganhou visibilidade e quota de mercado em 2020, mas surgiu muito antes da crise pandémica se agravar. "Falando um bocadinho de moda - a streetwear, os fatos de treino -, aquelas roupas mais confortáveis começaram a entrar no mercado da moda já há alguns anos. Com o início da quarentena, ainda vieram com mais peso, ficaram mais fortes. E agora, se entrarmos nas lojas [online], todas as coleções de todas as marcas têm um conjunto desses", descreve a diretora de moda.
"Ir a uma reunião sem estar de fato não é um problema hoje em dia. Cada vez mais a evolução é nesse sentido", explica Doret. "Estamos menos formais, preocupamo-nos mais com o estar mais confortável e mais cool. E os homens... A verdade é que a maior parte dos homens não gosta mesmo, mesmo de gravata. Usam porque têm de a usar. É uma questão de etiqueta, digamos."
Embora considere que a informalidade está a invadir o nosso guarda-roupa, a diretora de moda admite que "a gravata não vai morrer, nunca. Será sempre um símbolo de elegância masculina, mas irá ser um acessório cada vez menos usado, sem dúvida".
"Os homens de certeza absoluta que vão voltar à normalidade e vão voltar à gravata e ao laço", assegura João Jacinto. Para o criador do site "The Gentleman", apesar da "simplicidade" com que muitas pessoas se passaram a vestir, "quem gosta de pormenores" nunca irá abandonar esse acessório. Voltar a adotar um look mais rico em detalhes e mais festivo será uma parte essencial do processo de recuperação desta época, em que coletivamente "nos sentimos mais em baixo". João Jacinto antevê que se aproxima um período semelhante aos "loucos anos 20", porque "as pessoas aperceberam-se da fatalidade e perceberam que têm que aproveitar".
As festas e celebrações onde costumávamos usar roupas mais elaboradas foram adiadas, e até que a pandemia permita o seu regresso a palavra de ordem passou a ser "simplicidade".
"Vivemos tempos mais simples", reconhece o consultor de imagem. Mas "a simplicidade também nos deixa um desafio muito grande - que é não abandalharmos", alerta.
Apesar de não podermos sair de casa, devemos manter o "aprumo", defende Jacinto. "O grande desafio deste confinamento é o relacionamento connosco próprios. Porque é que não me hei de arranjar bem quando estou em casa sozinho?"
"Devemos pensar no nosso eu interior - temos que nos sentir bem - e, acima de tudo, não entrarmos na depressão em que muitas pessoas começam a entrar de não se arranjar. É essencial, acima de tudo, não nos deixarmos enfiar numa bola e ficar só de pijama", acrescenta Joyce Doret.
A pandemia e o confinamento fizeram-nos "pensar na euforia em que vivíamos e também na euforia da moda", reflete João Jacinto. "A moda esteve numa euforia que não há noção. Como é que se apresentam cinco coleções num ano? "Entrámos num corrupio que já estava muito para além de pensarmos na maneira como nos íamos apresentar" em cada estação do ano.
O consultor de imagem e comunicação considera que no futuro "vamos pensar mais no que vamos comprar", porque "não podemos voltar a consumir como consumíamos. Eu sei que dá jeito pagar pouco por aquilo que compramos...", reconhece.
CitaçãocitacaoA moda está a caminhar para peças mais simples, confortáveis e minimalistas. Aquela visão que nós temos dos filmes do futuro, todos de preto ou todos de branco, tenho muito essa visão também
No entanto, frisa que esse "consumo de moda não lembrava a ninguém. E, mais ainda, o impacto ambiental era tremendo. A partir de agora já não podemos pensar de outra maneira - e quem diga o contrário é um tonto", conclui.
A roupa tornou-se mais rápida e barata de produzir e as peças com mais pormenores e detalhes passaram a ser comuns nas cadeias de fast-fashion (muitas delas com responsabilidades ambientais graves) - e nos nossos armários.
"Está tudo a mudar, o mundo está a evoluir para outra estética", avança Joyce Doret. "A moda está a caminhar para peças mais simples, confortáveis e minimalistas. Aquela visão que nós temos dos filmes do futuro, todos de preto ou todos de branco, tenho muito essa visão também", descreve.
Mas, para a diretora de moda, não seguimos apenas em direção ao look minimalista. "Caminhamos, em primeiro lugar, para uma moda mais sustentável, sem dúvida alguma."
Doret prevê que iremos passar a "reutilizar mais as nossas roupas" e só "comprar as que realmente valham a pena, que vamos usar todos os dias. E com roupas que vamos usar todos os dias temos de ser sempre objetivos: pensamos em peças mais minimalistas, para conjugar com todas as outras" e, claro, "mais confortáveis".
"Estamos a ir por caminho mais minimal, mais simples", reforça, concluindo que a forma como nos vestimos irá mudar porque "há mais preocupações no mundo além da moda."
elsa.rodrigues@vdigital.pt