O vírus, três tolos e uma grandeza
Na segunda-feira, Rudy Gobert, 2,16 m de longo torso e pernas, compensados por cabecinha tonta, pivô da equipa de basquete Utah Jazz, achava que a NBA andava a exagerar nos cuidados com o tal covid-19. No fim do jogo, na sala de entrevistas, para mostrar desprezo pelos medos mariquinhas, Gobert passeou as suas mãos pelos microfones dos jornalistas. Feito isso, saiu da sala aos saltinhos gozões.
Na quarta-feira, o galhofeiro deu positivo nos testes da doença, estava infetado - o primeiro caso na NBA. Na quinta, o campeonato fechou até nova ordem. A investigação sobre o vírus ficou a saber dele um poucochinho mais: às vezes, o coronavírus é irónico.
No domingo passado, à porta da prisão de Custoias, Matosinhos, a jornalista televisiva estava cheia de factos que, aliás, transmitia em direto ao povo: 1) os familiares dos presos estavam indignados por não poderem entrar e ver os seus; e 2) os presos tinham começado uma greve de fome por não terem visita. Em tempos normais, devíamos regozijar-nos por o jornalismo privilegiar os factos. Mas, daquela vez, o que a jornalista devia ter era opinião e dá-la.
É que, às vezes, perante a obrigação de uma opinião maior e urgente, os factos menores são uma minudência. Ela devia ter emitido esta opinião e em voz alta: "Em Custoias, visitas e presos protestam mas isso tem pouca importância. Presos foram protegidos de serem infetados, é essa a minha opinião. Atenção, estúdio!"
Em 6 de junho de 1944, um paraquedista das tropas inglesas, ao chegar ao solo, matou um filhote de raposa. O jornalista da BBC que acompanhava a operação viu esse facto, a agonia do raposinho, contou-a numa linha, mas titulou o seu longo artigo com uma opinião emocionante:"Valentes rapazes!"
Eu estou a inventar o episódio, mas o jornalista inglês, a ter existido, percebia do que estava a falar, a invasão da Normandia, o fim do nazismo... Como a II Guerra Mundial e a morte do meu pai, o coronavírus também modifica algumas leis do jornalismo.
Mas, infelizmente, sobre Custoias eu não inventei: a jornalista não percebeu o que se passava e passa, à sua volta e pelo mundo fora.
Na quinta-feira, 12, a xe, foto com franjas, óculos puxados para a ponta do nariz, publicou na sua conta do Twitter: "Os meus tios medicos acabaram de ligar a minha mae a dizer que é caso de emergencia, que estao a morrer imensas pessoas mas que o estado e a midia nos esta a esconder isso.(sic)"
Em tempos de pandemia quase não se usa acentos e a tal xe alertou com pressa digna do "estado" e da "midia" a esconder falecidos. A tolice foi mais longe do que os 1587 habituais seguidores da xe. Por estes dias os vírus andam depressa, e o vírus da xe foi viral.
Fica um desejo: se a raiva de cão levou à vacina antirrábica (até deu provérbio: "dentada de cão cura-se com pelo do mesmo cão"), não podíamos ganhar alguma coisa com o coronavírus? Isto é, não podíamos armar-nos com legislação extremamente violenta contra quem sabota os que salvam o país? Defino extremamente violenta: uma lei que impeça as xe de dizerem coisas a mais de um seguidor de cada vez.
Entretanto, o governo decidiu várias coisas, incluindo isto: contratar mais médicos, sem limite de idade. Quer dizer, aconteceu nesta semana o mais belo elogio que um governante já fez àqueles profissionais. E logo António Costa, que tão pouco jeito tem para palavras comovedoras. Ele disse, pois, em palavras legais: antes, os médicos aposentados com mais de 70 anos não podiam ser contratados pelo Estado; agora, já podem.
Traduzido, com a emoção que devemos todos: apesar dos riscos específicos acrescidos, obrigado, velhos médicos, por podermos continuar a contar convosco.