O "simpático" professor Paty e o seu carrasco de 18 anos. O último choque terrorista em França

Samuel Paty recebia ameaças constantes desde que mostrou, numa aula, um cartoon de Maomé, publicado pela revista satírica Charlie Hebdo em 2015. Alegado agressor foi morto. Era um jovem russo com ascendência chechena, que estava em França desde os seis anos com o estatuto de refugiado.
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Uma decapitação na via pública perto de Paris parece cena de um qualquer filme de terror, mas aconteceu mesmo e é o mais recente ato terrorista a abalar a França. A vítima era um professor de História e Geografia que tinha exibido caricaturas de Maomé (publicadas pela revista Charlie Hebdo, em 2015) durante uma aula de educação moral e cívica sobre liberdade de expressão, no início de outubro. Desde então que recebia ameaças de morte, concretizadas por um jovem russo de 18 anos, que acabou também ele morto pela polícia.

O presidente Emmanuel Macron qualificou de "atentado terrorista islamita" e a Procuradoria Nacional Antiterrorista abriu uma investigação por "assassinato em conexão com uma empreitada terrorista" e "associação criminosa terrorista". O que se passou e quem são os envolvidos e as suas motivações?

Samuel Paty, um professor de história e geografia de 47 anos, descrito como "simpático", "motivado" e "próximo dos alunos", foi decapitado no meio da rua, na tarde de sexta-feira, perto da escola Bois d'Aulne, onde ele trabalhava, em Conflans-Sainte-Honorine, uma pequena cidade de 35 mil habitantes a 50 quilómetros de Paris. "Ele realmente queria ensinar-nos coisas", disse um dos alunos, antes de um colega lembrar que ele todos os anos mostrava caricaturas de Maomé por altura do aniversário do atentado contra a revista Charlie Hebdo, que em 2015 vitimou mortalmente 12 pessoas.

O agressor terá esperado do lado de fora da escola e pedido a alguns alunos que identificassem o professor quando ele saísse. O movimento suspeito levou um cidadão a alertar a polícia para a presença do indivíduo, mas quando a polícia chegou ao local encontrou a vítima já decapitada a cerca de 200 metros da escola. As autoridades iniciaram então uma perseguição a um homem que segurava uma faca e os ameaçou com uma espingarda de ar comprimido, levando os policiais a dispararem contra ele. Foi alvejado com nove tiros e teve morte imediata.

Antes de ser morto pela polícia, o atacante gritou "Alá é grande", segundo uma fonte judicial. A polícia encontrou o documento de identidade do agressor: Abdoulakh Anzorov, um russo com ascendência chechena, nascido em Moscovo em 2002 (18 anos). Chegou a França depois de pedir asilo quando tinha seis anos. Tinha estatuto de refugiado e não tinha antecedentes criminais graves - apenas uma multa por contrafação e uma rixa de rua -, nem estava sinalizado pela polícia antiterrorismo francesa. Morava na cidade de Évreux, na Normandia, a cerca de 100 km da cena do crime e, segundo a investigação, não tinha ligação aparente ao professor ou a escola.

Abdoulakh terá ainda postado no Twitter uma fotografia da cabeça da vítima com uma mensagem dirigida ao presidente Emmanuel Macron, "o líder dos infiéis", explicando que quis "executar" a pessoa que "se atreveu a menosprezar Maomé".

Em causa a caricatura do profeta agachado, com uma estrela desenhada nas nádegas, e a legenda "nasce uma estrela" mostrada pelo professor Paty numa aula e que levou à revolta de vários pais. Alguns deles chegaram a ir à escola tirar satisfações com o professor e o diretor. Um deles apresentou mesmo uma queixa na polícia contra Samuel por difamação. O professor explicou então que tinha aconselhado os alunos muçulmanos a sair da sala ou a desviar o olhar caso se sentissem ofendidos, mas a situação foi de tal forma ameaçadora que Samuel Paty chegou a ir à esquadra apresentar queixa (alegadamente por ameaças de morte). Segundo a investigação, o professor morava perto da escola e costumava ir para casa por um caminho que atravessava uma mata, mas tinha mudado o percurso recentemente, para ir pelo meio do bairro, porque se sentia ameaçado.

Dias depois acabou decapitado na rua. O alegado agressor foi morto pela polícia, que já fez mais nove detenções, entre eles quatro familiares do jovem checheno e dois pais de alunos, por possíveis ligações com o extremismo islâmico. Foi ainda detido um amigo de um dos pais detidos, conhecido militante islâmico, que já estava no radar dos serviços de inteligência franceses e emitido um mandado de prisão para a meia-irmã desse pai, que se juntou aos combatentes do grupo do Estado Islâmico na Síria.

O ataque provocou uma onda de indignação na França. Ainda há apenas três semanas, duas pessoas ficaram feridas após um ataque com faca por um paquistanês de 25 anos próximo às antigas instalações do semanário satírico Charlie Hebdo, a revista que voltou a republicar os desenhos feitos por vários cartonistas, por ocasião do julgamento dos atentados de 2015.

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