Joe Berardo é comendador. O Estado, através da Presidência da República, distinguiu-o por serviços relevantes que prestou ao país. Ele é verdadeira e reconhecidamente um primus inter pares. É, sem dúvida, uma homenagem apropriada. Talvez a questão dos serviços relevantes à comunidade seja discutível, mas que pessoas como ele têm a admiração dos portugueses, que a falta de honra que mostram nos diverte, que até invejamos o descaramento que exibem, não há dúvida nenhuma..Gostamos mesmo da pose Berardo. Da arrogância bacoca, da soberba parola, da javardice oratória..Claro, uns gostam mais do que outros. Há até quem se impressione tanto com tudo aquilo que pega em mil milhões de euros e lhos ponha na mão sem garantias nenhumas. Minto. Deram-lhe esses milhões todos e ele deve ter dito "no problem, guys. Se as ações subirem eu ganho uma fortuna, se descerem quem perde são os vossos bancos". Deve ter sido uma risota "ahhh, este Joe é impagável". "Claro, Joe, que garantia pode ser melhor do que esse teu genial atrevimento?".Mas por que diabo não lhe haviam de dar (é o termo certo) o dinheiro? Não era ele um homem de negócios conhecido? Não tinha uns negócios em África? Tinha, não tinha? Quais? Quem o recomendava? O facto é que ainda ninguém sabe o que o homem fazia antes de regressar a Portugal, nem quais eram os seus negócios. Aliás, é mais uma especificidade portuguesa: ninguém se preocupa com o passado de ninguém. Ainda recentemente um tipo chegou a presidente de um dos maiores clubes nacionais sem que ninguém lhe tivesse perguntado o que fazia antes de ali chegar..Quando começaram a aparecer uns problemazitos com o dinheiro (uns 300 e tal milhões do banco que pagamos diretamente, os outros que pagamos de outra maneira) que puseram nas mãos do artista Berardo, pediram-lhe umas garantias. Ou seja, qualquer coisita acima de rigorosamente nada. O comendador foi de uma generosidade inexcedível. Deu como garantia uma coleção de arte que, com muitíssima boa vontade, vale um terço do valor que deve aos bancos e que é muito improvável que possa ser executada. A tal coleção que está no CCB e que - será ou não - é da Fundação Berardo, que em final de 2017 tinha um buraco financeiro de 517 milhões de euros. Uma maravilha..Segundo Eduardo Paz Ferreira, ex-presidente do conselho de auditoria da CGD, Berardo era um cliente especial e à margem das regras. Não se especifica se já o era antes de dever aquele dinheiro todo, depois disso percebemos todos porquê. Tão especial que o administrador executivo da Caixa "ficou ofendidíssimo" por ter sido chamado por Paz Ferreira a uma reunião para que se analisasse o problema desses créditos. De facto, que falta de propósito chamar alguém à atenção por um crédito daquele montante não ter garantias. Resta saber se esse cavalheiro ficou muito surpreendido quando se apercebeu de que no património do comendador apenas constava uma garagem no Funchal. Era capaz de apostar que dessa vez não se deve ter sentido ofendidíssimo. Estes magos da banca que já estiveram em todo o lado e que quando as coisas correm mal nunca têm culpa de nada são espetaculares. A propósito, muito gostava de saber das carreiras profissionais de quem assinou os créditos nos três bancos em causa. Aposto que sem problema nenhum..Entretanto, Joe Berardo, continua a passear-se como se tudo fosse normal. Dá entrevistas televisivas, aparece em eventos sociais e não parece que o seu padrão de vida se tenha alterado..Convenhamos, nada que surpreenda ou espante. É só mais um que deixa calotes imensos (ainda há pouco outro caloteiro declarava que o seu único património era uma mota de água) e cuja vida prossegue sem que pareça muito preocupado e sem que ninguém se sinta indignado. Que pensará um cidadão que não consegue pagar uma prestação de 300 ou 400 euros de crédito à habitação e fica sem casa para viver, enquanto um outro deve mil milhões e descansa num palácio? Digamos que se isto não é causa para um completo descrédito dos cidadãos nas instituições, não sei o que o causará..Não faço ideia de como o Berardo e outros vivem com a sua consciência. Quando perderam a vergonha? Como é que conseguem andar na rua e olhar de frente para as pessoas? Em que pensam quando saem dos seus carros e entram nas Quintas das Bacalhôas ou nos Jardins da Paz? Acham-se mais espertos do que os outros? Desprezam os que não conseguem fazer o que eles fazem? De que forma pedem aos seus empregados seriedade e honestidade no desempenho das tarefas? Com que cara dirão na cara dos credores que não pagam quando a seguir seguem para umas férias num qualquer lugar exótico?.E a nossa comunidade que entra num tumulto quando um político leva um familiar para um cargo de confiança pessoal e gargalha com as histórias de um Berardo? A mesma que fica muito chocada quando um secretário de Estado vai numa viagem de um dia ver um jogo de futebol, mas que encolhe os ombros quando o comendador vai à televisão dar umas risadas e insultar políticos..Num país que tolera este género de personagens, que não se indigna, que lhes aperta a mão, que os serve, que, no fundo, as admira, faz todo o sentido que tenha Joe Berardo como comendador..Os Estaleiros e as trincheiras.Não faltou gente a lembrar as previsões de catástrofe que foram feitas quando da privatização dos Estaleiros Navais de Viana dos Castelo. O facto é que, passados cinco anos, uma empresa que estava num estertor recuperou. Emprega muita gente, está reabilitada e, aparentemente, goza de excelente saúde. Ganhamos todos..O sucesso desta (bem feita) privatização não nos pode fazer esquecer os autênticos atentados contra a economia e a soberania nacionais que foram os processos de privatização da ANA e da REN, só para dar dois exemplos..Para quem o mundo é a branco e preto, tudo o que é privatização ou manutenção no setor público é um crime, dependendo do lado da barricada. Não há dúvida de que viver e decidir dessa forma é muito simples. Metemos os problemas na nossa fórmula e não há que enganar..Os ventos estão de feição para os extremistas, para os que escolhem uma trincheira e nem sequer olham para o outro lado, nem sequer pensam que pode haver alguma razão no outro. O mundo não está, decididamente, para os moderados..Ratzinger e a sexualidade.O ex-papa Ratzinger, num documento intitulado "A Igreja e os abusos sexuais", afirma que, desde os anos 1960, "os padrões vinculados à sexualidade colapsaram completamente" e complementa, num outro passo do documento, escrevendo que "as liberdades pelas quais a revolução de 1968 lutou - por uma total liberdade sexual sem mais normas - estão fortemente relacionados com um colapso mental"..Realmente, isto de as mulheres terem o mesmo direito que os homens a exprimir a sua sexualidade, não ser obrigatório obter a bênção matrimonial para se ter uma vida sexual, a virgindade não ser uma prova de pureza, a homossexualidade não ser um crime entre outras poucas-vergonhas, fez regressar Sodoma e Gomorra e, coitada, a Igreja Católica foi atrás..A Igreja Católica, ao longo destes dois mil anos, conseguiu sempre perceber o sentido da história e, melhor ou pior, acompanhar os tempos. As últimas décadas mostram que há uma grande probabilidade de que perdeu essa capacidade. Este documento, até por ser de um dos maiores pensadores da Igreja Católica, é prova disso.