O regresso de Mariah Carey aos discos
Ao contrário do que seria desejável, 2014 não está a ser um ano particularmente rico para o r&b, género que parece estar a ser dominado por uma projeção falaciosa de "futurismo" que, verdade seja dita, assume, cada vez mais, contornos passadistas. Felizmente Mariah Carey voltou aos discos, cinco anos depois do excelente Memoirs of an imperfect angel, álbum onde não habitavam hits óbvios, mas que proporcionava uma experiência imersiva e íntima sobre a personagem de diva que a cantora há muito assume. Essa parceria com o produtor The-Dream resultou numa das obras mais inventivas do seu percurso.
No entanto, esse disco foi também o seu menos bem sucedido, comercialmente falando. Entretanto passaram cinco anos, período durante o qual foram sendo lançadas canções que ameaçavam a edição de um novo álbum, que foi sendo adiado até, finalmente, chegar este Me. I Am Mariah... The Elusive Chanteuse. Este é um trabalho que aponta para muitos caminhos distintos, desde temas mais emotivos com inflexões gospel que trazem à memória os primeiros anos da sua carreira (Cry, Camouflage ou Heavenly), a viagens pelos recantos do disco (You Don't Know What To Do ou Meteorite), passando ainda pela integração de dinâmicas próprias do hip hop (em Dedicated ou Thirsty). No entanto, a cantora consegue manter uma unidade em tudo isto, não só com as suas performances vocais, mas porque é transversal no álbum uma linha condutora ao nível dos arranjos, com uma instrumentação mais orgânica que, ainda assim, não dispensa pormenores de produção orientados por sintetizadores e por um impulso tecnológico.
O disco começou por ser apresentado há um ano com o lançamento do single #Beautiful, um dueto com o cantor Miguel, uma das melhores vozes do r&b atual. A canção mostra na perfeição o calibre interpretativo de Mariah Carey. A sua entrada na canção, ao fim de um minuto e meio de apenas se ouvir Miguel, é dos momentos mais preciosos do disco. A forma como aborda, interpretativamente, certos pormenores pouco usuais, brincando com as palavras, fazem de Mariah Carey uma voz para sempre imbatível. A produção é subtil, porque a canção vive da força e criatividade dos intérpretes, que cruzam territórios num dueto perfeito. Ouve-se por aqui um ambiente quase retro, lembrando ao de leve a Stax, mas se há coisa que a canção não é é ser reverente com o passado ou um mero balão de ar nostálgico.
Está longe de ser o único momento de destaque do álbum. O brilho cristalino do refrão de Thirsty, a aura technicolor Paisley Park de Supernatural e a descontração disco de You Don't Know What to Do (cujo início austero, com Mariah apenas acompanhada pelo piano, engana a felicidade que se segue) são provas de que a cantora se mantém uma das vozes mais prescientes do atual r&b, agora plenamente confiante e segura de todas as suas valências, não precisando, por isso, de seguir narrativas extra-musicais que os adeptos do "futurismo" tanto advogam.